Autor: Luiz Lobo
Introdução
Uma vida em paz é um direito de todas as pessoas. Estar em paz é ter respeitados e respeitar todos os direitos humanos; é não estar submetido a qualquer tipo de violência, institucional, física ou psicológica; é ter liberdade e justiça social; é viver em uma sociedade sem preconceitos, que respeite a eqüidade entre mulheres e homens; é desfrutar de uma comunidade solidária onde as oportunidades de desenvolvimento das potencialidades sejam idênticas para todos; é viver em família; é viver em verdade; é caminhar sempre para a frente sem deixar pessoas para trás.
O estudo e o debate do problema da violência leva à convicção de que é necessário fazer uma campanha de prevenção da violência dentro da família. Em 1998 comemoramos os 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e, verdade seja dita, não havia muito o que comemorar. Em todo o século XX não se passou um único dia em que alguma região da Terra não estivesse conflagrada. Às portas do novo século, um número muito grande de pessoas ainda acreditava que os direitos humanos são para quem merece e não para todos os humanos.
Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), os custos da violência na América Latina chegam a 14,2% do Produto Interno Bruto dos países da região, isto é, 168 bilhões de dólares. E só foi levada em consideração a violência física.
O Brasil, mais uma vez, tem um campeonato negativo e a violência física custa ao país cerca de 10,5% do PIB, ou seja, 84 bilhões de dólares.
Várias fontes, entre elas a Organização Mundial de Saúde, o UNICEF e o BID afirmam que a violência doméstica atinge pelo menos uma entre quatro mulheres na América Latina. Mas como a maior parte das agressões não é denunciada e registrada, é bem possível que o número seja superior a duas entre quatro mulheres.
A violência doméstica, física (incluindo a sexual) ou psicológica é a principal causa de sofrimento das crianças. Uma vida sem violência é um direito da gente e a paz começa, ou deve começar, em casa.
Estas são as recomendações que nos permitimos fazer aos parceiros de uma futura campanha:
Às Nações Unidas
1. Promover uma reunião mundial das religiões para debater e condenar a violência que tem base em cultura ou tradição pseudo-religiosa;
2. fazer o máximo de esforços para que todos os países da região ratifiquem e apliquem a Convenção Interamericana para Prevenir, Erradicar e Eliminar a Violência Contra a Mulher;
3. levar todos os países a assinar e aplicar a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher;
4. estudar e sugerir aos governos leis que condenem o agressor, obrigando-o a reparar os danos causados às vítimas de qualquer tipo de violência;
5. desenvolver, apoiar e financiar políticas de capacitação de policiais para o trabalho com asa vítimas da violência dentro da família;
6. sugerir, apoiar e financiar a instalação de Delegacias da Mulher, com policiais preparados para o atendimento das vítimas de violência, especialmente a sexual;
7. promover estudos, políticas e programas que visem a recuperar as vítimas da violência e recuperar para a sociedade os agressores (que em sua maioria, estatisticamente, também foram vítimas de violência);
8. criar e recomendar políticas de educação para a paz, no âmbito da escola;
9. impulsionar e criar condições para a educação familiar para a paz;
10. trabalhar junto aos meios de comunicação de massa com campanhas que aumentem a tolerância e acabem com os preconceitos e mitos que propiciam a iniqüidade e a violência;
11. promover estudos e debates na área jurídica para verificar como é possível evitar que as teses de inviolabilidade do lar e invasão de privacidade protejam os agressores e estimulem a violência em família;
12. prevenir os governo s para que os ajustes macroeconômicos tenham uma visão social, redistributiva, de desenvolvimento humano, de aumento da qualidade de vida e de melhoria da saúde, da educação, da habitação, do saneamento básico e que propiciem alimentos para todos;
13. desenvolver estudos e sugerir aos governos políticas públicas que impeçam a comercialização e o acesso às armas de fogo;
14. favorecer a publicação e a divulgação dos estudos que procuram evitar a violência, que distingam a agressividade necessária às crianças da violência; que ensinem que a violência só educa para a violência, que promovam as soluções dos conflitos de modo positivo, ensinando o que fazer em vez de agredir;
