Autor: Stephen Kanitz
Maio, mês das noivas, é uma excelente oportunidade para falar de casamentos. Antigamente, eram cerimônias simples, um singelo casal no altar, um coral, música clássica de fundo, uma bela igreja iluminada à luz de velas, tudo muito romântico.
Infelizmente este romantismo foi lentamente sendo destruído, pelo menos nos casamentos mais grã-finos, com a introdução das equipes de filmagem. Oito profissionais, entre assistentes e iluminadores, ficam bem na frente da platéia, e ninguém vê mais nada da cerimônia. Para impedir que conversemos, de vez em quando dirigem uma luz de 12 000 lumens de intensidade diretamente nos nossos olhos, de tal sorte que nossa retina precisa de doze minutos para voltar ao normal.
O intenso foco de luz distorce a beleza natural da Igreja, acaba de vez com a penumbra do mistério e do sagrado. Mal vestidas, mal-humoradas, totalmente ausentes da cerimônia, muitas equipes nos fazem até sentir que estamos todos lá para atrapalhar seu trabalho.
Por que destruir a beleza de um casamento simplesmente para poder registrá-lo, é uma questão filosófica intrigante. Será uma forma de controlar os convidados?
– Quem convidou o Araújo? Ele não estava na minha lista.
– Aquele não é o Pereira ? Nem mandou presente de casamento, bandido.
– Olha o Frederico limpando o nariz com a camisa.
A fita do casamento será vista no máximo duas vezes na vida por dez familiares. Em compensação, 300 convidados terão somente a visão das costas da equipe de filmagem. A fita talvez seja vista novamente no vigésimo aniversário de casamento, isso se ele durar até lá. Caso contrário o maldito filme irá para o lixo no dia seguinte ao desquite.
Com todo o respeito ao Sindicato dos Filmadores de Casamentos, vou propor que se considere realizar casamentos sem filmagens, em que o momento é vivido pelo momento, não pelo seu registro para o futuro. Ou no máximo um filmador bem vestido, postado no fundo da igreja com as lentes de aproximação apropriadas.
Minha esposa e eu casamos na Igreja Anglicana, uma religião que é um misto de catolicismo e protestantismo. Dizem que nossa origem adveio da vontade de Henrique VIII de se casar novamente, mas ela começou muito antes. Filho de imigrantes ingleses, herdei um nome e uma religião incomuns.
O Bispo que celebrou nosso casamento impôs uma proibição que na época achei estranha: Nada de fotógrafos nem de gente andando para lá e para cá no altar, tropeçando nos fios. “Podem fotografar a chegada e a saída, mas durante a cerimônia não quero distrações”.
O casamento é um momento de consagração de duas pessoas, de promessas que deverão ser lembradas e guardadas todo dia e para sempre, não arquivadas numa fita magnética na última gaveta do armário menos acessível.
O altar não é o lugar para ficar posando para fotógrafos, mas para refletir no que cada um está prometendo ao outro. A lembrança desse momento mágico deverá ficar firmemente registrada, mas em nossa mente e coração.
Nossos convidados que assistiram à cerimônia a acharam muito diferente, sem saber exatamente por quê. Até hoje comentam como ela foi singela, bonita e espiritual. Estávamos todos concentrados no presente pelo presente, não estragando tudo em um registro para o futuro.
Por alguma razão queremos ser proprietários de nossos melhores momentos, para poderemos ingenuamente “guardar”, e “mostrar” a todos que não compareceram ou não foram convidados. Agradeço hoje a imposição do nosso Bispo, que celebrou uma cerimônia pelo que ela representava, sem que se tomasse posse do evento para sempre, a não ser pela nossa memória, pelas nossas recordações.
Publicado na Revista Veja edição 1699 ano 34 no 18 de 9 de maio de 2001
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