Por que C. S. Lewis?

Autor: Gabriele Greggersen

Apocalipse 3:8 : Conheço as tuas obras – eis que tenho posto diante de ti uma porta aberta, a qual ninguém pode fechar – que tens pouca força, entretanto, guardaste a minha palavra e não negaste o meu nome. 

Falar do óbvio é uma tarefa bastante ingrata. Mas talvez seja perdoável numa primeira intervenção não apenas autorizada, mas até requisitada pelos meus novos colegas da Faculdade Teológica Sul Americana, que têm mostrado grande interesse pelas minhas pesquisas.
Então, a nossa questão central aqui é “Por que dedicar mais de dez anos de estudo a C. S. Lewis?” A pergunta é um tanto suspeita vindo de que vem, pois quem me conhece já me associa quase que naturalmente a ele, considerando que minha tese de doutorado foi a ele dedicada, e também publicada pela Editora Mackenzie, instituição para a qual eu trabalhava na época.
Na verdade eu já pretendia escrever sobre ele na minha dissertação de mestrado, mas na época eu não fazia idéia da estatura desse autor, cujo obra de mais de quarenta livros, entre ficcionais, literários, filosóficos e teológicos, estava minimamente traduzida para o português e continua praticamente ignorada no Brasil.
A novidade para o público seleto que o conhece é que a Martins Fontes comprou todos os direitos do autor, seguindo os passos da Harper Collins, outra editora secular, que comprou os direitos de toda a obra de Lewis, inclusive as de ficção, nos Estados Unidos. Isso é uma resposta mais do que clara para a pergunta que um editor me fez há alguns anos atrás: “quem você pensa que leria Lewis no Brasil?”
Não vou ficar perdendo o seu e o meu tempo para falar da importância da obra de Lewis no mundo. Basta fazer uma pesquisa na internet ou observar as referências de grandes teólogos ou evangelistas do mundo e você certamente terá uma noção pálida da projeção do autor. Não preciso falar das incontáveis traduções já existentes para as mais diversas línguas e dos inúmeros grupos de discussão, fundações e sociedades organizadas em torno do autor. O que eu gostaria de compartilhar é a minha experiência pessoal com ele, a história de como foi que eu tropecei na sua obra.
Tudo começou quando eu vi um desenho animado, uma adaptação de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupas, na televisão. Ele costumava passar na época do natal. Eu devia ter os meus dez anos de idade, portanto, isso já faz um bom tempo.
A história começava com uma menina, entrando para dentro de um guarda-roupas para se esconder dos irmãos num dia chuvoso, em que não podiam brincar lá fora. Ela anda, anda, e vai parar no mundo encantado de Nárnia, onde é noite e está nevando. Toda trama gira em torno de como as quatro crianças vão ser usadas pelo leão Aslan para cooperar no resgate daquele mundo da maldição que pairava sobre dele desde a chegada da Feiticeira Branca.
Tenho quase certeza de que o vi esse conto de fadas, que me comovia muito, mais de uma vez. E sempre estive sozinha ao vê-lo. Na época, eu gostei da história pelo seu enredo mesmo. Apesar de eu já ter sido convertida naquele tempo, não fiz nenhuma relação direta com a Bíblia e o cristianismo e esqueci o assunto.
Foi quando o líder da mocidade da minha igreja resolveu estudar as Crônicas de Nárnia, que eu me toquei, mesmo não tendo idade ainda para participar do grupo. Eu literalmente “engoli” não apenas esse episódio do total de sete Crônicas, mas outros livros do autor, como Cristianismo Puro e Simples, apesar de que, na época eu não tinha ainda “estômago” para digerir vários aspectos da obra do autor. E, mais uma vez, esqueci o assunto.
Então a vida foi se processando e eu me vi na Universidade de São Paulo, apesar dos meus planos iniciais terem sido de fazer seminário e me tornar missionária. Na verdade eu não estava gostando nada do curso de pedagogia, que eu tinha a ilusão de que ele tinha algo a ver com serviço social, a julgar pelo que uma missionária da Alemanha me havia dito. Acontece que aqui não é nenhuma Alemanha. Tratava-se de um curso extremamente teórico e filosófico, mais do que prático, como eu estava acostumada do curso técnico em administração que eu havia feito.
