Autor: Ricardo Gondim
Antes, preciso apresentar-me. Há dezoito anos convertida, estou totalmente comprometida com minha igreja local. Sou mãe de dois filhos lindíssimos, amo o meu marido e, como todas as mulheres, vivo a tensão entre o meu lar e minhas aspirações profissionais. Sou diretora do departamento de recursos humanos de um grande hospital. Lido diariamente com enfermeiras, médicos e cirurgiões com-petentíssimos, contabilistas, técnicos em informática…
Resolvi escrever sobre minhas inquietações por não entender o porquê das discriminações que sofro na minha igreja e denominação. Sinto que a grande maioria das igrejas insiste em tentar fazer perene um preconceito contra as mulheres, mesmo depois de um século com tantas conquistas femininas.
Espero que minhas palavras aqui sejam doces e que eu não esteja gerando ainda mais rancores e divisões entre homens e mulheres. Acredito que algo precisa acontecer urgentemente. Sabe-se que a maioria dos membros de qualquer igreja é feminina e concorda-se que a grande força missio-nária evangélica é composta de mulheres. Todo pastor admitirá que o ministério da oração em suas congregações é largamente impulsionado pelas irmãs. A Escola Dominical, o trabalho de assistência social, visitação e a evangelização pessoal de suas comunidades dependem muito das Martas e Marias que se desdobram em oração e muita atividade.
Não entendo por que, depois de tanto fruto, tanta dedicação, as igrejas insistem na antiga interpretação bíblica de que a mulher induziu o homem a pecar e deve manter-se sempre em segundo plano. Também não sei por que os homens não enxergam que, na insistência em alijar as mulheres, prestam um desfavor ao reino de Deus. Temos muito para contribuir. Com certeza nossa presença não precisa ser sempre vista como uma tentação ou um perigo para os homens.
O meu pastor promoveu um simpósio sobre as mulheres no ministério e algumas pessoas abandonaram nossa comunidade. Alegaram que ele havia aberto um precedente perigoso e que na história do cristianismo, todas as vezes que mulheres foram içadas à posição de liderança, houve apostasia. Senti-me rasgada em minha dignidade. Vi a imagem de Deus em mim achincalhada. Mesmo com tanta dor, não quero que minhas palavras aqui se transformem em um mero desabafo. Gostaria de pedir aos meus irmãos e irmãs que meditem comigo sobre a mulher, não como um segundo plano de Deus, mas como parte de seu lindíssimo propósito eterno.
Será que precisamos insistir na tese de que a mulher foi a única culpada pela queda? Repetiremos sempre a desculpa esfarrapada de Adão, de que a mulher o induziu ao erro? Creio que já caminhamos o suficiente na teologia para entendermos que a humanidade, tanto homens como mulheres, é suscetível ao pecado e que nossa fraqueza precisa ser solidariamente assumida. Parece-me que as perspectivas teológicas masculinas que dominaram o pensar por tantos milênios colocaram sobre a figura feminina um peso maior. Creio que o pecado, considerado como ruptura de toda relação com Deus e com os seres humanos, tem a dimensão da fraqueza, bem como do orgulho, pois nega a nossa responsabilidade humana e agride o propósito de nossa criação. Insisto em afirmar que o pecado não possui gênero — não é masculino nem feminino; é um desvio de nossa humanidade.
Ouço com freqüência o argumento de que o papel da mulher na igreja deve ser o da submissão e da obediência. Cansei de ouvir que há inúmeros (?) textos em que a Bíblia ordena que as mulheres sejam submissas. Longe de mim questionar a submissão como uma virtude cristã. O que me inquieta é que esse mandamento se restrinja às mulheres. Será que a mansidão e a humildade não deveriam ser virtudes almejadas por todos, sem distinção de sexo? Concordo com Simone de Beauvoir, quando afirma que o dualismo macho/fêmea é um preconceito a ser ultrapassado. Acredito que não há essências eternas masculinas e femininas. Creio que todos devemos almejar um mundo em que as mulheres sejam acolhidas juntamente com os homens na fraternidade integral. Acredito que o exemplo de Jesus deve ser imitado por todos: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois Ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura huma-na, a si mesmo se humilhou” (Fp 2.5-8).
