Plenitude do Espírito e vida familiar

Autor: Augustus Nicodemus Lopes

“E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito, falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo”. (Efésios 5.18-21).

Não há provavelmente uma área tão importante na nossa vida e na vida da igreja cristã quanto a família. Cremos que não há muita dúvida a respeito desta afirmação. Todos nós concordamos que famílias sadias e equilibradas formam o esteio de igrejas e sociedades equilibradas. É em famílias assim que indivíduos podem crescer de forma sadia. Crendo nisto e reconhecendo igualmente que a família, de forma geral, está passando por momentos difíceis, indagaremos nesse capítulo acerca da dinâmica – ou do segredo, se assim o leitor preferir – de famílias bem sucedidas.

Efésios 5.18-6.4 é o texto clássico do Novo Testamento sobre o assunto. Nele o apóstolo Paulo traça princípios gerais para a família, as condições que regem o relacionamento entre pais e filhos, marido e mulher e o princípio dinâmico que deve controlar essas relações. É no ensino dessa passagem que basearemos o presente capítulo. Porém, antes de nos determos para investigá-lo mais de perto, é importante relembrar alguns princípios gerais sobre a família cristã ensinado nas Escrituras.

Primeiro, ser um cristão verdadeiro não é uma garantia de que o casamento e a vida familiar darão certo automaticamente. Infelizmente algumas igrejas, comprometidas com os ensinos da teologia da prosperidade, fazem promessas quanto ao casamento que vão além daquilo que Deus nos promete em Sua Palavra. Elas parecem sugerir que se fizermos determinados votos ou cumprirmos rituais por elas estipulados, os problemas do relacionamento com nosso cônjuge e filhos terminarão. Mas, se o segredo de casamentos e famílias felizes fosse simplesmente determinados rituais levados a cabo durante cultos de libertação, qual teria sido a necessidade de Deus colocar nas Escrituras orientações, instruções, conselhos e determinações aos maridos, mulheres e pais cristãos acerca de como nos comportar em família? Ungir o retrato da minha mulher não substitui o meu dever de exercer o papel de marido conforme o ensino das Escrituras. É necessário educar meus filhos nos caminhos do Senhor, diariamente, se desejo realmente vê-los crescer como cristãos verdadeiros. Nenhuma corrente de oração vai substituir isto. Este primeiro princípio procura livrar-nos de uma idéia romântica de que o simples fato de irmos à igreja vai garantir-nos um casamento e família felizes.

Segundo, ser cristão comprometido com os padrões bíblicos pode trazer dificuldades ainda maiores ao casamento. Aquele que teme a Deus e ama a Sua Palavra, descobrirá que as orientações de Deus quanto ao casamento e à família freqüentemente não são fáceis de serem obedecidas. Os maridos devem amar as suas mulheres como a si mesmos, e as esposas devem ser submissas a seus maridos. Para as pessoas que não são cristãs, que não temem a Deus e nem respeitam a Sua Palavra, isto é um problema; elas simplesmente não seguem essa orientação. Para elas o divórcio é sempre uma solução da qual poderão lançar mão se as coisas piorarem (e às vezes antes mesmo de chegar a esse ponto). Entretanto, para os cristãos, os quais sabem que Deus odeia o divórcio (Malaquias 2.16), todos os esforços legítimos devem ser empreendidos para a manutenção dos laços matrimoniais, quando os mesmos estão ameaçados pelos problemas que costumam rondar a estabilidade da família. Enquanto que o divórcio aparentemente é o caminho mais fácil e rápido para resolver um relacionamento conturbado, os cristãos enveredam pelo caminho mais longo e mais difícil do aprendizado, do quebrantamento, da renúncia e da reconciliação.