15. sugerir que em todas as políticas e programas relacionados com a violência haja uma perspectiva de gênero, para permitir uma melhor compreensão das suas causas e conseqüências para a sociedade;
16. considerar que a prevenção e o controle da violência é um problema de saúde pública e que a epidemia que mais cresce no mundo é a provocada por causas externas, isto é, a violência provocada pelo homem.;
17. utilizar melhor os recursos de comunicação de massa que podem aumentar a capacidade de comunicação, a empatia e a tolerância entre as pessoas; trabalhar nos programas de prevenção primária da violência, no fortalecimento da família, na proteção à gravidez , ao parto e ao pós parto, pelo alojamento conjunto, pela amamentação ao seio e pelo desenvolvimento harmonioso e integral da criança;
18. concentrar esforços na ampliação dos recursos de comunicação para a paz, um dos melhores modos de prevenir a violência;
19. dar especial atenção aos fatores que favorecem a violência como a extrema pobreza, a miséria, a exclusão social, a falta de atendimento às necessidades básicas, o não reconhecimento dos direitos do cidadão e o desrespeito aos direitos humanos;
20. reconhecer a existência de um novo paradigma de desenvolvimento sustentável, focalizado no desenvolvimento humano, dando prioridade aos objetivos sociais e à equidade;
21. considerar que a construção da paz é um processo que exige esforço contínuo e não pode depender de campanhas eventuais.
Ao Governo Federal
1. Que tome conhecimento das recomendações às Nações Unidas e aja de acordo;
2. que promova a campanha contra a violência dentro da família mas perceba, claramente, que esta não é a única forma de violência e que os governos são os responsáveis pela violência institucional;
3. que garanta, de fato, o registro civil gratuito de todas as crianças, porque o direito a um nome vem logo em seguida ao direito à vida, e que leve em consideração que ainda há muitos milhões de crianças vivendo como clandestinas em seu próprio país;
4. que não aprove nem sancione leis que estejam contra a eqüidade; 5. que seja intransigente no cumprir e fazer cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente;
6. que promova políticas de estímulo à participação feminina na vida pública, inclusive na política;
7. que propicie maior participação direta das crianças e dos jovens nas ações que visam a sua educação;
8. não aceitar nas escolas públicas livros-texto que perpetuam valores machistas, a exploração sexual da imagem feminina e outras práticas baseadas na idéia da inferioridade da mulher;
9. que providencie o pagamento urgente da dívida social. Vinculando os investimentos na área da saúde, do saneamento básico, da habitação e da educação;
10. que descentralize a aplicação das verbas de saúde e educação, promovendo o efetivo controle social;
11. que promova e garanta um cronograma de repasse de recursos que contemple uma melhor distribuição mês a mês, evitando os acúmulos de fim-de-ano , o desperdício e a eventual má aplicação;
12. que se busque acabar com a violência nutricional, dando proteção especial às crianças, aos jovens e às mulheres;
13. implementar o crédito pessoal fácil e a juros muito baixos, para financiamento de pequenas iniciativas familiares;
14. estimular as micro-empresas e propiciar a elas o acesso à tecnologia avançada;
15. promover a instalação de áreas de lazer para as comunidades mais carentes;
16. reconhecer como essencial a educação apropriada de crianças de zero a 6 anos de idade, dar incentivo financeiro à pré-escola e às iniciativas de educação comunitária;
17. desenvolver um intenso programa de alfabetização e de educação da mulher, considerando que quatro anos de ensino significam uma automática redução da morbidade e da mortalidade infantil dos seus filhos;
18. desenvolver um intenso trabalho de combate à exploração do trabalho infantil, punindo os culpados e acabando com um dos principais motivos da evasão escolar;
19. melhorar a remuneração e a capacitação do pessoal na área de saúde e do ensino básico;
20. capacitar o pessoal da área de segurança pública para o envolvimento com a comunidade e cuidar que a formação do policial deixe claro que sua principal atividade não é combater o crime, mas proteger a população;
