Autor: João Tomaz Parreira
Escrito em 2005-03-15
O ano 2004 foi movimentado no que concerne à provocação da Fé e da religiosidade, do confessionalismo e do ateísmo de milhões. Mediaticamente tivemos o filme de Mel Gibson, A Paixão de Cristo e, de um modo espúrio, o livro O Código da Vinci e outras abencerragens.
O centro do Cristianismo Ocidental, do Ortodoxo, e sobretudo, do Cristianismo Evangélico, é, sem dúvida, Jesus Cristo, desde a Igreja Primitiva. Daí que em certas alturas de contextualização religiosa, Jesus seja o «core business» da imprensa internacional.
Não existe outro local privilegiado do que as capas de algumas revistas transnacionais para estampar o rosto de uma pesquisa milenar, mas que nos últimos vinte anos do século XX passou a estar na moda, a qual se tem tornado muito recorrente numa pergunta: Quem foi Jesus.
As épocas durante as quais se regressa a esta eterna questão, são normalmente duas, o Natal e a Páscoa. E destas épocas se parte, não raras vezes, para se «reescrever» a História Sagrada, apesar de esta fazer parte do núcleo central da religião que move mais de 2 bilhões de fiéis no mundo. Contudo, essa reescrita espúria das bases da Fé Cristã está submetida – como alguém relembrou na imprensa secular – a uma multiplicação das edições dos evangelhos apócrifos, uma avalanche de novos livros, filmes e peças teatrais baseados em episódios deturpados e reinterpretados da vida de Cristo. Tal fenómeno, porém, não nos parece ser novo, o início da década de 70 trouxe, como se sabe, uma abordagem irreal e dita pop da vida do Messias, com a peça inglesa Jesus Cristo Superstar. (1)
Tal como ontem, actualmente as revistas de periodicidade semanal, de grande informação, de carácter generalista e com públicos-alvo diferenciados, que vão obviamente dos ateus aos crentes, dos religiosos aos sem confissão alguma, servem aos seus leitores o prato forte da religiosidade e espiritualismo contemporâneo, o questionamento histórico e teológico de Jesus Cristo, mas de uma forma menos popular.
Raramente há uma linha de espiritualidade a ligar os textos, por vezes o sincretismo religioso é regra, parece no entanto que existe uma apetência pelo sagrado que vem contrariar o que André Malraux vaticinou há algumas décadas atrás, ao afirmar que o «Século XXI será religioso ou não será».
No entanto, para esses meios de comunicação social, tal apetência não começou a sua manifestação neste século. Em idiomas que nos são mais acessíveis para ler a comunicação social estrangeira, e, como é evidente, a portuguesa, por exemplo, o século XX procurou contribuir para a tal procura de Jesus através de «dossiers de capa», de artigos de fundo, de reportagens sobre determinadas «igrejas», denominações evangélicas e alguns aspectos até da vida eclesial da hierarquia católica romana. O mediatismo da imprensa quis ocupar, ocupou mesmo em alguns casos, o lugar da teologia, que por norma é recôndito e dado à concentração estudiosa.
A revista brasileira de grande tiragem «Veja», em 19 de Dezembro de 1979, considerava como matéria de capa: «Deus Está de Volta». Vários anos depois, em 1997, voltava ao tema sob a designação de «Crença em Deus». Em ambos os casos, os dossiers abertos, sob um formato jornalisticamente sociológico tratavam um retorno da sociedade ao pensamento sobre Deus, numa linha de espiritualidade perdida e que era preciso reencontrar.
Na década de 70 houve graves crises económicas, sociais e políticas no mundo. Nos últimos anos da década de 90, começava o monstro tentacular da globalização, e assim era preciso recolocar o homem no patamar da crença no divino.
Os chamados mass media iriam encarregar-se de veicular a emergente preocupação religiosa das sociedades. Nuns casos, promovendo a secularização da religião (com manchetes sobre escândalos, fraudes no seio de seitas, etc.), noutros empreendendo a tentativa ao contrário, a dessecularização do mundo.
REPORTAGENS DE CAPA
Matérias de capa estão na primeira linha das grandes revistas de informação, o tratamento jornalístico da religião em geral ou dos grandes temas da teologia, designadamente a cristã, como Deus ou Cristo, procura atingir um vasto público. Fé e os Média tornaram-se significativas em grande número de revistas, por assim dizer, cobrindo o Cristianismo na última década, dando a impressão de que o medo ou os terrores do ano 2000 tudo dominava.