Terceiro, casamento e criação de filhos não são assuntos à parte de nossa fé. São assuntos sobre os quais a Bíblia se pronuncia. Portanto, devemos reger o nosso casamento e a criação de nossos filhos pelos princípios nela contidos. Temos a tendência de compartimentalizar certas áreas de nossas vidas e isolá-las de nossa santa religião. Quão freqüentemente orientamos nossos casamentos e famílias segundo a nossa razão humana, segundo as práticas da sociedade moderna, nossa própria sabedoria carnal, como as pessoas que não conhecem a Deus! Portanto, as regras práticas para o casamento e a família, como as que encontramos em Efésios 5.18 – 6.4, não devem ser dissociadas da doutrina cristã em geral. Ou seja, não devemos cair no velho engano de tentar separar prática cristã de teologia e vice-versa. Especialmente aqui nessa passagem podemos ver como essa divisão era estranha ao pensamento dos autores do Novo Testamento. Paulo aborda a questão do casamento sob a perspectiva da doutrina de Cristo e da Igreja, e enraíza o ensino sobre a criação de filhos no Antigo Testamento. Estamos enfatizando este ponto porque cremos que só uma compreensão adequada da relação entre Cristo e a Sua Igreja nos ajudará a ter um casamento feliz. Felizes são os casais que compreendem bem esta analogia e que pautam o seu relacionamento nela.

Quarto, o conceito bíblico de casamento é único e diferente de todos os demais. Muitas pessoas pensam que o casamento é apenas a legalização da atração física, ou então simplesmente uma conveniência humana, fruto da necessidade social. Entendemos porém, pela Escritura, que o casamento é uma instituição divina, algo criado e ordenado por Deus para a raça humana. Sabemos muito bem que esse tipo de concepção de casamento tem cada vez menos adeptos. O casamento, como instituição, tem sofrido alterações radicais, especialmente no Ocidente, devido a diversas mudanças sociais: o crescimento do número de jovens que praticam o sexo antes do casamento como resultado do afrouxamento dos padrões morais da sociedade moderna; o aumento da idade média em que as pessoas se casam; mais e mais mulheres casadas seguindo uma carreira profissional e deixando o lar e os filhos em segundo plano; a liberalização das leis concernentes ao divórcio; a legalização do aborto; a melhoria e maior acessibilidade aos meios de controle da natalidade; as mudanças nos papéis tradicionais do homem e da mulher. Esses fatores, entre outros, têm moldado a mentalidade ocidental moderna quanto ao casamento, o qual tende cada vez mais a ser encarado como uma mera conveniência social, nem sempre desejável. Entretanto, a Igreja de Cristo, muito embora atenta às mudanças, guia-se por padrões e valores mais estáveis – na verdade, imutáveis – quanto a casamento e família. Esses padrões e valores estão revelados nas Escrituras Sagradas.

A família no contexto do Espírito

No presente capítulo veremos um importante princípio das Escrituras sobre o casamento e a família. Esse princípio é desenvolvido pelo apóstolo Paulo em nosso texto e por si só necessita de um estudo especial: o relacionamento familiar deve ocorrer no contexto de vidas cheias do Espírito Santo. Nessa passagem – que em nossas Bíblias começa com um subtítulo em negrito, geralmente “O Lar Cristão” (Ef 5.22-6.9) – Paulo instruí os maridos e as mulheres, pais e filhos, quanto aos seus deveres mútuos, passando-lhes instruções que devem controlar esses relacionamentos. Paulo faz isso tendo em mente que estes princípios deveriam se concretizar em meio a um ambiente profundamente espírrtual. Essa é a dinâmica de famílias cristãs sólidas e felizes. Existem diversas evidências que nos levam a dizer isso.

A primeira é que essa passagem, onde Paulo fala dos deveres dos pais e dos filhos, está precedida e controlada pelo imperativo do verso 18, “Não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito”. Após essa ordem, vêm as exortações e orientações práticas acerca do casamento e da família. A conexão entre essas duas partes tem escapado aos nossos leitores brasileiros da Bíblia, pois a maioria de nossas versões em português traz após o verso 21 um subtítulo em negrito “O Lar Cristão” ou coisa semelhante. Muito embora o objetivo do subtítulo é ajudar o leitor a ter uma idéia do assunto que se segue, nesse caso, acaba por prestar um desserviço, pois trunca a linha de pensamento do apóstolo e interrompe a continuidade do assunto. O leitor fica com a impressão de que Paulo acabou de falar sobre o Espírito Santo no verso 21 e que no 22, começa a falar de outro assunto completamente diferente, que é a família cristã. Na realidade, Paulo não está começando um novo assunto no verso 22, mas simplesmente expandindo o que havia dito nos versos 18 a 21. Essa conexão fica mais fácil de perceber no texto grego. Literalmente, os versos 21 e 22 estão assim: “sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo, as mulheres aos seus próprios maridos”.

