Autor: Dom Geraldo Majella Agnelo
“Que devo fazer para conseguir a vida eterna?… Jesus olhou atentamente para ele e o amou” (Mc 10,17.21).
“Jovens, eu vos escrevo porque vencestes o maligno. Filhinhos, eu vos escrevi porque conheceis o Pai. Jovens, eu vos escrevi porque sois fortes e a Palavra de Deus permanece em vós, e vencestes o maligno” (1Jo 2,13-14).
A palavra de Deus tem uma visão positiva da juventude. São João a elogia como vencedora do maligno e porque ela é capaz de acolher com firmeza o que vem do Senhor. Antes do apóstolo, o próprio Jesus soube ler, no coração de um jovem, imensas possibilidades de doação: “Ele o amou” e o deixou falar e escutou uma pergunta que dificilmente se encontra nos lábios dos adultos: “O que devo fazer para conseguir a vida eterna?”. Falar dos jovens é fácil, difícil é deixar que eles falem. Se eles tivessem mais compreensão, por parte dos adultos, com certeza a humanidade seria mais feliz.
Os jovens não são um problema, eles têm um problema. O seu problema são aqueles ex-jovens que perderam a força ideal que possuíam quando manifestavam contra as injustiças e invocavam mais democracia. Os preconceitos contra os jovens é coisa antiga. Os ex-jovens (pais e até educadores) caem no equívoco de criticar os filhos sem lembrar-se que também eles foram, no seu tempo, idealistas inquietos. Ser jovem nunca foi fácil, pois a juventude que busca o essencial é sempre um desafio para toda a sociedade.
Quando observamos o rio de estudantes invadir as calçadas rumo aos colégios, universidades e trabalho, damo-nos conta de que está acontecendo uma imensa peregrinação em direção à vida, ao futuro da humanidade. Há algo profundamente religioso nesse caminhar dos jovens que almejam investir no seu futuro. Por mais que alguns tentem manipulá-los, não existem jovens fazendo manifestações para que seja autorizada a baderna nas escolas, para reivindicar o direito à droga livre, ao prazer desenfreado, aos vícios etc. Há, pelo contrário, movimentos de jovens em favor do emprego, de um lugar nas escolas, de um salário justo, do fim da guerra e da violência. Não são os jovens que pedem estruturas a serviço da prostituição, causam uma guerra, exigem camisinhas de graça, luxo e conforto. Os jovens podem ser intemperantes, mas acabam mostrando mais seriedade do que aqueles adultos que se esqueceram dos valores que defendiam quando eram eles mesmos jovens. Eles sonham e querem construir uma sociedade fraterna.
A alienação não é opção juvenil, mas armadilha de adultos calculistas, frios e oportunistas (Cf. At 16,16-19). Ela é obra de ex-jovens que vivem em contradição com os ideais defendidos quando saíram da adolescência. Apesar das aparências, a juventude é a fase mais séria da vida humana. As grandes decisões amadurecem entre os 18 e os 25 anos, quando se define uma vocação profissional, espiritual, familiar ou social. Basta que cada um de nós olhe para trás para confirmar que o que somos agora é fruto de intuições sérias, experimentadas nos anos de nossa juventude.
Alguém me disse, certa vez, que nos tempos da guerra fria a ideologia marxista usava uma técnica para enfraquecer os adversários: invadir os países inimigos com filmes e jornais pornográficos, facilitar a circulação de drogas e bebidas alcoólicas. Enfraquecer a juventude com os vícios aumentavam as chances da vitória. Os vícios geram dependência e moleza, enquanto que as virtudes produzem o heroísmo. Ficou famosa a formação que Esparta dava à sua juventude. A sociedade opulenta e consumista aborrece as virtudes. Isso sabem muito bem os que têm nas mãos os meios de comunicação social. A alienação da juventude não é uma opção dos jovens mas uma estratégia de todas as ideologias.
Onde estão os valores da juventude? Eles estão presentes nas diversas camadas da sociedade. Com seu entusiasmo e com suas percepções formidáveis os jovens continuam sendo protagonistas de uma benéfica transformação cultural. Eles possuem uma carga religiosa que perpassa toda a humanidade. Ao lado de uns poucos perdidos, há um exército de gente que busca dar um sentido à própria vida e trabalha para devolver dignidade à vida dos outros. O planeta-jovens possui um potencial religioso que explode a toda hora. Somente os cegos não enxergam os valores que a massa juvenil mostra possuir por meio de seus anseios por um mundo fraterno e justo. Nascidos para o heroísmo, eles encontram em associações religiosas e filantrópicas o lugar idôneo para realizar seus próprios ideais. Mesmo aqueles que atravessam um período de confusão e de crise, esperam que a Igreja e os cristãos saibam acolhê-los e transmitir-lhes “um consolo em Cristo, um conforto de caridade, uma comunhão no Espírito, uma compassiva ternura” (Fl 2,1).
