Pentecostes não é Babel

Autor: Fábio Vasconcelos




Gn 11:1-9; At 2:1-11; I Co 12:4-13; Jo 20:19-23

"… Cada qual os ouvia falar na sua própria língua…". Atos 2:6

É o costume em algumas igrejas no dia da festa de Pentecostes a prática de apresentar as leituras dos textos bíblicos ou do Evangelho referentes ao dia em múltiplas línguas. Dependendo sempre dos presença de leitores, e é claro, entre os membros da comunidade paroquial que tenham habilidade em falar língua estrangeira. Por exemplo, se alguém tem descendência espana pode ler o texto, ou parte dele em espanhol. Outros podem juntar-se as leituras com seu francês, inglês ou com seu alemão "arranhado", seu polonês, italiano ou até quando for imigrante falando na sua língua nativa, e assim por diante. A idéia naturalmente é lembrar a todos do dia de Pentecostes em Jerusalém há aproximadamente dois milênios atrás, quando os povos de cada nação estrangeira ouviram os discípulos proclamar a Boa Nova na língua nativa de cada um, como propõe a leitura do livro de Atos dos Apóstolos capítulo 2.

O único problema com essa idéia, é que o efeito final causado por vezes é mais uma Babel do que de um Pentecostes. É uma verdadeira confusão…ninguém entende nada.

Você deve se recordar da torre de Babel no livro do Gênesis capítulo 11:1-9. Uma história do orgulho do humano em tentar alcançar os Céus com seu próprio poder e da resposta ou da reprovação de Deus que leva aos que estavam presentes no episódio a sair pelo mundo inteiro confundidos em línguas. O texto de Gêneses nos aponta para a percepção de que sempre a compreensão e a cooperação entre os seres humanos foram ações difíceis de serem postas em prática. Essa história é antiga…

Nosso mundo ainda está "confuso em línguas"… O que pode ser mal entendido será entendido mal e pronto. Até o próprio Pentecostes pessoal de cada um de nós pode ser vítima de um mal entendimento por alguns. Recentemente um membro antigo de nossa comunidade se referiu ao Espírito Santo como "…esse Ilustre Desconhecido…". Isso leva-nos a refletir sobre o nosso relacionamento íntimo com essa Pessoa da Santíssima Trindade, a qual é desconhecida para alguns de nós.

No entanto, a torre de Babel é uma parábola de nosso "primeiro ruído" dentro da cultura das relações e da falha de nos comunicar sadiamente com o nosso semelhante. É mais do que uma explanação mítica das diferenças entre nações e línguas, é uma descrição da própria condição humana.

Nós, freqüentemente, não compreendemos o outro mesmo quando falamos a mesma língua. Parece que em todos nós remanesce uma inabilidade fundamental de aceitar as diferenças entre nós, em nossas relações, e naquilo em que cremos. O que cremos sempre é o melhor para os que ainda não falam a "nossa língua".

Mas será que foi realmente Deus que nos dispersou, que fez-nos estrangeiros em nossa própria terra e às vezes em nossa própria mente? Será que foi realmente o Senhor que confundiu nosso discurso e nos tornou surdos para nossos erros, nossos pecados? Ou a Babel talvez apresente para nós uma alegoria de como a humanidade se esqueceu da Gramática da Graça e do Vocabulário de Deus.

Em Babel, os povos em seu orgulho construíram uma torre para alcançar a Deus e os Altos Céus, e o Senhor dispersou a todos. Lamentavelmente, aqueles povos pouco compreenderam como era tudo desnecessário. Como um Deus de caráter sempre "transdescendente" – que se inclina para nos alcançar ao chão – está sempre mais disposto a vir para baixo e juntar-se a nós, do que nós podemos a alcançar os Céus por nossos próprios empreendimentos e esforços.

Como perdemos tempo… Nem sempre abrimos o nosso coração para que Ele nos encha do seu Espírito Santo; da sua presença; do seu Shequinah.

Em Pentecostes, o Espírito do Deus desceu sobre os discípulos, descansando em cada um deles e desse modo trazendo entendimento e compreensão a todos, juntando um a um e aquecendo seus corações. Os discípulos começam naquele dia um curso prático de "audição" na língua de Deus.