Vamos colocar esse ponto de uma outra maneira, para facilitar a compreensão. No verso 18, Paulo exorta os crentes: “enchei-vos do Espírito Santo”. Perguntemos ao apóstolo quais são os passos necessários para obedecermos a essa ordem. A resposta vem nos versos seguintes. Ele diz, “falando entre vós com salmos e hinos e cânticos espirituais” (v.19), “dando sempre graças por tudo ao nosso Deus e Pai” (v.20), “sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo” (v.21) Essa última determinação significa que os cristãos devem acatar outros cristãos que se encontram em posição de autoridade. Nos versos seguintes, o apóstolo trata destes casos em particular, desenvolvendo o “sujeitando-vos” na área do casamento (5.22-33), da família (6.1-4) e da sociedade (6.5-9). Tudo o que Paulo ensina nesses versículo está diretamente ligado à ordem para que nos enchamos do Espírito. O vínculo é o conceito de sujeição: as esposas sujeitam-se aos maridos; os filhos se sujeitam aos seus pais; os servos, aos seus senhores (existe um aspecto em que o homem e os pais também cumprem sujeição mútua que Paulo menciona no v.21, que será discutido mais adiante neste livro).

Portanto, o ensino de Paulo sobre o casamento e a família (e tam bém sobre nossos relacionamentos no trabalho) é a contínuaçãc explicativa do mandamento “sujeitando-vos uns aos outros no temo de Cristo,” que por sua vez é uma explicação do mandamento príncí pal, “enchei-vos do Espírito”.

Implicações

A raiz dos problemas na família

Essa descoberta significa no mínimo uma coisa muito importante: não podemos dissociar espiritualidade da vida familiar. Todos nós queremos ser bons cristãos, cheios do Espírito Santo, disto não temos dúvida. Podemos começar a ser cheios do Espírito Santo colocando em ordem primeiramente o nosso casamento, nosso relacionamento com nossos filhos ou com nossos pais.

Não podemos deixar de ver que nossa vida espiritual afeta diretamente nosso casamento e nossa família. Há uma ligação profunda entre essas duas dimensões, “vida cheia do Espírito” e “vida familiar”. Cremos que isso está claro na passagem que estudamos acima. A raiz da infelicidade de muitos casamentos – mesmo cristãos – é a dureza do coração humano. Foi à dureza de nossos corações que Senhor Jesus atribuiu a incapacidade dos cônjuges de resolverem suas diferenças no casamento, recorrendo finalmente ao divórcio (Mt 19.8). As freqüentes exortações dos apóstolos aos maridos para que amem suas esposas e, por outro lado, às esposas para que se sujeitem aos seus maridos, indicam que os cristãos casados devem estar sempre alerta contra o egoísmo, a rebeldia e o orgulho de seus corações, para que não perturbem a boa paz e a felicidade do casamento.

Estamos convencidos de que boa parte dos problemas, angústias e tensões que ocorrem na família são fruto do nosso próprio pecado. Nem sempre, entretanto, estamos prontos a admitir isso. Temos muitas desculpas, como incompatibilidade de gênios, falta de maturidade, falta de dinheiro, educações diferentes e a vida agitada de hoje. Não negamos que essas coisas contribuem para o agravamento das tensões que existem em todo casamento e em toda família. Entretanto, elas não podem nos impedir de reconhecer sincera e humildemente que é nossa falta de andarmos diariamente no Espírito a verdadeira raiz da nossa infelicidade.

