Autor: Jeriel Silva Santos
Liderança espiritual, á um assunto por demais abrangente e precisamos de dois recursos: tempo e experiência, para abrangê-lo em sua totalidade.
Eu gostaria de usar neste primeiro momento o exemplo de Neemias que do ponto de vista prático, é o líder mais contextualizado com nossa realidade. Em primeiro lugar devemos olhar para a natureza do chamado de Neemias.
1 – O Chamado de Neemias ( Ne..1:1-4;2:4,5)
a) Um chamado "natural" ( V.2 )
b) Um chamado “desafiador"(2;13b,17)
O chamado de Neemias para servir a Deus é um acontecimento relatado por judeu, como algo natural que acontece na vida de um homem Deus. Não há nada de “místico”, "esotérico"ou “extraordinário”, na forma como Deus chama Neemias. Aliás, esta é uma característica da maioria dos chamados de Deus na Bíblia de pessoas, para liderar o seu povo, vejam por exemplo, o chamado de Abraão ( Gn. l2:lss), ou mesmo o chamado de Moisés ( Êx,3:1ss), No Novo Testamento também encontramos essa mesma perspectiva da parte de Jesus, ao escolher seus discípulos (Mc. 1:16-20; Jo.1:39 “…Vinde, e vede. Foram, pois, viram onde Jesus estava morando; e ficaram com ele…"). Em todos estes exemplos, o chamado de Deus acontece, na dinâmica da vida, na trajetória natural dessas pessoas.
Com Neemias, não acontece diferente. Ele estava no desenvolvimento de suas atividades diplomáticas ( ele era um diplomata do rei Artexerxes), quando Deus o chama para realizar uma grande obra", ele não estava no Templo orando para que Deus lhe mostrasse a Sua vontade, ele não estava numa reunião de oração de muito "poder", não! Neemias estava na "cidadela de Susã "( antiga capital da Pérsia) provavelmente cuidando dos negócios do rei. Desenvolvendo sua atividade profissional.
Aqui, podemos estabelecer um paralelo, entre o chamado de Neemias, e o nosso próprio chamado ministerial, na obra estudantil. Ao nosso vê, temos diante de nós a mesma perspectiva de chamado de Neemias. De fato, eu não conheço muitas histórias de chamado de estudantes ou de assessores na ABU, pelo menos entre aqueles que tive contado, que tenham tido um chamado extraordinário, espantoso, populista, com um reconhecimento fácil ( Ne. 4:1-3~11 ). Todos foram chamados dentro do curso de suas atividades normais, não houve qualquer interrupção abrupta, ou cenas dantescas, apenas um convite de Deus para assumir com responsabilidade uma tarefa desafiadora. Como Neemias todos foram chamados a partir de “conversas” informais com um dos irmãos (Ne.1:2a). A resposta portanto depende muito da nossa disposição para servimos a Deus a ao próximo( Ne 2:18b ).
Nós também temos diante de nós uma realidade desafiadora de "construir" uma nova geração de lideres cristãos: mulheres e homens de Deus, que respiram Sua Palavra que cultivam intimidade com Ele que sabem discernir Sua vontade nos acontecimentos mais corriqueiros da vida como o soube Neemias. Vidas que mesmo inacabadas não apresentam "brecha alguma" (Ne.6:1). Agora para que cheguemos a isso, precisamos observar alguns detalhes na experiência de Neemias que bem delineiam a responsabilidade do líder espiritual.
2 – O compromisso com a oração (2:4)
Eu estava pensando um dia desses: quantos de nossos problemas de relacionamento entre os estudantes, falta de recursos financeiros, desânimo e outras coisas mais, poderiam ser facilmente resolvidas, se realmente orássemos: Eu não falo de ficarmos diante de Deus, balbuciando palavras sem sentido, enfadonhas que não expressam de fato a realidade que vivemos. "Então orei ao Deus dos céus". Neemias era o líder, ele mais do que ninguém, tinha a obrigação de erguer a voz e pedir misericórdia.
