O que é ridículo?

Autor: Sérgio Fonseca Cruz

“Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e se o vires nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante? Então romperá a tua luz como a alva, a tua cura brotará sem detença, a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do Senhor será a tua retaguarda; então clamarás e o Senhor te responderás; gritarás por socorro e ele dirá: Eis-me aqui” (Is 58:6-9).

Estávamos saindo do Banco do Brasil, situado na Rua Moreira César esquina com Presidente Backer no bairro “nobre” de Icaraí, eu e mais dois amigos, nos dirigindo a um restaurante para almoçar. De repente, nessa mesma esquina nos deparamos com um quadro patético e triste. Havia duas jovens senhoras bem vestidas conversando, quando lenta e inofensivamente surge um homem maltrapilho e estende a sua mão suja e necessitada na direção de uma daquelas mulheres que, por sua vez, se esquivou da possibilidade do toque ou até mesmo de qualquer forma de contato com aquele inofensivo, miserável e abobalhado ser humano.

Foi aí, então, que um dos meus amigos soltou a seguinte pérola: “Que homem ridículo! O que ele está pensando?” Imediatamente retruquei: “ridícula é a situação em que ele se encontra! O que a nossa sociedade está pensando a respeito dele e dos milhares de excluídos do nosso país?”

Gente que não tem conta em banco; que mendiga moedas; que não vai à escola; que come as sobras dos restaurantes – quando come – que vive dos lixos dos nossos prédios; que não tem a sua disposição saúde pública, que dirá plano de saúde; que está aos montes, sob as pontes das grandes metrópoles. O que você pensa a respeito disso? Não pensa?! Não quer pensar?! Nunca parou para pensar?!

Por quanto tempo mais as autoridades do nosso país e cada um de nós, “cidadãos civilizados”, vamos permitir essa barbárie social? Ridícula é a postura da nossa sociedade frente a essas questões fundamentais, no que se refere à vida de milhares de pessoas. Ridículo é querer se “esquivar” do contato com essa triste realidade, como se ela não fizesse parte da nossa história; como se nós habitássemos sozinhos este planeta; como se o nosso universo existencial se limitasse ao nosso umbigo, ou se estendendo muito, alcançasse apenas os nossos familiares, e o resto que se exploda. Isso é ridículo!

Socorro! Nosso planeta está sendo invadido por extraterrestres. Uma amiga me fez um relato: ao entrar no elevador do seu prédio, no referido “bairro nobre”, se deparou com o seguinte diálogo entre um homem e uma mulher. Dizia o homem: “Eu fico bobo em ver como na Moreira César, em Icaraí, pode ter tantos mendigos e crianças de rua; não sei como você consegue morar aqui!” Creio tratar-se de um ET desconhecedor da realidade brasileira… Um alienígena totalmente alienado. Isso também é ridículo!

Quem está lembrado da famosa ECO 92, quando representantes do mundo inteiro vieram ao Rio de Janeiro? Por conseqüência dos nossos ilustres visitantes aconteceu um fenômeno interessantíssimo sem precedentes na história do Estado do Rio e do nosso país.  Não havia mais população de rua. Sumiram com os mendigos, com as crianças de rua, com os sem-teto, etc. E assim, quando as comitivas passeavam em fileiras de carrões pela “cidade maravilhosa e maquiada” não precisavam se deparar com aquele quadro dantesco que nós estávamos e estamos acostumados a nos deparar todos os dias quando saímos à rua. Ah! Como isso também é ridículo!

No evangelho de Mateus capítulo 25:31-46, Jesus nos desperta para uma prática cristã que transcende às nossas necessidades particulares, tornando-se extremamente relevante a nossa sociedade e aos excluídos do nosso tempo (entendo que a questão vai além de um romantismo ingênuo, ou de uma simples assistência paternalista): “Vinde benditos de meu pai! Entrai na posse do reino… Porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era forasteiro e me hospedastes; estava nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; preso e foste ver-me… Sempre que o fizeste a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”.

Por fim, ridículo é o modo naturalizado e banalizado com que muitas pessoas encaram a miséria alheia. Isso é extremamente ridículo!

 

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