21. melhorar o relacionamento, a harmonia e o planejamento conjunto dos ministérios da área social;
22. apoiar as organizações não-governamentais que comprovadamente desenvolvam um trabalho direto de prevenção de violência no ambiente familiar; 23. promover o controle da captação de recursos das ONG e da sua aplicação, criando leis que determinem a prestação pública de contas;
24. aprofundar as investigações e eliminar as causas que promovem o tráfico de meninas, jovens e mulheres para todas as formas de prostituição e exploração sexual;
25. incentivar e desenvolver estudos e pesquisas estatísticas sobre os números, a motivação e as conseqüências da violência familiar;
26. incentivar e desenvolver estudos e pesquisas estatísticas sobre os números e as conseqüências da violência sexual contra as meninas, as jovens e as mulheres;
27. fazer pesquisa entre vítimas e agressores para permitir perfis claros dos dois e das motivações mais freqüentes para a violência física;
28. fazer cumprir o novo Código de Trânsito, já que o tráfego é o maior assassino de adolescentes;
29. promover pesquisas, debates, seminários, mesas-redondas, painéis e conferências, durante um tempo certo e com a participação dos estudantes (nos três níveis) para aumentar a consciência sobre o assunto;
30. organizar uma grande campanha informativa e educativa contra a violência familiar e pedir a colaboração de agências de publicidade e dos meios de comunicação de massa.
Aos Governos Estaduais e Municipais
1. Tomar conhecimento das recomendações às Nações Unidas e ao Governo Federal, providenciando e agindo de acordo, no que couber ao Estado e ou ao Município;
2. fazer cumprir as leis que determinam a participação social, através dos conselhos, no planejamento, execução e controle nas áreas da saúde, educação e da criança;
3. estimular nas escolas a educação reprodutiva e a educação para a afetividade, como forma de prevenir doenças sexualmente transmitidas (inclusive a AIDS) e a gravidez indesejada, preparando as crianças e os jovens para o futuro;
4. criar programas de prevenção da violência, da violência familiar e da violência sexual contra as meninas e as jovens, divulgando as ações e os resultados.
Aos que trabalham com Educação e com a Comunidade
1. Reforçar a educação dos jovens para a maternidade e a paternidade responsável;
2. reforçar na comunidade a noção de tolerância e a necessidade de resolver conflitos através do diálogo;
3. criar, no interior das comunidades, uma rede de apoio à família;
4. priorizar, em todos os níveis, os trabalhos de grupo, como forma ativa e exemplo de participação social;
5. desenvolver um sistema de informação e uma política de difusão dos programas bem sucedidos contra a violência, de modo que cheguem ao conhecimento de toda a sociedade;
6. procurar na comunidade as razões e as soluções para o problema da violência, envolvendo-a nos projetos que procuram conquistar a paz na família;
7. eleger, na comunidade, uma Ouvidora, uma pessoa capaz de ouvir e dar atenção às vítimas e de levar o assunto às Promotoras da Paz, um grupo de líderes comunitárias encarregado de ser a primeira instância no combate à violência. 8. promover, em cada comunidade, a formação de Grupos de Apoio, integrados por advogados, psicólogos, médicos e outros profissionais que possam dar apoio às vítimas da violência e aos agressores (que também devem ser vistas como vítimas);
9. produzir e disseminar material educativo e outros recursos de comunicação visando a construção de uma cultura da tolerância, do controle emocional, da resolução de conflitos e da conquista paz;
10. produzir um manual sobre a violência, destinado aos líderes comunitários, com o objetivo de conscientizá-los para a realidade da
violência institucional dos governos;
violência institucional da sociedade;
violência cultural e dos costumes;
violência na família (maltrato, violência sexual, negligência, abandono e violência psicológica);
violência de gênero.
11. tentar mudar o meio-ambiente familiar e os papéis tradicionais da mulher e do homem na família, redistribuindo-os, para que haja eqüidade;
12. usar o lema: “A Paz Começa em Casa”.
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