Autor: Ricardo Wesley M. Borges
(Exposição no 1o CR/96, baseada no comentário de Stott sobre Atos)
Texto: Atos 2:22-36
Introdução
Os discursos ocupam um lugar proeminente no livro de Atos. São dezenove palestras cristãs, a maioria evangelísticas, sendo uma de Estevão, outra de Tiago, oito de Pedro e nove de Paulo. Aproximadamente 25% de todo o livro de Atos é ocupado por discursos. Talvez até o nome do livro poderia ser diferente: “Atos e Discursos dos Apóstolos de Cristo”, dada a importância e espaço ocupados pelas proclamações públicas do Evangelho registradas nesse livro.
Também há um consenso entre os comentaristas bíblicos de que as narrativas dos discursos em Atos não são uma transcrição de uma gravação feita pelo gravador de bolso de Lucas. Os sermões bem provavelmente eram maiores e mais desenvolvidos do que o que aparece nas narrativas. Mas o que são, então, esses registros dos sermões que encontramos em Atos? E aqui, de novo, os comentaristas evangélicos concordam que são resumos confiáveis e precisos feitos pelo investigador e historiador sério e aplicado que era o médico Lucas.
Se é assim, então eles são a síntese daquilo que foi pregado naquela ocasião, àquele público. E como uma síntese e bom resumo, eles contêm os elementos principais da mensagem pregada, do evangelho que foi anunciado. E, assim, eles são uma excelente lição e referência a todos nós que temos, hoje, o desafio de sermos fiéis ao evangelho de Cristo, ao evangelho apostólico, ao mesmo tempo em que o apresentamos de maneira que alcance as pessoas de nossos dias. Esses discursos em Atos nos colocam três perguntas com as quais precisamos nos confrontar quando queremos ser fiéis à Ele e à missão para a qual nos chama. E essas três perguntas são:
Que evangelho pregamos?
A quem pregamos?
De que maneira pregamos?
Que evangelho é esse
Que evangelho é esse
Quando Pedro começa o seu sermão, ele diz assim “ouvi essas palavras”, “prestem atenção…”, “Jesus, o Nazareu…”, e põe assim o foco no centro da sua mensagem: a pessoa de Jesus Cristo. E não é um Jesus ou Messias qualquer, mas o personagem histórico, o Jesus de Nazaré, o nazareno, esse a quem vocês têm visto operar no vosso meio. Mas como sermos fiéis ao Jesus histórico na pregação de nossa mensagem? O discurso de Pedro nesse texto lido e outros discursos em Atos nos dão algumas dicas.
Em primeiro lugar, precisamos nos referir aos acontecimentos centrais do evangelho. Pedro se refere à vida e ministério de Jesus(v.22), à sua exaltação à direita do Pai(v.33), mas ocupa a maior parte do seu sermão se referindo à morte e ressurreição de Jesus. Esses são os fatos históricos, significativos, que diferenciam o Jesus bíblico de qualquer outro Messias, profeta, líder político ou grande mestre da história da humanidade. A ênfase nesses eventos de grande significado para a salvação da humanidade foi marca registrada do movimento ABU no nível internacional. Não abrir mão da centralidade da morte e ressurreição de Jesus Cristo na proclamação da mensagem foi o principal fator diferenciador entre a CIEE e outros movimentos chamados cristãos que acabaram por morrer. Esses movimentos que não viram a centralidade do sacrifício de Cristo e de sua vitória sobre a morte perderam o cerne da mensagem cristã, assim também perderam o rumo e o sentido e o propósito de continuarem a existir.
