Autor: Autor Desconhecido
Hoje estamos entrevistando Ziel Machado. Ziel é Historiador, membro da equipe pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo, Secretário Regional da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos na América Latina (ABU). Foi obrerio da ABU-Brasil por dezoito anos, primeiro no Rio de Janeiro e depois como Secretário Geral . Casado com Solange, tem três filhos e este ano está passando seu ano sabático no Regent College – Vancouver. De lá Ziel nos responde esta entrevista:
1- Ziel, como se deu seu envolvimento com a ABU? Que diferença tem feito em sua vida ser parte desta organização?
Na minha adolescência, na Igreja Batista do Meier- Rio de Janeiro, tive uma professora na escola dominical que participava da ABU. Ela nos convidou para um curso de férias para estudantes secundaristas (1977), eu e uma amiga da igreja, que estudávamos na mesma escola, decidimos ir. Desde então, de formas variadas estou vinculado ao ministério estudantil. As mudanças foram muitas, dificil de resumir, o que eu posso dizer é que o ministério estudantil (através da ABU), me colocou em contato com uma tradição evangélica de missão onde a fé cristã me ensinava a viver e a me preocupar com este mundo; onde a razão é desafiada a se tornar discípula, onde o conhecimento deve se transformar em sabedoria e, por todas as formas, defender a vida. No momento que entrei na ABU o país vivia uma experiência difícil e a fé evangélica (pelo menos nos círculos em que eu vivia) estava de "olhos fechados"para a situação. Descobrir as implicações da Encarnação de Cristo como princípio missiológico foi quase uma "nova conversão"; descobrir um grupo de jovens que realmente criam no Poder do Evangelho mudou minha forma de ver a vida.
2- Que diferenças você enxerga entre o ambiente universitário de quando você era aluno, para o ambiente universitário do momento atual?
Meu primeiro período na Universidade foi entre 1980 – 1983, neste tempo estávamos na famosa "transição gradual e segura" para um regime democrático. Neste período vivenciamos as greves do ABC em São Paulo, a fundação do PT, a Anistia, o atentado no Rio Centro e as explosões de bancas de Jornais no Rio, na OAB e na ABI. Eu vi o prédio da UNE ser demolido no Aterro do Flamengo e a reação estudantil enfrentando jatos de água. Neste momento estávamos sobre os impedimentos do Atos Institucionais 288 e 477 que afetaram diretamente as Universidades de maneira, que toda movimentação que fazíamos tinha um sabor de "clandestina". Como aluno no curso de História (UFRJ) esses temas eram nosso "pão de cada dia". Ser cristão e ser Universitário neste momento era uma "contradição", como me queriam fazer crer os meus companheiros de curso. Tempos difíceis para a evangelização.
Meu segundo momento na Universidade foi no períiodo do mestrado na PUC- São Paulo, entre 1993 – 1997. Em dez anos a realidade mundou profundamente, do forte movimento de reação e busca de alternativa( pela via política dos anos 80), no fim dos anos 90 (sem querer generalizar), me deparei com uma juventude que ainda buscava alternativas, mas agora por caminhos bem diferentes.Havia um senso de desperança existencial, chamado por alguns como Pos-modernidade, onde o desencantamento com as Utopias globais (Queda do Muro de Berlim), com a Supremacia da razão (que não deu todas as respostas), com o Mito da Bondade Natural (versus o crescimento do potencial de autodestruição) e o Mito do Progresso para todos ( os tentáculos do Mercado versus a exclusão e o surgimento do 4 mundo), realçou o desejo humano pela busca de transcendência, a busca por Sentido e a busca por Comunidade.
Diferentes momentos, mas cada um com seus riscos e suas oportunidades para a missão!
3- Em quê, ser universitário cristão hoje difere de 25 anos atrás?
Eu diria que a 25 anos atras a Universidade era conhecida como cemitério de estudante cristão, devido a dificuldade de fazer um diálogo consistente entre a fé biblica e o mundo da ciência. Muitos abriram mão da fé, outros fizeram um esforço esquizofrênico para manter estas duas dimensões separadas e intocáveis. O fato é que a escola dominical não nos ajudava a ter uma fé madura para enfrentar a realidade; fomos preparados para fazer diálogos de surdos. E além do mais, a Universidade não era vista como um campo missionário (o que continua sendo verdade); poucas igrejas preparam seus jovens para este momento crítico. Digo isso porque vejo como a turma chega nos encontros da ABU, e aí temos que lutar com as prioridades na agenda entre o chamado para evangelizar e o desafio de ajudar nossos irmãos a "segurar a onda".
Eu diria que hoje existe muito mais abertura para o Evangelho e uma completa rejeição a Igreja. Isso nos dá um desafio enorme pois somos salvos para fazer parte do corpo de Cristo, para fazer parte de uma igreja local. Hoje o desafio de levar os estudantes à Cristo está associado ao desafio de ajudá-lo a entender que a obediência ao Senhor Jesus o levará a uma igreja local que não é perfeita (se fosse perfeita, no dia que este estudande entrasse deixaria de ser,-risos,rsrsrs). Junto a este desafio está o fato de que, se o cursinho abilita alguém a fazer o curso universitário o mesmo não acontece (na grande maioria dos casos) com a escola dominical. Algo urgente deve ser feito neste sentido!