Tiago faz a seguinte pergunta aos cristãos a quem escreve: “De onde procedem guerras e contendas que há entre vós? De onde, se não dos prazeres que militam na vossa carne?” (Tg 4.1). Em outras palavras, Tiago está atribuindo à nossa carne (ele evidentemente se refere à nossa natureza decaída e corrompida) as guerras e contendas que ocorrem entre nós. O que ele diz nesse verso está expresso em toda a Bíblia. Por exemplo: em Gálatas 5.19-21 encontramos uma exposição do apóstolo Paulo sobre as “obras da carne”. Não é difícil de verificar que boa parte dos problemas pelos quais os casais passam hoje são extraordinariamente semelhantes às obras que o apóstolo enumera, a começar da prostituição, impureza e lascívia – uma tríade de palavras gregas de sentido muito semelhante e geral, incluindo infidelidade conjugal e toda sorte de aberração ou pecado na área sexual – até ínímízades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões e facções. A mesma sensação teríamos diante da lista que o Senhor Jesus apresentou das coisas que brotam do coração humano: maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias (Mt 15.18,19). São essas coisas, diz o Senhor, que contaminam o homem.

Vemos que é da carne – termo predileto de Paulo para referir-se à nossa natureza corrompida e pecaminosa – que brotam os atritos, incompreensões e conflitos na vida do casal. É inútil querermos culpar exclusivamente uma incompatibilidade de gênios. Isso nos desviará da cura eficaz.

Deixe-nos colocar o assunto de outra forma. Qual é a razão pela qual deixamos de guardar os votos solenes feitos na hora do casamento, a não ser a nossa infidelidade e dureza de coração? Um homem e uma mulher, no pleno uso de suas faculdades mentais, comparecem solenemente diante de Deus, na presença de todo povo dizem um ao outro: “Eu prometo ser fiel a você, eu prometo cuidar de você, eu prometo lhe amar, eu prometo lhe dar assistência, suprir o que é necessário a você”, e no mês seguinte quebram a sua palavra. É incompatibilidade de gênios? Não! É carnalidade! É pecado! É nossa natureza pecaminosa. O que é a mentira, o fingimento, o egoísmo, a busca dos seus próprios prazeres, a rebeldia dos filhos, a revolta e a desobediência, se não fruto da carne?

Essa é uma implicação bem séria do ensino de Paulo que vimos acima. Ele vê o casamento como expressão da vontade de Deus desenrolando-se num contexto espiritual. Fazemos bem em nos perguntar se a maior parte dos nossos conflitos no casamento, das nossas atitudes para com o cônjuge, para com os filhos, não seria resultado da nossa falta da verdadeira espiritualidade bíblica?

Educação e cultura não bastam para
fazer um casamento feliz

Fazemos essa afirmação com muito cuidado. As chances de ocorrerem desavenças, sofrimento e conflitos são maiores num casamento onde um dos cônjuges não é um cristão comprometido com o Evangelho. Por mais que ele ou ela seja uma pessoa educada, culta e experiente, falta-lhe a presença do Espírito Santo no seu coração. Educação não resolve todos os problemas do homem.

Faz alguns anos os jornais publicaram um escândalo ocorrido com o reitor de uma universidade federal aqui no Brasil. Era um homem que estudou no exterior, cheio de cultura e conhecimentos. Era um homem brilhante. Infelizmente, era corrupto. Acabou sendo processado por haver-se enriquecido às custas do dinheiro público. Não estamos dizendo que todos os intelectuais e homens cultos do pai são corruptos. Apenas que existem coisas que somente o Espírito de Deus pode fazer. Educação, cultura e conhecimento são coisas boas e devem, quando possível, ser adquiridas. Mas elas não substituem o poder do Espírito Santo que habilita duas pessoas diferentes a viverem felizes, anos a fio, debaixo de um mesmo teto.

Depois de anos de escândalo, o príncipe Charles e a princesa Diana anunciaram em 1996 sua intenção de se divorciarem. Cada um confessou que havia sido infiel no casamento. O pomposo casamento de Charles e Diana, em 1981, na famosa Catedral de São Paulo, em Londres, foi considerado o casamento do século. Jovens, ricos, bonitos, educados e famosos, foram entretanto incapazes de viver como marido e mulher. Acabaram por quebrar os votos de fidelidade que haviam feito perante o mundo inteiro, que assistiu deslumbrado a cerimônia de seu casamento pela televisão.