No próprio Brasil, são milhões os jovens que vivem o cristianismo de verdade ou procuram em outras expressões religiosas a chance de fazer o bem para as pessoas menos favorecidas. Os jovens não enchem somente os estádios, as boates e as praias. Os que vivem atrás do lazer estonteante são uma minoria. As longas filas de jovens que enfrentam o desgastante vestibular ou procuram um emprego, demostram que a nossa juventude pretende construir um futuro cheio de esperança e de justiça. Quando se apagam as esperanças e sonhos dos jovem, aborta-se o futuro da sociedade.
O Brasil pouco conhece e pouco valoriza a juventude que tem. Se a conhecesse, dar-lhe-ia mais condições de vencer a luta brava na construção de uma sociedade solidária. O valor dos jovens brasileiros é reconhecido no exterior onde vivem milhares de nossos filhos e amigos que sabem lutar e vencer enfrentando mil dificuldades. Esses jovens não querem mais voltar ao Brasil, porque esta pátria “amada e idolatrada ” não parece muito interessada em lhes oferecer condições de vida decente.
É de se perguntar por que tanta juventude procura no exterior as chances de ser vencedora na vida. A tudo se submete, enfrenta sacrifícios enormes, aceita todo tipo de trabalho humilde e manda o dinheiro ganho para a família. Mesmo assim, não consegue acabar com o preconceito de que a juventude não presta, não leva a sério a vida e não quer nada com nada. Um exército de nisseis brasileiros foi trabalhar no Japão na esperança de ganhar dinheiro e de voltar rico para o Brasil. Outros, a fim de ajudar as famílias que aqui ficaram, fizeram o mesmo percorrendo ao contrário as viagens de seus bisavós e avós que vieram da Europa. Estes jovens demonstram um espírito de heroísmo extraordinário e ainda se continua a dizer que a juventude não tem vontade de trabalhar e só quer se divertir? Apesar do salário indigno que recebe o jovem trabalhador, são milhões os que resistem à tentação de um ganho fácil que poderiam conseguir entregando-se à marginalidade, e buscam um emprego modesto que dê a ilusão de amenizar sua vida tão sofrida. O que faz de verdade a sociedade pela imensa massa de idealistas que todo ano sai das escolas preparados para dar uma contribuição eficiente à transformação do país? Quais são as chances efetivas que esse exército de sonhadores tem de encontrar emprego e salários satisfatórios?
E o que dizer dos inúmeros jovens que deixaram o país por causa da fé em Cristo? Quantos missionários brasileiros estão evangelizando o mundo inteiro! Muitos jovens, católicos e evangélicos, estão olhando para o mundo como Jesus fazia e estão dando sua preciosa colaboração para que o Cristo seja conhecido e amado por todos. Para eles são importantes as palavras de Jesus: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5); “Ide pelo mundo inteiro, anunciai o Evangelho a todas as criaturas…” (Mc 16,15). A história da evangelização deve tudo ao esforço de uma juventude abnegada e heróica, que descobriu, no Cristo Senhor, a única possibilidade de dar um sentido à vida de bilhões de seres humanos que vivem mergulhados na miséria moral e social.
O próprio Brasil está escrevendo umas páginas bonitas na história da humanidade por meio de seus filhos, que têm a coragem de deixar a pátria não para ficar ricos, mas para ajudar povos e nações menos favorecidas. Se um dia, esses jovens ficarem famosos por méritos pessoais, eles voltarão a ser “brasileiros” no sentido de que o ufanismo nacionalista se servirá de sua fama para se regozijar como se o país tivesse algum mérito. A hipocrisia é indigesta aos jovens.
Pensar que somente artistas e desportistas divulgam a fama do país, é um grave torto que se faz a milhares de jovens que vivem, no anonimato, a experiência bonita de serem “luz do mundo e sal da terra”, em regiões estrangeiras. A sociedade brasileira exalta de preferência os jovens famosos que ganham dinheiro aos montes para si, no esporte (automobilismo, futebol, basquete, vôlei etc.) ou na música. Os milhões de sacrificados que derramam sangue, por amor à família e à pátria, não contam quase nada.
Aqui mesmo, no Brasil, milhares de jovens estão trabalhando nas paróquias, nas CEBs, nos diversos movimentos da Igreja a serviço dos mais pobres. É um trabalho feito com amor e dedicação, sem medir esforços, nem sacrifícios. Muitos deles aproveitam as férias, não para passear ou descansar, mas para ajudar os pobres a construir casas, visitar doentes e ensinar uma profissão ou a leitura aos necessitados. Nas inúmeras obras assistenciais e caritativas, podemos encontrar a disponibilidade e a generosidade desses jovens que fazem tudo, não somente de graça, como também com imensa alegria.