Presume-se mesmo que tais matérias deveriam dar respostas a todos os mistérios que rodeiam a história ou do nascimento de Jesus ou da sua Paixão e Morte. Ou da existência de Deus ou, menos profundamente, a respeito de para onde vai a Igreja (católica romana).
Apenas com o objectivo de «ilustrar» o texto, deixamos uma brevíssima listagem das matérias de capa de algumas revistas de informação semanal, relacionadas com a procura do divino e da religiosidade:
-TIME, Agosto 1988, «Quem foi Jesus?»; Time, Dezembro 1991, «Em busca de Maria, Serva de Deus ou a primeira Feminista»; Time, 10/6/91, «Mal»- Deus é Todo Poderoso, é Todo Amor, mas Coisas Terríveis Acontecem»; NEWSWEEK, 4/4/94, «A Morte de Jesus» – Novas Descobertas dos Seus Últimos Dias»; TIME, 28/12/92, «O Que Diz a Ciência Acerca de Deus?»; Time, 25/10/04, «The God Genes»; Time, 21/6/04, «Fé, Deus & a Sala Oval»; VEJA, 12/4/95, «Quem Matou Jesus?»; Veja, 15/12/04, «A Busca pelos Sinais Históricos da Vida de Jesus»; VISÃO, 23/12/04, «Os Segredos do Nascimento de Jesus»; e, finalmente, a VEJA, de 15/12/1999, «diferindo» para o milénio futuro o «Jesus Ano 2000».
Esta grande informação com dossiers religiosos tenta sociabilizar as coisas espirituais, materializando a Palavra de Deus, a Bíblia Sagrada, em detrimento do que é importante, do incentivo à leitura, meditação e procura no Velho e no Novo Testamentos da revelação divina para a vida dos homens. E aqui continuará a valer a afirmação de Cristo aos seus contemporâneos, fariseus, escribas, judeus:
«Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim.» ( 2).
Nos Estados Unidos, no final do século XX, revistas como a Time, a Newsweek, The New Yorker, Life, etc., propuseram-se examinar os dogmas cristãos e publicaram dossiers de capa evidentes das necessidades espirituais do ser humano e da confrontação da religiosidade e da espiritualidade hoje com a sociedade.
Existe mesmo uma provocativa questão que confronta as pessoas no que concerne às raízes da sua fé. Em 25 de Outubro passado, pudemos apreciar que a Time publicava uma matéria de capa sobre Deus no código genético do ser humano, inquirindo «Is God in Our Genes?» Parecer-nos-á estranha esta pergunta, mas toda a reportagem ia no sentido de colocar em causa se a religião é produto do evolucionismo, se a fé está intrometida nos nossos genes, o que é mais um argumento perigoso que o início deste século XXI trouxe para a ribalta científica, isto é, a fé é científica, pode estar no nosso DNA, logo já não vem nem pelo Espírito Santo que convence o homem, nem pela Palavra de Deus que faz gerar a fé (3).
Este tipo de «pesquisas» não pode ser desligado do interesse conjuntural pela religião na sociedade norte-americana. Se se perguntar aos Americanos o que fazem aos domingos, muitos darão uma de duas respostas: assistem aos desportos ou vão à igreja, segundo uma constatação massiva da Fox News Channel. Hoje em dia, porém, segundo o mesmo meio de comunicação social, existem as estruturas das chamadas «mega-igrejas» que abarcam os dois campos, providenciam desportos e o culto, simultaneamente, às suas multidões.
Parece-nos que hoje, finalmente, as religiões, muitas igrejas, os próprios meios científicos e muitos mass media estão a agir como se de facto Deus não existisse.
O escritor russo Dostoiévski escreveu, certa feita, o seguinte: «Se Deus não existe, então tudo é permitido». Com argumentos ao contrário do que procuram pesquisar, no que concerne à religiosidade e à divindade, as sociedades contemporâneas gostariam mais de buscar essa liberdade.
(1) Cristolatria, in NA, Julho de 1972
(2) – João,5,39)
(3)- João 16,8 e Rom 10,17
[Notícia n.º 2661, inserida em 2005-03-15, lida 130 vezes.]
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