Voltamos a dizer que não estamos afirmando ingenuamente que casais crentes nunca terão problemas em seus casamentos e famílias. O que afirmamos é que, cheios do Espírito, terão o poder necessário para vencer tais dificuldades – coisa que uma boa educação não dá. Nunca deixou de nos impressionar o fato de que homens e mulheres ilustres, intelectuais e artistas famosos, mesmo tendo sido capazes de vencer na vida, freqüentemente têm uma vida pessoal e afetiva conturbada, passando por vários casamentos, divórcios litigiosos e conflitos com os filhos. Na sua autobiografia, o multimilionário americano J. Paul Getty refere-se aos seus cinco casamentos e cinco divórcios: “Em resumo”, diz ele, “foram cinco fracassos”. Em seguida, ele que foi uma das pessoas mais ricas do mundo, faz a seguinte pergunta excruciante: “Como e por que foi possível para mim construir meu próprio automóvel, perfurar poços de petróleo, construir uma fábrica de aviões, erigir e liderar um império financeiro – mas não fui capaz de manter ao menos uma relação marital satisfatória?”

Pela graça de Deus, mesmo as pessoas menos cultas, conhecendo a Deus, tendo seu Espírito e enchendo-se dele, poderão ser como o mais sábio dos homens. Foi essa a experiência de Davi (SI 119.99). É no temor que os pais têm do Senhor que os filhos encontram um forte refúgio (Pv 14.26).

Não devemos depender
de nossas forças

Inferimos também, já que o casamento é visto por Paulo no contexto do Espírito Santo, que não podemos cumprir os termos do relacionamento familiar pelas nossas próprias forças. O casamento implica em privilégios e responsabilidades. Além daqueles prescritos pela lei do país, o cristão conhece os privilégios e responsabilidades determinados pelas Escrituras. Qual o homem que pode, por si mesmo, amar a sua esposa como Cristo amou a Igreja? Qual o marido que pode fazer isso na sua própria força humana e carnal? Qual a mulher que, nas suas próprias forças, se submete ao seu marido no temor de Cristo, como a Igreja está submissa a Cristo? Quais os filhos que conseguem obedecer aos pais, nas suas próprias forças? Quais são os pais que conseguem criar os filhos, pelas suas próprias forças? Deus nunca espera de nós que o façamos com nossas próprias forças. A razão é a nossa inabilidade e incapacidade de obedecer a Deus e fazer sempre o que é correto. Nós somos parte de uma raça caída, espiritualmente depravada e limitada pelos efeitos do pecado. Nós somos filhos de Adão e de Eva; herdamos a sua natureza; a nossa mente é obscurecida pelo pecado, a nossa vontade inclinada para o mal, o nosso coração endurecido. Por esse motivo não somos o que devemos ser à luz da Palavra de Deus.

Por outro lado, não podemos perder de vista o fato de que Paulo determina que certas atitudes sejam tomadas pelo marido e pela mulher, pelos pais e pelos filhos. Reconhecemos que não podemos obedecer com base em nossas próprias forças. Porém, isso não anuIa o fato de que devemos agir. Neemias orou pedindo proteção de Deus e armou seus homens para o combate (Ne 4.17,23). Durante a Idade Média, os cavaleiros cristãos que saiam para o combate costumavam tomar a Ceia com um pé no estribo do cavalo. Devemos agir em obediência à Palavra de Deus, mas fazê-lo na mais completa dependência da graça de Deus em nossas vidas.

Os efeitos da queda do homem se revelam particularmente malignos na área sexual e na área do casamento. Note que todas as listas de pecado no Novo Testamento são encabeçadas por pecados relativos a desvios na área sexual. A queda do homem afetou primariamente a sua família, e é nela que nós vemos as manifestações mais hediondas do pecado: adultério, abandono, estupro, espancamento, mentiras e fingimentos para com as pessoas que juramos amar e ajudar. Precisamos ser pessoas cheias do Espírito Santo, controladas pelo Espírito Santo, capacitadas pelo Espírito Santo, para podermos obedecer a Deus no que diz respeito à família e conseqüentemente ter um lar feliz.