É justo dizer que após Pentecostes os dias de Babel estão contados para a humanidade. As grandes diferenças entre nós, reações a comunicação e ao diálogo, reações a cultura e raízes de outrem, reações a condição de riqueza e pobreza do próximo, são dispersadas nas arremetidas de um "vento violento e impetuoso" que ainda sopra no nosso meio. Como nos mostra o livro de Atos dos Apóstolos, que as diferenças estão queimadas e consumidas pelas lingüetas do fogo do Consolador.

Não importa se agora nós somos os Pardos, Medos, Elamitas, Mesopotâmicos, Judeus, Capadócios, Asiáticos, Frígios, Panfílios, Egípcios, Libaneses, Cirineus, Romanos, Cretenses, Árabes, Polacos, Gaúchos, Nordestinos ou os Brasileiros de hoje. O Pentecostes inaugurou uma nova possibilidade para nós, por nós e através de nós.

Mas por que nós ainda não nos compreendemos? Por que todos não falam a mesma língua? Ou pelo menos compreendem o mundo pela gramática da Graça? É a promessa de Pentecostes vazia ou sem sentido?

Essas são boas perguntas. O que aconteceu em Pentecostes é importante para quem é seguidor de Cristo, mas a realidade de Pentecostes é efetivamente universal. Os discípulos não se dirigiram aos crentes somente, mas a povos do mundo conhecido da época, e falaram em uma multiplicidade das línguas. Mas o que disseram fez e faz sentido até hoje. O que falaram não gerou nenhuma dúvida, pois expressaram a língua da Paz, da Cura, como tinham aprendido de nosso Senhor Jesus Cristo: "A Paz seja convosco!".

Estas são palavras que podem ser compreendidas por todos nós.

Talvez a maior maravilha do dia de Pentecostes foi que os povos reunidos em Jerusalém ouviram cada um deles e compreenderam a mensagem do Evangelho e não somente em hebreu, aramaico e grego, as línguas comuns daquele tempo e lugar, mas na língua do coração humano: o Vocábulo de Deus.

Certamente todas as nações e povos buscam ouvir palavras de Perdão, de Paz e da Cura. Mas nós não vivemos em um mundo que gosta de escutar. Freqüentemente, nós ouvimos o que nós queremos o ouvir e chamamos isso simplesmente de linguagem de Deus, quando devemos chamar de linguagem estrangeira.

Assim, se nossas vidas, nossa igreja e o nosso mundo estiverem mais cheios de "vazios" de que do "Hálito de Deus", nossa bola vai ser sempre "murcha". Talvez por não estarmos fazendo um exame do nosso momento de escutar.

Aprendemos a língua do Espírito? Conhecemos a ela? Reconhecemos a ela?

Nós podemos estar satisfeitos com nossas orações pontuais aqui e ali junto com nossos familiares, amigos ou na igreja aos domingos. Mas o diálogo com Deus é também uma fala íntima e diária, envolvida no calor do seu "Hálito" (Ruach).

Paulo nos diz na sua carta aos cristãos de Corinto que "há uma variedades de Dons, mas o Espírito é o mesmo". "E há uma variedade ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há uma variedade das atividades, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.".

O Espírito Santo, embora um, jamais poderá ser monocromático ou enlatado. Ele está na manifestação do Seu trabalho e propósito em nós, para nós, e por nós, sempre fresco, sempre novo, esperando para ser traduzido na língua de nossas próprias vidas.

Devemos fazer um esforço para aceitar o outro, não importa quão diferente ou estrangeiro ele seja, para assim compreendermos a língua do nosso Deus. Mesmo quando "o outro" venha a ser o próprio Parakleto.

Somente assim veremos a Babel transformar-se em Pentecostes.

O Espírito usou o discurso dos discípulos em Pentecostes remodelando e dirigindo em novidade de vida as vidas daqueles que escutaram suas palavras.

Assim, que o Espírito Santo de Deus neste Pentecostes remodele em nós a preciosa maneira de ouvir a "gramática de Deus" e seu "vocabulário", sem que este esteja em nós e entre nós como apenas um "Ilustre Desconhecido".

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