4- Em sua opinião, como a igreja local pode construir uma estrutura pastoralmente eficiente para acompanhar o universitário cristão? Que conselhos você daria para pastores que querem fazer diferença nesta área de suas igrejas?
Encare a Universidade é campo de missão. Envie seus jovens a este espaço de missão com todo suporte de oração e cuidado pastoral (que todo membro precisa), de forma intencional, continuada e responsável. Prepare seus jovens para este transição; faça um grupo de estudo bíblico especial para quem está pensando em entrar na Universidade. Selecione jovens professionais em sua igreja que viveram esta experiência para serem mentores destes calouros. Faça um programa de pelo menos um ano de acompanhamento pastoral, utilize os recursos de literatura e ministérios direcionados a este seguimento para dar o suporte necessário. Coloque os pais reais e "adotivos" para orar por eles, abra espaço para que possam compartilhar com a igreja suas lutas neste período. Ajude de forma economica para que eles possam participar de encontros com outros cristãos, e assim ter sua fé fortalecida e seu esforço missionário mais consistente. Vocês ficariam surpresos ao ler sobre a história de missões da igreja cristã e ver como a Universidade tem sido o celeiro para muitos períodos de avanço da obra missionária; começando com Francisco de Assis e seu grupo (para não falar de Daniel e seus amigos na Babilônia), passando por Wesley, Lutero, os 7 de Cambridge, D.W. Mott; e tantos outros.
5- E a inclusão na vida da igreja daqueles que o Senhor tem trazido a si, a partir da universidade. Melhorou ou piorou nestes últimos 20 anos? Em sua opinião por quê?
Eu não tenho números para dizer se piorou ou melhorou, eu diria que continua muito difícil. A história passada e recente da igreja cristã, conforme se ensina e por aquilo que a mídia apresenta, tende a chamar atenção para os momentos de pecado da igreja. Por esta razão digo que os estudantes continuam interessados em Jesus e completamente desconfiados da face histórica da igreja. Contudo, aqueles que o Senhor chamou, cedo ou tarde se encontram em alguma expressão do Corpo de Cristo. O que tenho visto é que as comunidades abertas para receber estudantes, no meio de suas muitas perguntas, de forma respeitosa e acolhedora, se tornam ponto de referência para muitos outros jovens que estão no mesmo momento de vida. Como costumo dizer; "onde tem comida o povo faz fila".
6- Vamos para a vida pessoal: Tendo mais tempo com a família este ano, que lições e reflexões você tem feito sobre a vida familiar de um líder cristão? O que tem sido mais essencial?
Tenho pensado muito sobre o significado de cuidar. Vendo como Deus cuida de forma fiel de nós e assim viabiliza a vida. Como Deus colocou o ser humano no Jardim do Édem para cuidar, da mesma forma com Pedro, no contexto de sua tristeza por haver traído a Jesus, o Senhor o convidou a cuidar do rebanho. Somos chamados a cuidar de nosso pequeno jardim ( a familia) e chamados a cuidar de sua Igreja; e a cuidar desta terra. Somente a fidelidade sustenta a vida, em seus diferentes estágios ou estações é a fidelidade que mantém a vida. Bem, por aí estou vivendo este momento como família, pensando, escrevendo e lendo.
7- Eu soube que você e seus filhos tem um novo investimento musical: tocar instrumentos de sopro. Conte um pouco desta experiência.
Nossa família tem um gosto muito especial por música, todos tocamos algum instrumento e temos música por toda a casa. Com meus filhos entrando na adolescência, resolvi fazer algo em conjunto com eles. Alguma coisa que nos aproximasse mais neste período, assim resolvemos estudar Trombone juntos. Estudamos durante o ano de 2003 no SESC- São Paulo e queremos retornar para lá em 2005 para retomar esta experiência que tem sido muito legal.
8- Seu filho mais velho se aproxima do momento de viver a entrada na universidade. Qual o melhor conselho para dar a ele no dia de começar a vida universitária?
Eles estão crescendo neste contexto de ministério estudantil e como são muito observadores já devem ter internalizado muita coisa. O que procuramos fazer é deixar sempre um ambiente de muita abertura em casa para conversar e trocar ideias sobre os diferentes momentos e situações da vida. Em nossa casa todos sempre estamos lendo algo, assim aproveito para selecionar e indicar uma literatura adequada para este período. Meu filho mais velho já esta participando de acampamentos da ABU e criando seu próprio universo de relações neste grupo. Estou procurando fazer uma viagem com cada filho para que eles possam ver este universo de missão estudantil e aprender a olhar para esta experiência de uma forma diferente. Se tivesse que colocar em uma frase um conselho, eu indicaria a leitura dos livros de Provérbios e Eclesiastes; aliás eles acabaram de ler o livro de Provérbios em seu tempo de leitura devocional e agora estão iniciando o Evangelho de João que será fonte de nossas conversas nesta semana que se inicia.
