Ricardo Barbosa

Autor: Comunidade, uma qualidade do coração
A palavra comunidade tem várias conotações, algumas positivas, outras negativas. É a comunidade que nos leva a experimentar a segurança do pertencimento, a compartilhar a mesa, a estabelecer alvos comuns, viver alegres celebrações e usufruir do amor carinhoso e perdão dos irmãos e irmãs. Porém, é também na comunidade que sofremos a dor do sectarismo, dos grupos fechados, do isolamento, da intolerância e incompreensão, do perdão negociado, das frustrações afetivas.

Todos nós temos expectativas distintas do que é uma comunidade e do que significa viver em comunidade. O mesmo espaço comunitário pode representar alegria e esperança para uns e aflição e frustração para outros. No entanto, tenho observado que ser comunidade é, antes de tudo, uma qualidade do coração. Ela nasce e cresce primeiro em nós, é fortalecida pela consciência de que vivemos, não para nós mesmos, mas para os outros. Ela é o fruto da nossa capacidade de fazer do interesse dos outros, algo mais importante do que os nossos próprios interesses. A questão, porém não é: como podemos criar uma boa comunidade, mas, como podemos desenvolver e nutrir corações mais dadivosos?

Muitas vezes, nos iludimos em pensar que podemos encontrar uma boa comunidade considerando apenas os programas e as atividades que ela organiza e a forma como podemos entrar e participar destas atividades. Porém, cedo ou tarde, descobriremos que aquilo não é bem a comunidade que precisamos. A comunidade nasce quando as pessoas aprendem a repartir suas vidas umas com as outras, quando se importam umas com as outras. A artificialidade faz com que a comunidade exista apenas nos momentos em que seus programas mantém seus membros entretidos. Uma vez que cessa o barulho e a agitação, as pessoas se perdem no vazio de sua solidão. A experiência comunitária é aquela que nos leva a aproximar do outro pelo que ele é e não pelo que faz ou possui. É uma disposição do coração.

O Rubem Alves conta uma pequena estória que nos ajuda a compreender a natureza da comunhão. Trata-se de uma lenda oriental que diz: “Havia uma árvore solitária que se via no alto da montanha. Não tinha sido sempre assim. Em tempos passados a montanha estivera coberta de árvores maravilhosas, altas e esguias, que os lenhadores cortaram e venderam. Mas, aquela árvore era torta, não podia ser transformada em tábuas. Inútil para os seus propósitos, os lenhadores a deixaram lá. Depois vieram os caçadores de essências em busca de madeiras perfumadas. Mas, a árvore torta, por não ter cheiro algum, foi desprezada e lá ficou. Por ser inútil, sobreviveu. Hoje ela está sozinha na montanha. Os viajantes se assentam sob a sua sombra e descansam. Um amigo é como aquela árvore. Vive de sua inutilidade. Pode até ser útil eventualmente, mas não é isto que o torna um amigo. Sua inútil e fiel presença silenciosa torna a nossa solidão uma experiência de comunhão. Diante do amigo sabemos que não estamos sós. E alegria maior não pode existir.”

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