A oração é a marca do líder que confia em Deus, como bem dizia Lutero: "quem não tiver fé verdadeira não saberá orar" , ou como expressa Calvino "A oração protege-nos do ceticismo que insinua ser o objeto da fé mera ilusão ou projeção de nossos anseios apenas". Liderança sem oração gera ministério sem poder. Como bem dizia um grande missionário: “Muita oração, muita poder, pouca oração pouco poder, nenhuma oração nenhum poder".
Seria muito importante, reavaliarmos nossa vida de oração diante da obra que Deus tem nos chamado a desenvolver. "A questão não é orar até que Deus nos ouça o que lhe pedimos, mas até entender aquilo que Ele nos pede" (Sóren Kierkegaard).
a) O conteúdo da oração de Neemias (1:5-7)
Qual foi o conteúdo da oração de Neemias? Precisamos reconhecer que a causa dos problemas, muitas vezes está em primeiramente em nós "…pois eu tenho pecado ( 1:7c). Eu passei longos anos de minha vida para aprender uma lição: que "eu" não posso ser líder espiritual, não posso conduzir o Povo de Deus, se não tiver a capacidade de reconhecer o pecado em mim primeiramente. A primeira coisa verdadeiramente grande que Neemias faz é reconhecesse pecado diante de Deus. Não é o pecado dos outros que interessam primeiramente, mas o seu próprio pecado. Quanto podemos fazer pelo Reino, pela Igreja e pela ABU se entendermos essa verdade fundamental, que norteou a vida de Neemias e que sem dúvida de todos os líderes que Deus levantou em todos as tempos! A minha relação de ajuda de condução das pessoas á Deus passa pela confissão das minhas falhas, pessoais. Porque: "Eu só posso levar alguém tão perto de Cristo, quanto eu estou" (Reinold Frenzel).
b) A paixão de Neemias pelo seu povo (Ne.1:8-10)
Um segundo momento na oração de Neemias é marcado pela paixão pelos seus contemporâneos.
Como líderes estudantis, assessores e diretorias do movimento temos que orar apaixonadamente, pelos estudantes e pelo movimento que fazemos parte. Eu gosto de uma expressão do Gandhi, sobre a oração: "Na oração, é melhor ter um coração sem palavras do que palavras sem coração". E isso é extremamente Bíblico "Onde estiver o vosso tesouro ai estará o vosso coração "(Mt. 6:21).
A pergunta que devemos fazer aqui é: “Quanto de nosso ser está dedicado a esse empreendimento”? Eu não me refiro só à quanto do nosso tempo (Cronos) ou das nossas poses, mas do nosso ser, do nosso coração está nisso. Se não temos o coração na obra, não temas nada na obra. Na bíblia o coração não é só o órgão vital da vida biológica, nem tão pouco somente a sede das emoções, Ele é acima de tudo a sede das decisões do ser humano. Onde ele decide amar, odiar, sofrer pelo outro (ter paixão) morrer se for necessário para que o outro tenha vida. Essa é a dimensão da paixão que queremos destacar como vindo do coração da totalidade do ser humano: "…sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração porque dele procedem as fontes da vida"'(Pr"4:23).
É essa integralidade de Neemias na obra do Senhor, que lhe permitia perceber seu pecado, mas lhe sensibilizava diante dos seus liderados ( Ne.4:4), deve estar presente também em nossos ministérios corações como líderes.
Talvez tivéssemos que gastar muito tempo falando da vida apaixonada de Neemias, Moisés, Josué, Davi e tantos outros lideres que a Bíblia apresenta. Uma coisa iríamos encontrar neles "paixão" pelo povo que eles lideravam. Com respeito aos lideres Bíblicos Sanders comenta: "Não foram líderes devido ao brilho de seu pensamentos nem devido a terem recursos inexauríveis, nem devido á cultura magnífica, ou aos dons naturais, mas por causa do poder da oração – pelos seus liderados – através da qual comandam o poder de Deus".
3 – O compromisso de Neemias
Um terceiro momento na experiência de liderança de Neemias que queremos destacar é, o seu compromisso.