O conhecido escritor irlandês Oscar Wilde descreve em um de seus livros a agonia de um homem condenado à morte por ter assassinado sua esposa. Andando de um lado para o outro de sua cela, o homem angustia-se, não tanto por estar às portas da morte, mas por ter matado aquela que amava. Wilde escreve em conclusão:

Cada homem mata aquilo que ama,
Que todos ouçam isso,
Alguns o fazem com um olhar amargo,
Outros, com palavras bajuladoras.
O covarde mata com um beijo,
E o bravo com a espada!

Sem a graça de Deus em nossos corações, acabamos por violentar, ferir e matar mesmo os nossos entes queridos, por meio de palavras, olhares, gestos – coisas das quais muitas vezes nos arrependemos tarde demais.

Espiritualidade e felicidade no lar

A vida no Espírito é o estilo de vida adequado ao casamento. Uma pessoa que anda no Espírito tem a vida controlada, não é uma pessoa dissoluta, que desperdiça os seus bens: é uma pessoa que se preocupa, que é sensível à necessidade dos outros; e como isso é importante no casamento!

Uma pessoa cheia do Espírito Santo é de fácil convívio. Convívio é uma palavra chave em nossos dias. As pessoas sem o Espírito Santo precisam de estimulantes ou anestésicos para poder conviver com as outras. Por que é que os homens vão para os bares, ou para os clubes e lá a conversa só fica melhor depois de um aperitivo? É porque o álcool solta a língua, derruba as inibições. Eles se sentem mais à vontade, não conseguem ficar sem beber para poder conviver, tem que beber para serem sociáveis. É por isso que nas festas sociais não pode faltar aperitivos. É claro, depois de algum tempo, o álcool tem efeito contrário e as pessoas começam a se comportar como verdadeiramente são, dizendo asneiras, fazendo comentários indecentes e provocando uns aos outros – e por vezes acaba tudo em briga. Por outro lado, uma pessoa cheia do Espírito Santo é de fácil convívio, é alegre, aberta; ela ama, é uma pessoa que está procurando o bem dos outros. Não há nada melhor para um casamento do que um alto nível de vida espiritual.

Vamos ver esse ponto mais de perto. O apóstolo Paulo trata em Gálatas 5.22 do “fruto do Espírito”. Ele usa o termo fruto figuradamente. Significa o resultado da obra constante e poderosa do Espírito na vida dos cristãos verdadeiros. Comparativamente, o Espírito é como a seiva de uma árvore, que faz com que os frutos apareçam no tempo certo. Como árvores de justiça, habitados e irrigados pelo Espírito de Deus, produziremos os seguintes frutos: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Parece até que Paulo tinha em mente o casamento quando escreveu essa lista!

Comecemos com o amor. Muitos confundem o amor no casamento com atração física ou companheirismo. Embora essas coisas certamente façam parte do verdadeiro amor, não representam todas as dimensões do mesmo. Esse amor é comparado por Paulo ao amor que Cristo tem por sua Igreja. Somente por meio da atuação do Espírito em nós é que poderemos amar assim. Talvez seja por isso que casais que não vivem uma vida espiritual profunda não podem desfrutar dessa dimensão do amor conjugal. Mais difícil ainda é quando um dos cônjuges não é cristão e portanto não tem o Espírito de Deus.

A alegria mencionada por Paulo é também produzida pelo Espírito Santo. Não vem somente quando as finanças domésticas estão equilibradas, quando os filhos estão indo bem na escola, gozando de boa saúde; ela vem em meio a circunstâncias difíceis, durante os momentos de profunda dificuldade, durante as tribulações. Que bênção se pudéssemos sempre receber o nosso cônjuge com alegria verdadeira no coração e no meio das provações e dificuldades da vida, exibi-la a todo instante! Assim também é a paz da qual Paulo fala. Ele igualmente menciona a longanimidade, que significa paciência. Estatísticas confirmam que a maior parte dos divórcios ocorre porque os cônjuges não conseguem lidar com a raiva e o ressentimento contra o outro, acumulados através dos anos. Impacientam-se com os erros, falhas e provocações do outro e desistem de achar o caminho da reconciliação. A psicologia moderna chama isto de incompatibilidade de gênios. Admitimos que certos “gênios” são mais compatíveis que outros. Entretanto, cremos que o Espírito Santo produz em nós a longanimidade necessária para aceitarmos e superarmos as nossas diferenças naturais. Provavelmente, em boa parte dos divórcios, o que existiu não foi incompatibilidade de gênios, mas incompatibilidade com o Espírito Santo. Onde ele atua, o bendito fruto da paciência aparece. Você não sente que é a sua impaciência e a sua irritabilidade que causam tantos atritos no casamento?