9- Quem foi a pessoa que mais influenciou você a ser quem você é como cristão? De que maneira?
Foram pessoas diferentes, em diferentes momentos e por meio diversos. Eu diria que iniciando na família, passando por líderes não cristãos (no meu tempo de desportista), meu grupo de amigos na adolescencia e juventude na Igreja; alguns professores de escola dominical; muitos líderes na ABU; meus companheiros de evangelização na Universidade; amigos de longa data na caminhada cristã e vários escritores por meio de seus livros, muitos livros. Próximo aos livros estão os períodos de estudos em algumas escolas bem especiais por onde andei e sobretudo por alguns mestres com quem pude desfrutar de maior proximidade.
10 – Para ir terminando: Você é historiador. Como um historiador do futuro descreveria o momento atual da igreja brasileira?
Como historiador fui treinado para olhar para o passado, e quanto mais distante melhor; no entanto meu olhar para igreja é marcado pela ambiguidade que a mesma representa nesta dupla dimensão histórica e eterna. Vejo com muita alegria sinais daquilo que o Senhor está edificando (Mt.16.18), em muitas comunidades locais e de denominações diversas.De maneira simplificada poderia dizer que é a obra de reconciliação de todas as coisas com Deus, conforme fomos chamados a ser e fazer em 2 Corintios 5.20. Contudo não posso deixar de manifestar minha preocupação por uma determinada face da igreja que, em sua prática de missão, nega os fundamentos do Evangelho que deveria estar anunciando. Muito se tem escrito sobre isso, e autores com muito mais propriedade do que eu poderiam descrever este fenômeno, mas o Senhor está no controle e tudo que é feito será provado, e o que não for aprovado será destruído. Assim devemos seguir segundo a vocação que nos foi proposta apontando para o alvo que o Senhor nos propos e denunciando toda iniciativa que nos quer fazer desviar deste caminho que nos está levando de volta ao Pai. Ele está vindo ao nosso encontro, trazendo o Novo Céu e a Nova Terra, a nova Jerusalém na qual os nascidos de novo irão desfrutar de sua presença.
11- O que você está lendo atualmente ou o que você recomendaria aos nossos leitores buscarem para ler?
Como estou ausente do país neste momento, muito de minha leitura esta seguindo a orientação de meus professores por aqui, e aqui se lê muito. É possível que as obras que esteja lendo ainda não estejam traduzidas. Nestas duas semanas estive mergulhado nos seguintes livros:
Como estou ausente do país neste momento, muito de minha leitura esta seguindo a orientação de meus professores por aqui, e aqui se lê muito. É possível que as obras que esteja lendo ainda não estejam traduzidas. Nestas duas semanas estive mergulhado nos seguintes livros:
1) The heart of Evangelism de Jerram Barrs,ed.Crossway Books – Acabo de fazer um curso com ele, foi excelente. Este livro será publicado no Brasil pela editora Presbiteriana.
2) Discipleship on The Edge : an expository Journey through the book of Revelation- by Darrel Johnson ed. Regent College Publishing. Este é um comentário sobre o livro de Apocalipse. Darrel é um excelente professor, com muita sencibilidade cultural (foi missionário nas Filipinas)
3)The other six days .ed. Eerdmans -Regent & Down to Earth Spirituality ed. IVP . Ambos escritos por Paul Stevens, que no Brasil tem publicado dois livros; A hora e a vez dos leigos- ABU e um sobre casamento publicado pela JUERP. São livros para sacudir a cabeça em termos da espiritualidade do dia a dia e do conceito de vida como igreja no mundo. Tambem excelente material.
4) The Sabbath by Abraham J.Heschel. ed. Farrar, Straus and Giroux. Um classico sobre o tema, onde diz que muitas religiões tem um lugar sagrado enquanto que o Judaísmo tem um tempo sagrado.
5) Linving as the people of God by Christopher Wrigth. Um classico sobre a ética do Antigo Testamento, no Brasil está publicado pela ABU com o título Povo, Terra e Deus.
6) From Brokenness to Community by Jean Vanier. ed.Paulist Press. Fundador da Comunidade LÁrche e responsavel pela reorientação ministerial de Henri Nouwen, quando deixou Havard para se juntar a ele em L’Arche
12 – Que palavra final você deixa para quem estiver se sentido chamado a viver o evangelho de maneira relevante no mundo e na igreja?
Eu deixaria dois textos bíblicos. O primeiro se encontra em Esdras 7.10 e o segundo em 1Timoteo 4 (com destaque para o vesículo 16).
Ziel, muito obrigado pelo seu tempo e disposição em responder nossas perguntas. Com certeza sua contribuição vai fazer diferença na vida de muitos. Continue servindo com fidelidade e sendo relevante onde Deus tem plantado você.
Publicado em:
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