McCrente

Autor: Daniel Rocha

Há duas décadas atrás não havia tanta facilidade para se comer um lanche rápido, ou um “fast food”,  como se fala hoje. Você tinha de entrar num restaurante, olhar o cardápio, escolher um prato, aguardar o pedido do garçom e… degustar uma comida longamente preparada e, normalmente,  substanciosa, que o deixava satisfeito o dia inteiro.
Hoje os tempos são outros.  Todo mundo tem pressa, tem atividades que não podem esperar. Por isso espalhou-se pelo país casas que prometem fazer um lanche rápido, em poucos segundos. Aliás, ele já está pronto quando você pede. Eles são extremamente macios para não ter de mastigar muito. Eles são leves para que a pessoa logo após comê-lo possa sair rapidamente e continuar seus afazeres. Se não alimentam bem, pelo menos “enganam” a fome, e o cliente sai satisfeito. Essa é a cultura alimentar que vivemos hoje.
Não por acaso, essa mesma expressão cultural adentrou a vida da igreja. É o McCrente. Ele também tem pressa. Pressa em receber as bênçãos, pressa em ser atendido nas orações, pressa em alcançar as facilidades do Reino.  Para o McCrente,  buscar a maturidade não é uma prioridade. A palavra-chave é “desfrutar”. Desfrutar  imediatamente o gozo espiritual. Afinal, ele tem direitos, ele é filho do Rei. Ele conhece algumas promessas bíblicas e as reivindica em sua vida, às vezes sem se dar conta que muitas vezes não está vivenciando as  premissas básicas do evangelho. Gastar tempo com Deus como os santos do passado?  Buscar atentamente na Palavra o direcionamento para a vida e aguardar no Senhor a Sua vontade? Não! Aguardar pacientemente o tempo do Senhor, o “kairós” de Deus para sua vida?  Também não.
No passado os cristãos, diante de uma situação de profunda dúvida ou agonia,  passavam longos períodos em oração, em contrição, buscando ouvir a voz de Deus, meditando na Palavra, procurando descobrir a boa, perfeita e agradável  vontade do Senhor.   Hoje, esse processo é, pelo menos na prática, rejeitado – todo o tempo gasto nessa angustiosa busca  da vontade divina pode ser obtido em alguma forma de revelação que não deixe margem à dúvidas.
Os  cristãos dos primeiros séculos, diante de algum pecado que tenazmente os assediava, reconheciam suas fraquezas, admitiam suas culpas, e procuravam com grande luta submeter-se a uma rigorosa disciplina  diária para que o pecado não alcançasse vantagem sobre eles. Hoje, não.  Em primeiro lugar, não se admite mais a culpa como “sua” – deve ser culpa de “algum espírito”. Ele também não está disposto ao sacrifício da autodisciplina, pois já que a culpa não é sua, basta a ele “ordenar” aos espíritos.
Vejam: no passado não havia o “demônio da preguiça”, pois a Bíblia era clara no diagnóstico – “vai ter com a formiga, ó preguiçoso, e medita nos seus caminhos” (Pv 6.6). Ora, a Bíblia entendia que o preguiçoso precisava ver o bom exemplo dos que trabalhavam e seguir seus passos. O apóstolo Paulo, por outro lado,  nunca disse que havia um “espírito de discussão” atuando nos crentes. Esses precisavam re-pensar sua forma de ser e viver de uma forma diferente e falar de uma forma nova: “revesti-vos do novo homem… falando entre vós com salmos, hinos e cânticos espirituais”. No passado, o adultério e a fornicação não eram creditadas aos espíritos, mas eram “obras da carne” e vinham do coração (Mc 7.21-23). Quem tinha volúpia sexual não expulsava demônios responsáveis por isso, mas mantinham-se atentos todo o tempo, reconhecendo suas fraquezas e dificuldades, jejuando, vigiando e orando para não cair em tentação.
O McCrente não aceita também a provação, nem o seu caráter purificador. Ele não entende o porquê da necessidade de passar por provas.  Da mesma forma ele  tem dificuldades em lidar com a frustração e por isso não aceita eventuais derrotas na vida – ele só quer as vitórias. Fico pensando como Deus vai forjar um caráter firme em alguém que não aceita aprender com pequenas derrotas  hoje para que possa obter  vitórias amanhã. Basta ver na Bíblia que todos os santos de Deus experimentaram o amargo sabor de algumas incompreensões, insucessos,  fracassos e até mesmo tragédias em suas vidas. 
O McCrente normalmente comporta-se como uma criança mimada. Ele quer tudo fácil e na hora. Deus concede a bênção, mas ele não está disposto a arcar com os custos dessa bênção. É como o povo hebreu quando recebeu o relatório dos espias – “lá tem heteu, jebuseu, cananeu… e somos como gafanhotos perto deles”. O povo ficou desesperado, e a chorar, e a reclamar. Quer a bênção, mas não quer expulsar com luta os inimigos que querem se apoderar dela.
O McCrente não gosta do silêncio, da meditação, da contemplação. Isso é visto como algo dispensável, ou até mesmo “inútil” na vida cristã.  Por outro lado, ele se empolga com tudo que é aparatoso, grandioso. Ele necessita disso. Obviamente ele não está interessado em comida substancial, mas algo que seja facilmente digerível.
Como sua fé é superficial ele não suporta o silêncio divino, aquele silêncio que o Senhor tanto fez aos salmistas, para eles  desenvolverem a paciência e a certeza que mesmo na noite fria e escura Deus estava com eles. O McCrente não suporta isso – ele necessita avidamente de evidências que o façam tranqüilo. Ele precisa sempre e continuamente de provas divinas, de sinais divinos, que embalem sua fé insípida.
No passado o “crer” era o que dava sentido à vida cristã – “o justo viverá pela fé”.  Bastava-lhes crer na Palavra, crer nas promessas, crer na presença divina caminhando junto a eles. Na cultura do McCrente, não é o crer que está no centro, mas o “sentir”. É necessário sentir, buscar sensações cada vez mais fortes. Nem é preciso dizer o quanto isso se afasta da simplicidade da fé na Palavra.
Da mesma forma que quem só como refeições rápidas pode acabar adoecendo, e até mesmo morrendo,  nós crentes precisamos nos dar conta dessa visão superficial que tomou conta da Igreja de Cristo. Que Deus nos livre dessa cultura. 

Pastor da Igreja Metodista em Itaberaba, e psicólogo
dadaro@uol.com.br

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