A benignidade e a bondade que Paulo menciona em seguida são muito parecidas. Significam sempre procurar o bem da pessoa amada. Perto desses conceitos está o de fidelidade. Essa é a qualidade de alguém em quem podemos confiar sempre. Ele nunca nos decepcionará. Deus é sempre fiel, diz a Bíblia (Dt 3.4). Fidelidade deveria ser uma das características mais marcantes do cristão. Ser fiel ao cônjuge – especialmente ser fiel ao que foi prometido durante a cerimônia de casamento – tem se tornado uma atitude cada vez mais rara na sociedade em que vivemos. Traição, adultério e infidelidade, ao contrário, são cada vez mais aceitáveis bem como o divórcio. Num rasgo de profetismo, o conhecido Aldous Huxley, em seu livro Admirável Mundo Novo, predisse que num dia não muito distante, as licenças para casamento seriam concedidas como as licenças para cachorros: servem apenas para um período de 12 meses e permitem que você troque de cachorro durante esse período ou que mantenha mais de um cachorro ao mesmo tempo! Somente pela graça e pelo poder do Espírito Santo operando em nossas vidas e casamentos é que podemos cumprir aquela fidelidade de coração que o Senhor Jesus determinou (Mt 5.28) e tornar reais as promessas feitas na cerimônia de casamento.

Paulo cita a mansidão. Significa gentileza de atitude e de comportamento, em contraste com a rudeza de modos no tratamento de outras pessoas. Alguns tradutores da Bíblia verteram esse termo em algumas línguas simplesmente como “sempre falar de forma suave” ou “jamais levantar a voz para outra pessoa”. Mansidão é aquela capacidade dada pelo Espírito Santo que nos capacita a suportar com gentileza e paciência as provocações que inevitavelmente aparecem no relacionamento. Para os que não têm o Espírito, por vezes torna­ se quase impossível conviver com essas coisas. O novelista escocês Robert Stevenson escreveu que podemos perdoar aqueles que não conseguem nos acompanhar durante uma explicação filosófica; mas, quando sua esposa fica rindo quando você tem os olhos cheios de lágrimas, ou com um branco no olhar enquanto você tem um acesso de riso, o divórcio nos aparece como o caminho certo a seguir. Assim pensam os homens sem Deus. Mansidão para agüentar a ironia, o sarcasmo, os gritos, os acessos de raiva e as incompreensões é fruto do Espírito.

Finalmente, Paulo menciona o domínio próprio. Como este aspecto da operação do Espírito em nossa vida é importante no casamento! Literalmente, significa ter controle sobre o seu eu, sobre o seu ego. De todas as qualidades necessárias para um casamento feliz, talvez essa seja a mais importante – e a mais difícil de obtermos por nós mesmos. Conta-se que Benjamin Franklin, desejando alcançar uma vida moral perfeita, escreveu num caderno as doze virtudes que considerava essenciais para uma moral inatacável. Debaixo de cada uma, deixou espaço para registrar seu comportamento e progresso diários. Um dia, conversando com um velho amigo evangélico, sacou seu caderno e mostrou quão maravilhosamente bem ele estava se saindo. Seu amigo calmamente informou-o que ele havia omitido da lista a virtude da humildade…! É somente pela graça e pelo poder do Espírito que podemos verdadeiramente ter controle sobre nosso espírito, emoções e reações.

Orientações práticas

Finalmente, como ser cheio do Espírito Santo? Gostaríamos de sugerir três direções básicas para você. E cremos firmemente que, se obedecidas, seu casamento pode mudar.