Não existe somente uma juventude alienada. É verdade que até grupos religiosos alienam os jovens, submetem-nos a uma lavagem cerebral, inibem-lhes o uso do senso crítico. Porém, quando a Igreja indica aos jovens uma meta, um objetivo pelo qual valha a pena lutar, ela registra quase sempre uma resposta surpreendente. A Igreja conhece bem o potencial humano e evangelizador da juventude. Ela conta com inúmeros missionários e missionárias que deixam o Brasil para levar a mensagem de Cristo a outros povos. Um sinal de que tempos melhores estão chegando, é constituído pelo aumento das vocações sacerdotais e religiosas em todo o País. Os jovens são sempre susceptíveis à uma proposta de generosidade.
Um fenômeno cada vez mais em evidência é a presença deles em formas variadas de voluntariado, o qual se propõe a amenizar o sofrimento dos irmãos necessitados e promover milhões de pessoas abandonadas ao anonimato, pela política desumana nacional e internacional.
É um erro gravíssimo desprezar esse potencial tão precioso. Investir nele significa dar futuro ao próprio país, à Igreja, à sociedade. Nós ex-jovens, temos a delicada e preciosa tarefa de mostrar à juventude que somos fiéis aos ideais que tínhamos na sua mesma idade, que continuamos com o mesmo ardor e entusiasmo e que, sobretudo, acreditamos na força viva que a juventude representa. Se, para ela, soubermos ser, além de mestres, também testemunhas de valores pelos quais vale a pena viver, poderemos colher, entre os jovens, frutos de coragem e dedicação surpreendente.
Um grande escritor italiano, cego e velho, declarou: “A juventude pode ser reconhecida através de três sinais essenciais: a vontade de amar, a curiosidade intelectual e o espírito ofensivo… Eu ouso afirmar que, apesar de velho, sinto-me carregado, neste imenso mar da vida, pela grande maré da juventude” (Giovanni Papini). Felizes daqueles que, apesar da idade, não param de vibrar com sua eterna juventude.
Certamente não faltam jovens viciados e protagonistas de atos violentos. Infelizmente, as cadeias estão lotadas de gente de baixa idade que se tornou responsável por crimes hediondos. A imprensa escrita, falada e televisiva gosta de descrever morbidamente atos criminosos para aumentar o ódio contra quem se desviou. Recentemente, também no exterior, alguns adolescentes tornaram-se protagonistas de atos violentos execráveis. As armas usadas, porém, foram fabricadas por adultos com a bênção das autoridades políticas, pertencem a adultos e são propagandeadas diariamente pela TV dos adultos, os quais ensinam que matar é uma coisa divertida, que a vida humana não vale mais de tanto, etc..
Em vez de revoltar-nos contra os moços que erraram, é mais correto perguntar-nos o que fazemos para oferecer um ideal de vida a tanta juventude e quais são as nossas responsabilidades. Que tipo de família a sociedade oferece para ela? Qual é o apoio que os nossos governos dão às famílias para que possam educar melhor os filhos? Que trabalho compensador e realizador os jovens encontram? Que possibilidade real de crescimento intelectual eles têm?
Parafraseando o poeta Tagore, podemos dizer: “O maior tormento para o jovem é ver sua grandeza constantemente ameaçada pela sua pequenez. Este é o seu pecado. Sua impureza lhe impede de revelar totalmente a grandeza de seu ser”. O jovem não suporta a mediocridade que carrega dentro de si e a hipocrisia que o cerca. Ele é um explosivo ambulante. Basta oferecer-lhe um objetivo para fazer dele um herói. Com sua dedicação às causas humanitárias, a juventude ensina ao mundo que “tudo o que nós acumulamos, riquezas, honras, nos separa dos outros e nos impede a realização da nossa união com o próximo” (Tagore).
O Evangelho relata que Jesus fez uma proposta sublime para o moço que queria ganhar a vida eterna: “Vá, vende tudo o que tens, dá para os pobres, depois vem e segue-me”. O jovem foi embora muito triste “porque possuía muitos bens”: ele queria uma felicidade a bom preço. Sua saída melancólica da seqüela de Cristo e do Evangelho, deixa, porém, espaço à esperança que um dia ele volte porque Cristo “amou-o”. O filho pródigo, outro moço do evangelho (Lc 15,11-32), voltou porque lembrou-se do Pai, que era bom. Mas quando um jovem não se sente amado não volta e, se volta, descarrega toda a sua raiva sobre quem não soube mostrar-lhe a beleza de uma vida doada aos irmãos.
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Primaz do Brasil
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