Em segundo lugar, a importância dos testemunhos do evangelho. A proclamação da morte e ressurreição de Jesus não era uma proclamação esotérica, delirante, mas, pelo contrário, embasada no contexto das Escrituras e da história. Os apóstolos se apoiavam em duas evidências para autenticar Jesus. A primeira eram as Escrituras do Antigo Testamento, que ele cumpriu. No sermão Pedro se refere ao Salmo 16, ao Salmo 110 e a Joel 2, a fim de iluminar o seu ensino. A segunda evidência era o testemunho dos apóstolos. “Nós somos testemunhas”, repetia Pedro insistentemente(2:32; 3:15; 5:32; 10:39), e essa experiência como testemunha ocular era indispensável ao apostolado. Então Cristo possui um duplo atestado. E nós não temos a liberdade de pregar o Cristo da nossa própria imaginação ou enfocando tão somente as nossas experiências com Jesus. Nossa responsabilidade é pregar o Cristo autêntico do Antigo e Novo Testamento. Os testemunhos primários, mais importantes, que contam a respeito de Jesus pertencem aos profetas e aos apóstolos; os nossos testemunhos sempre serão secundários, sujeitos à análise, à correção ou à aprovação das Escrituras, que são o testemunho principal.
Em terceiro lugar, apresentar as promessas do evangelho. O evangelho não é apenas as boas novas daquilo que Jesus fez, mas também daquilo que ele nos oferece como resultado e conseqüência do que ele fez e de nossa resposta. Aos que respondem positivamente há o perdão dos pecados (apagando-lhes o passado) e a dádiva do Espírito (transformando-os em novas pessoas). Essas promessas constituem a liberdade que muitos estão procurando: a liberdade de sermos as pessoas que Deus quer que sejamos. Promessas que compreendem a salvação, publicamente expressa no sinal visível e externo do batismo(v.38b).
Promessas que alcançamos quando, em quarto lugar, não nos esquecemos das condições do evangelho. Somos criaturas responsáveis pelos nossos atos e escolhas. Assim fomos criados por Deus. E o evangelho exige essa escolha, que deixemos o pecado de uma vida sem Deus e nos voltemos radicalmente a Cristo, internamente pelo arrependimento e fé, e, externamente, pelo sinal e compromisso público que é o batismo. As condições que o evangelho impõe nunca foram um tema que agradasse a todos(v. 38a;40-41). Reconhecer os seus erros, mudança de vida(mesmo que seja para melhor, pois aí há a necessidade de um passo de fé), renúncia e compromisso, inclusive com a nova comunidade da fé composta por pessoas tão diferentes umas das outras, são condições que exigem decisões. Não há meio termo ou meia dose de cristianismo. O evangelho requer uma decisão radical ao lado de Cristo.
Aqui temos então dois acontecimentos (a morte e a ressurreição de Cristo), atestados por duas testemunhas (os profetas e os apóstolos), em cuja base Deus faz duas promessas (o perdão e o Espírito), com duas condições (o arrependimento e a fé, com a conseqüência e o sinal externo do batismo). Não temos a liberdade de amputar esse evangelho, proclamando a ressurreição sem a cruz ou exigindo a fé sem o arrependimento. Existe uma inteireza no evangelho bíblico. Se compreendemos e somos fiéis a esse evangelho bíblico, respondemos bem à primeira pergunta “que evangelho pregamos?”. E quanto à segunda pergunta…
A quem pregamos
Será que sabemos a quem estamos pregando? Pedro sabia a quem pregava: homens da judéia, habitantes de Jerusalém(v.14), também sabia da riquíssima diversidade de origem de muitos ali: “partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judéia e da Capadócia, do Ponto e da Asia, da Frígia e da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia próximas de Cirene; romanos que aqui residem; tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes”(v.9-11). Também Paulo não somente identificava seu público como era sensível à realidade e às necessidades da audiência de seus sermões, fossem eles os judeus na sinagoga de Antioquia da Pisídia (cap.13), os pagãos ao ar livre, em Listra (cap.14), os filósosfos do Areópago em Atenas (cap.17) ou os anciãos da igreja em Éfeso de Mileto (cap. 20). Paulo, o denominado apóstolo dos gentios, conhecia como poucos a audiência de suas viagens missionárias. Além de capaz e habilitado no conhecimento das Escrituras, era extremo conhecedor da cultura, do modo de agir e de pensar, das tradiçõe ,crenças e costumes daqueles povos do mudo antigo. Assim sua pregação era relevante, adequada ao contexto em que estava e podia, assim, alcançar muitas pessoas para Cristo.