Então, como que do nada, surgiu um curso de filosofia que dava de dez a zero nos cursos pretensamente “práticos” de metodologia, didática, etc. O que me seduziu foi que ele falava da vida como ela é. Mas quando o professor ousou mencionar um nome que não me era estranho em plena aula, com minha total ignorância filosófica de então (não muito aprimorada até hoje), foi que aconteceu o “clique” definitivo. Ele havia citado um trecho de “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, obra que eu mal conhecia, mas que rendeu três horas ou mais de discussão com o professor que viria a ser o meu orientador, tanto do mestrado, quanto do doutorado, Luiz Jean Lauand.
Na verdade eu havia entrado no curso de pós-graduação da mesma maneira que entrei na USP: de susto, meio sem saber direito o que eu estava fazendo por ali. E isso, sob os auspícios de um dos maiores nomes da educação brasileira, depois de Paulo Freire: Moacir Gadotti.
Isso aconteceu na minha época militante. Infelizmente só bem depois é que eu fui descobrir que Freire era católico e não escondia o seu cristianismo. Mas naquele momento a minha igreja interior estava precisando de sapatas mais sólidas. Ela estava mesmo precisando é ser calçada, pois estava oscilando entre o idealismo marxista e o cristianismo humanista.
Foi então que Lewis voltou a entrar na história. Meu assunto original de dissertação era: a relação teoria e prática na educação. Sim, porque na minha visão das coisas, era esse o problema que se encontrava na raíz de todos os problemas educacionais.
E como eu já conhecia bem a natureza dessa relação, decidi delimitar melhor o assunto. Achei então que devia escrever sobre a tal da “dialética”, que eu mesma não sabia muito bem o que era. Quando eu fui falar dos meus belos planos ao meu anjo da guarda, digo, meu orientador, ele teve o bom senso de me informar de que era mais fácil eu ir estudar a sua língua de origem, o árabe, do que o assunto que eu estava propondo. Não precisou de mais nada para botar meus pés no chão.
Ao invés de ir estudar o árabe, então eu o convenci a ser o meu orientador, contrariando todo o protocolo acadêmico. E então ele fez a sugestão que me era totalmente remota: já que o estrago estava feito, porque não estudar o Lewis? Considerando a idéia, eu até desenvolvi um projeto, todo baseado nas Crônicas de Nárnia, que tanto haviam marcado a minha infância. Mas qual não foi a minha surpresa quando eu descobri o volume de obras que o autor havia escrito, a maioria das quais mal havia sido traduzida para o português…
Eu consegui até encontrar uma obra dele na biblioteca de uma escola americana em São Paulo. Foi justamente The Allegory of Love, sua dissertação de mestrado, e também uma de suas obras mais estritamente acadêmicas, em que ele cita uma infinidade de autores do quais eu nunca havia ouvido falar.
Sem falar que o meu inglês da época não era lá essas coisas. Resultado: desisti do projeto. Quem era eu para enfrentar esse peso pesado da academia e do que eu entendia na época como sendo teologia (agora já estou mais consciente de que se trata de algo bem diferente do que eu imaginava).
Então, decidi estudar um autor alemão, que por acaso também foi objeto de estudo do meu orientador, o filósofo e teólogo Josef Pieper1 e que, não por acaso, traduziu um dos livros mais teologicamente densos de Lewis, O Problema do Sofrimento, para o português.
Lógico que eu descobri que esse autor não havia escrito menos livros do que Lewis, mas o meu conhecimento da língua me dava alguma segurança. Então, acabei traduzindo parte do seu trabalho de doutorado, Luz Inexaurível, com notas para o leitor brasileiro e comentários. A grande vantagem disso era que ele me daria a base filos

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