Quantas vezes eu e outras irmãs de nossa comunidade fomos esquecidas nos processos de decisão. Alegam que as mulheres são ótimas “obreiras”, mas estão espiritualmente impedidas de exercerem liderança. Argumenta-se que Jesus só escolheu homens para participarem do colégio apostólico. Já tentaram me consolar, afirmando que eu devo me resignar a servir, pois no reino de Deus maiores são os que servem, e não os que lideram. Como lamento essas abordagens! Mas, como leiga, pergunto: Ele não chamou também só judeus para serem do seu colégio apostólico? Os pastores e líderes cristãos usurpam o ministério, por serem incircuncisos? Lógico que não. Acredito que o texto a seguir precisa ser lido sem que se leve em conta homem ou mulher, judeu ou grego:
Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo. Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. (1 Pe 2.4-5, 9.)
Quando nos ensinam que maior é o que serve, e não o que manda, também questiono: por que então os homens não dão o exemplo, abrindo mão do poder para que as que mulheres que sempre serviram experimentem liderar, mesmo que sem grandes galardões?
Escuto também a tese de que Deus escolheu vir ao mundo como homem, e não como mulher. Nessa argumentação, entendo que há uma sugestão muito sutil de que Ele seria menor se optasse por ser mulher. Anne Carr escreveu sobre A Mulher na Igreja (Editora Temas e Debates, 1997) e cita June O’Connor, cuja afirmação precisa ser ouvida por nós:
Homens e mulheres são igualmente feitos à imagem e semelhança de Deus, são chamados à responsabilidade e à salvação em Cristo, são um em Cristo (como gregos e judeus, escravos e senhores), nisso não há nenhuma significação teológica definitiva ao caráter masculino de Jesus. A sua identidade masculina é considerada como um traço de sua pessoa, e não como uma condição necessária à encarnação. Embora a masculinidade de Jesus não tenha nenhuma significação teológica intrínseca, tem de fato, segundo a opinião geral, “uma significação social simbólica”. Porque Jesus solapa as estruturas predominantes das relações humanas e dos fundamentos sobre os quais assenta a sociedade de sua época, a saber: a família patriarcal greco-romana do século I, que favorece o homem.
Acredito que não diminuiríamos nossos conceitos a respeito de nosso Senhor se resgatássemos algumas metáforas bem femininas. Ele não tem receios de dizer que como uma galinha busca ajuntar seus pintinhos, assim Ele buscou a Jerusalém (Mt 23.37). Não se envergonha de comparar Deus a uma mulher que varre a casa para encontrar sua moeda (Lc 15.8-10). Não se sente menor quando diz que o reino de Deus é como o fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até tudo ficar levedado (Mt 13.33). Em sociedades patriarcais, referir-se a Deus sempre como “Ele” coloca a teologia em sintonia cultural, mas não define nem sequer delimita nossa compreensão da essência espiritual de Deus, que não pode ser identificada como macho nem como fêmea.
Alguns rechaçam o clamor feminino. Acreditam que estamos reivindicando dominar sobre os homens. Não queremos ser cabeça, não desejamos controlar. Pelo contrário, desejamos que não haja domínio de ninguém senão o do Senhor. Queremos apenas que o clamor de Paulo ressoe sem preconceitos nas mais diversas igrejas: “Porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos reves-tistes. Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.” (Gl 3.27, 28.)
Acredito que um dia as igrejas deixarão de ser o último reduto onde as mulheres ainda sofrem preconceitos. Assim como eu, hoje elas já exercem cargos na liderança de Estados, municípios; estão à frente de grandes empresas; julgam nos tribunais e até mesmo reinam sobre alguns países. Quando esse dia chegar, estaremos mais próximos de sermos a igreja que Jesus Cristo desejou. Lutemos e sonhemos juntos.
Soli Deo Gloria.
Ricardo Gondim é pastor da Assembléia de Deus Betesda, em São Paulo. É autor de, entre outros, Orgulho de Ser Evangélico — por que continuar na igreja, lançamento da Editora Ultimato.
Fonte: Revista Ultimato
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