Quem são as pessoas a quem pregamos? O que pensam, como vivem, quais são os seus problemas e questões? Nós somos os responsáveis por levar o evangelho à nossa geração! Francis Schaeffer disse exatamente isso, “é nossa tarefa falar para a nossa geração; o passado já se foi, o futuro ainda não chegou… o lado positivo da apologética é a comunicação do evangelho para a geração atual, em termos que ela possa entender”. O próprio Francis Schaeffer, em sua geração, há 20, 30 anos atrás, enfrentou questões que não são as que enfrentamos hoje. Quais são as questões do nosso tempo? Talvez a apatia e a falta de questões sejam a nossa realidade atual. Daí a necessidade de que nós, cristãos, entendamos os pressupostos e as maneiras de ver o mundo que são comuns às pessoas de hoje. Quem vai desmascarar as coisas dadas como certas, como verdades absolutas em nossa sociedade? Oxalá seja o povo de Deus, que a partir de grupos como esse reunido hoje à noite, assuma o compromisso de examinar a nossa realidade, o nosso tempo e, no poder do Espírito proclamar as boas novas da verdade do Evangelho.
De que maneira pregamos
Se soubermos responder à pergunta anterior, a quem pregamos, já temos meio caminho andado para responder à essa última pergunta. Quando conhecemos as pessoas antes, suas angústias, seus medos, sua situação espiritual, suas necessidades, fica muito mais fácil e apropriado lhes comunicar o Evangelho. Michael Green afirmou “é preciso descobrir primeiro onde a pessoa vive, mental e espiritualmente, antes de lhe mostrar de que maneira Jesus está relacionado com a vida dela”. Ouvir as pessoas antes de falarmos é demonstração de amor genuíno, além de nos ajudar na comunicação do Evangelho. O personagem atribulado da novela de Dostoiévski, “Memórias do Subsolo” nos ensina o desafio de evitar o subsolo. Como assim? O personagem atormentado expõe sua necessidade de algo novo, de vida nova, ao mesmo tempo em que coloca o seu desejo de ser ouvido: “Destruí os meus desejos, apagai os meus ideais, mostrai-me algo melhor, e hei de vos seguir. Direis talvez que não vale a pena mesmo ocupar-se disso; mas, neste caso, posso responder-vos de modo idêntico. Estamos argumentando a sério; mas se não vos quiserdes dignar a dirigir-me a vossa atenção, não serei o primeiro a inclinar a cabeça. Tenho o meu subsolo”. Se não demonstra um interesse e amor genuíno por mim, eu me escondo, levanto barreiras, fujo para o meu subsolo.
Que necessidade de aprendermos o princípio da encarnação em nossa missão. O princípio do Jesus que se limita, vem até nós, vive em nosso meio, sofre, nos conhece a fundo em nossas limitações e assim nos comunica o Evangelho e ele mesmo se torna o Evangelho vivo entre nós. Necessidade de evitar o triunfalismo arrogante e aprender da humildade da encarnação. Necessidade de aprender que a nossa missão ultrapassa a proclamação e também envolve o serviço e cuidado com aquelas pessoas que não são simplesmente alvos e metas de nossa missão, números e almas a serem alcançados e registrados com eficácia, mas antes disso, alvos do imenso amor de Deus por elas em sua situação perdida e também alvos do imenso e genuíno amor que é colocado em nossos corações por Deus para amar as pessoas do nosso mundo, as pessoas da nossa geração. Que, impulsionados assim e com as motivações corretas sejamos fiéis ao nosso Senhor, à nossa geração e ao nosso chamado.
Ricardo Wesley M. Borges é secretário geral da ABUB e mestrando da FTSA (www.ftsa.com.br)
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