1. Reconheça a necessidade que você tem de uma vida espiritual, mais profunda. O Senhor Jesus Cristo disse certa vez no último dia de uma festa dos judeus: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva” (Jo 7.37,38). Ele se referia ao Espírito Santo. Ele disse: “Se alguém tem sede”. O primeiro passo é você reconhecer a sua extrema necessidade, reconhecer que a causa maior das atitudes errôneas para com o seu cônjuge e dos problemas que aconteceram é a falta do fruto do Espírito em sua própria vida. Não culpe o seu cônjuge, nem o seu temperamento, nem as circunstâncias. Aceite mansamente que foi você que não teve na sua vida a plenitude do Espírito. Comece assim, reconhecendo humildemente diante de Deus que você precisa dele e do seu Espirito. Note que o Senhor comparou a ação do Espírito ao movimento de águas correntes (vivas). Quando a água é derramada, ela escorre procurando primeiro os locais mais baixos e quando os encontra, enche-os imediatamente. A água não sobe primeiro os montes. Assim também o Espírito Santo não vem encher corações altivos, soberbos e orgulhosos, mas sim aqueles que estão profundamente quebrantados. Você quer começar a se encher do Espírito? Comece dizendo, “ó Deus, a culpa é minha, perdoa-me!”

2. Ore pela plenitude do Espírito. Suplique a Deus, “ó Deus, dá-me a plenitude do teu Espírito!” O Senhor Jesus disse certa vez: “Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” (Lc 11.13). O ponto dessa comparação feita pelo Senhor é muito claro. Deus dará mais do seu Espírito aos que pedirem. Note que, segundo Mateus, Jesus havia dito que o Pai daria coisas boas aos que pedissem (Mt 7.11). Lucas especifica que Jesus se referia especialmente ao Espírito Santo, o summum bonum (bem supremo). O sentido é que Deus está pronto a nos dar os dons e as graças operadas pelo Espírito (em contraste com os dons materiais que nossos pais nos dão, cf. Pv 1.23; Is 44.3,4; Ez 36.27; Jl 2.28; Jo 4.10; Jo 7.37-39). É claro que Deus poderia fazer com que seu Espírito atuasse de forma mais intensa em nós sem que ao menos pedíssemos. Mas ele determinou que buscássemos essas coisas pela oração.

3. Reforme sua conduta. Especialmente no que diz respeito à área familiar, há certas atitudes que precisamos reformar. Peça perdão ao seu cônjuge, busque a graça de Deus para essa reforma tão necessária. O Espírito Santo é dado aos que obedecem a Deus (At 5.32), os que andam querendo fazer a sua vontade (SI 143. 10). Essa reforma diária é necessária para conhecermos a perfeita vontade de Deus. O uso dos meios de graça conduz naturalmente à reflexão e a uma atitude mental e espiritual desejável e propícia a mudanças necessárias. Assim, separe tempo diário para as devoções particulares e domésticas, pasando tempo com Deus, com sua Palavra, com a vida de oração.

Existem muitas pessoas solteiras que não querem casar e num certo sentido isso é melhor do que casar com a pessoa errada. Se você é solteiro e quer casar, esta pergunta é para você: “Quanto a dimensão espiritual influencia a sua procura e a sua escolha? Você está procurando rapazes bonitos, elegantes e altos, morenos de olhos verdes? – e os rapazes? Estão procurando moças esguias, louras de olhos azuis? Quanto a dimensão espiritual é importante para você?” Hoje em dia os meios de comunicação nos querem fazer acreditar que somente o que é bonito e agradável aos olhos traz felicidade. Isto não é verdade. Se fosse assim, todas as estrelas de cinemas teriam casamentos felizes. “Enganosa é a graça e vã, a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor, essa será louvada” (Pv 31.30). Quanto a dimensão espiritual está influenciando a sua escolha?

Você talvez seja noivo. Queremos fazer uma pergunta a você também. Quanto tempo vocês gastam lendo a Bíblia juntos, orando juntos e cultivando a vida espiritual? Quanto tempo vocês gastam buscando a Deus e se preparando espiritualmente para o casamento? Se esses hábitos e disciplinas espirituais não são cultivados desde cedo, dificilmente o serão durante o casamento.

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Fonte: Augustus Nicodemus Lopes e Minka Schalkwijk Lopes, A Bíblia e a sua Família – Editora Cultura Cristã, págs. 13-27

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