Eu temo que o uso dessa palavra no contexto evangélico e, mas particularmente, no contexto da ABU, venha de alguma forma enfraquecê-la no seu verdadeiro significado, e que a freqüência com que temos empregado o termo compromisso roube a força que contém e enfraqueça-nos nessa dimensão. Todavia, é preciso destacar essa característica acentuada que tanto marcou o ministério de Neemias e que precisa marcar também o nosso ministério com os estudantes.
O compromisso de Neemias pode ser notado em dois níveis diferente:
a) o compromisso vertical (com Deus Ne. 2:12-18a)
De um lado podemos observar o quanto Neemias valorizava os encontros secretos com Deus sem fazer alarde ou propaganda para chamar à atenção sobre sua espiritualidade, do outro lado, a clareza com que Neemias percebe sua relação com Deus como aquele que “estivera” sempre com ele V.18a.
b) O compromisso horizontal (com o outro Ne.2:1-3,10)
Por outro lado, esse compromisso com Deus só encontra sentido para Neemias, na medida que serve para ajudar seus irmãos e concidadãos. A tarefa de liderar não era apenas um ato de cidadania, mas, sobretudo, o resultado do seu encontro com o Deus que sempre está atento ao clamor do seu povo (Ne.1:11), para levantar alguém que o possa liderar.
4 – Os custos da liderança – outro momento fundamento no modelo de liderança de Neemias diz respeito ao custo da liderança (Ne.2:17-18)
Se alguém não estiver preparado para pagar um preço, maior do que seus contemporâneos e colegas estejam dispostos a pagar, não haverá aspirar à liderança no trabalho de Deus. Não importa quanto tempo a gente leva para compreender isso, Deus é paciente, mas nunca indolente (desleixado, descuidado), para essa exigência. A verdadeira liderança exige custo elevado, a ser cobrado do líder e, quanto mais eficiente a liderança, maior o custo (Ne.2:19; 6:1-4; Mc.10:38).
Hogg, fundador do Instituto Politécnico de Londres, investiu nesse empreendimento grande fortuna. Quando lhe perguntaram quanto lhe havia custado a construção de tão grande instituição, ele respondeu: “não muito, simplesmente o sangue de uma pessoa”. Comentando esse fato Sanders diz o seguinte: “este é o custo de todas as grandes realizações, o qual não é pago de uma vez, à vista, é pago em prestações, de acordo com um plano de pagamentos que prevê uma prestação à cada novo dia. Novas cobranças são feitas constantemente, e se o pagamento cessar, a liderança desvanece. Este fato foi ensinado pelo Senhor quando Ele nos explicou que não poderíamos salvar os outros e a nós mesmos, ao mesmo tempo” (Lc.9:24). Qual foi o preço que Neemias teve de pagar?
a) Auto-sacrifício (Ne.1:11;2:1ss;5:5). Não foi uma opção de Deus tirar-lhe a posição social ou profissional, Neemias decidiu consciente e voluntariamente sair da sua função, ele pediu demissão do cargo (Ne. 2:5). O auto-sacrifício é parte do preço que deve ser pago diariamente (Lc.9:23). Fugir do auto-sacrifício, é fugir da liderança.
Todas as pessoas chamadas por Deus para liderar o seu povo caracterizaram-se pela prontidão para renunciar preferências e privilégios pessoais, para sacrificar desejos legítimos e até naturais, por amor a Deus e ao próximo.
O Dr. Samuel Swemer chama à nossa atenção para o fato de que após sua ressurreição, Jesus fez questão de mostrar uma única coisa aos seus discípulos: “suas cicatrizes”. Seus discípulos não o conheceram, nem a Sua mensagem, no caminho de Emaús, mas quando viram suas cicatrizes, ficaram atônitos “…mostrou-lhes as mãos e os pés…”(Lc.24:40).
