Autor: Sérgio Fonseca Cruz
Eu não sei se você já se deparou com algum tipo de explicação científica, que tente racionalizar o milagre da abertura do Mar Vermelho. Tomo este simples exemplo para revelar o que se constitui numa zona de conflito entre fé e razão. Vou tentar dar uma visão panorâmica sobre estes dois temas aparentemente controversos.
Vamos pensar um pouco sobre a razão e o conhecimento científico. Não se pode falar em “razão”, sem citar o filósofo René Descartes, que nasceu em 1596, final do século XVI, num tempo de grandes transformações e ruptura com o mundo anterior. Por exemplo: As grandes navegações iniciadas no séc. XV, e a descoberta da América vão alterar a visão de mundo e a imagem que os homens faziam da terra; as teorias científicas de Copérnico e Galileu Galilei vão possibilitar uma nova concepção de universo; a Reforma Protestante vai abalar a autoridade universal da Igreja Católica, valorizando a interpretação bíblica pelo próprio indivíduo.
Descartes utilizava a dúvida como método. Isso para chegar ao conhecimento verdadeiro das coisas. Foi duvidando de tudo até chegar a seguinte formulação: “Penso, logo existo”. Em última análise, podemos dizer que a partir de Descartes, o pensamento e a razão tornaram-se a medida de todas as coisas. Era o engatinhar da era científica.
O problema é que hoje a ciência (ou o conhecimento científico) é tão valorizada a ponto de desprezar outros saberes por não serem científicos. A ciência se vale de um rigor metodológico; quer levar o objeto de pesquisa para o laboratório para analisar, pesquisar, medir, constatar, etc. Mas será que a única forma de conhecer o ser humano e o mundo em que vivemos é através da ciência ou do conhecimento científico? Se a ciência respondesse a todas as questões da existência humana e do mundo a nossa volta, não nos depararíamos com as doenças incuráveis, com os males sociais e etc.
Pensemos um pouco sobre a fé. É exatamente nestas lacunas que a ciência não preenche, que a fé se torna um instrumento valioso para o ser humano lidar com sua vida de uma forma mais ampla, a partir de um encontro com Deus. Como observaremos a seguir, a fé é da ordem do improvável sob dois aspectos.
Primeiro aspecto. A fé não tem a obrigação de provar nada a ninguém. Por exemplo, se alguém me pedir provas da existência de Deus? Eu creio que Ele existe e pronto! Por isso é fé. É claro que a nossa fé é fruto da nossa “experiência”: com a Bíblia; com Deus no dia a dia; com o Cristo ressurreto; com a comunidade dos santos (a igreja); percebendo as graças recebidas através das orações… Todas estas experiências corroboram para o crescimento e amadurecimento da nossa fé. A fé não se prova: se experiência, se vive! Por isso ela é da ordem do improvável. A fé não tem que “dar provas”- quem faz (e tem que fazer mesmo) isso é a ciência; o conhecimento científico. Caso contrário, não é ciência. A fé nos leva a viver a vida cotidiana numa proximidade e intimidade maior com o sagrado, com o divino, com DEUS. A fé nos faz viver a vida em conformidade à vontade de um Deus criador, amoroso, justo, misericordioso e salvador, que em Cristo nos convida a uma nova relação com ele e com o mundo a nossa volta.
Segundo aspecto. A fé nos transporta para uma dimensão da realidade que transcende a fatalidade. O profeta Habacuque (Hc 3:17-18) nos diz: “Ainda que a figueira não floresça… todavia, eu me alegro no Senhor”. A fé não nos faz negar a realidade, por mais dura que esta seja. Ela nos faz perceber a realidade por um outro prisma, por outro ângulo. Sabendo nós que “ainda que a figueira não floresça”, no Senhor há sempre uma nova possibilidade de se viver a vida. Que transcende aquilo que os nossos olhos não conseguem ver; que está para além daquilo que nossa mente não consegue racionalizar; que está para além do que os fatos nos apresentam. Por isso Habacuque nos diz que “todavia, eu me alegro no Senhor”. Com Deus podemos experimentar sustentação para a vida, para lidarmos com aquilo que julgamos muitas vezes ser “pouco provável” ou mesmo “improvável” diante da realidade que nos acomete. Em Deus há sempre esperança.
Concluindo, quero fazer quatro afirmações. A fé não é irracional. Ela não despreza a razão e o conhecimento: a fé não é burra! A fé não é anti-racional. Ela não é contra a razão, ou mesmo o conhecimento científico. A fé é supra-racional. Ela está para além da razão; para além das lógicas racionalistas. A fé pertence ao sagrado; ao divino; ao sobrenatural; a tudo aquilo que escapa ao domínio e controle humano. A fé nos leva ao milagre. Milagre é fruto da ação graciosa e poderosa de um Deus amoroso, que se revela na pessoa de Jesus Cristo.
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