O apóstolo Paulo, comentando sobre as cicatrizes do seu ministério, fala dessas como marcas autênticas da liderança do povo de Deus, as quais ninguém pode jamais nos tirar, ele diz: “quanto ao mais, ninguém me moleste; porque trago no corpo as marcas de Jesus” (Gl.6:17) “…trazendo sempre no corpo o morrer de Jesus para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo…” (2Co.4:11ss).
Any Wilson Carmichael escreve um poema que diz:
“Não tens cicatrizes?
Nenhuma cicatriz escondida, no pé, na mão, ou no lado?
Ouço-as sendo cantadas, pela terra,
Ouço-as saudando a brilhante estrela da manhã.
Não tens cicatrizes?
Não tens ferimentos?
Contudo, fui ferido pelos arqueiros.
Encostaram-me numa arvore, para morrer,
E rasgado por bestas vorazes, que me rodeiam,
Desfaleci:
Não tens ferimento?
Nenhum ferimento? Nenhuma cicatriz?
Sim, seja o servo como seu senhor;
Os pés que me seguem são traspassados.
Contudo, os teus pés estão íntegros.
Teria seguido até bem longe,
Aquele que não tem ferimento?
Nenhuma cicatriz?
b) Solidão (Ne.2:11-20). Existe uma diferença entre solidão e ser solitário. A primeira é uma condição que tem haver com um certo “ermo”, “deserto” ou com um “estado” psicológico, em que o líder se encontra frente as condições reais da liderança. A segundo aponta para um abandono de todos, uma ausência de companhia e perspectiva. Neemias está “só”, mas nunca é solitário, ele é solidário. A solidão do líder não precisa ser um ostracismo, ele pode ter esse momento como uma dádiva de Deus para crescer na direção dos outros, como fez Neemias: “Tendo ouvido estas palavras, assentei-me, e chorei, e lamentei por alguns dias…” (1:4).
Pela sua própria natureza, o líder está numa condição de solidão, ele precisa está à frente de seus seguidores, tem visão na frente, deve estar preparado para caminhar sozinho quando for necessário. Temos um exemplo de nossos dias na pessoa e obra de Hudson Taylor, o fundador da Missão para o interior da China.
c) Pressão e Perplexidade (Ne. 4:10;6:5-9,11) – Aqueles que nunca se viram numa posição de liderança poderiam pensar que uma experiência maior, e uma comunhão mais longa com Deus, resultariam em maior facilidade para discernir-se a vontade de Deus, em situações perplexas. Mas, o texto de Ne. 6, mostra que, o contrário que é verdade, com freqüência. Depois de muitos ataques sofridos, foi que Neemias pôde discernir a voz de Deus, a despeito de toda intimidade que ele demonstra ter com o Senhor.
Aqui Hudson Taylor nos dá outra lição muito importante. Ele disse, certa vez, que quando jovem, as coisas eram definidas, tão mais claramente e rapidamente. “Contudo – disse ele – agora depois de tanto tempo, após Deus ter me usado mais e mais, pareço um homem caminhando pela neblina densa. Não sei o que fazer”. Foi essa basicamente a situação de Neemias em 6:9b; 13:31.
5 – Encarnação da sua responsabilidade (Ne.6:1)
Finalmente queremos apontar a disposição para encarnar a responsabilidade do trabalho de Deus. Quando temos certeza de estarmos onde Deus nos quer, a melhor coisa que fazemos é enfrentar todos os inimigos que se levantam diante de nós, e respondermos a Deus “…eis-me aqui envia-me a mim…Is.6:8.
O desafio está ai, a cidade está “assolada”, o rebanho precisa de pastor, o chamado de Deus é constante, o que fazer? Como bem expressa Horatius Bonar em seu livro Um recado para ganhadores de alma: “Vá, trabalhe enquanto é dia, uma noite escura cairá sobre o mundo…” Talvez essas palavras devam fazer eco às palavras de Jesus no Evangelho: “Meu Pai trabalha até agora e eu também. Trabalhai enquanto é dia, pois a noite vem, na qual ninguém faz obra alguma”.
Jeriel Santos foi obreiro da ABUB Região Nordeste durante muitos anos.
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