Autor: R. C. Sproul
O Sínodo de Dort não destruiu o movimento arminiano. Ele se espalhou por todo o continente e mais tarde para a América Colonial. Ele sobrevive até hoje e, atualmente, desfruta de uma forte restauração. Em 1989, Clark H. Pinnock publicou The Grace of God, the Will of Man, um livro designado para defender o arminianismo.
No seu próprio estudo, no qual narra sua peregrinação pessoal do calvinismo para o arminianismo, Pinnock observa:
“Uma mudança teológica está a caminho entre os evangéLicos como também entre outros cristãos para longe do determinismo no que diz respeito à regra e salvação de Deus e em direção a uma orientação mais favorável ao relacionamento pessoal dinâmico entre Deus, o mundo e as criaturas humanas de Deus. A tendência começou, creio, por causa de uma leitura nova e fiel da Bíblia em diálogo com a cultura moderna, que coloca a ênfase na autonomia, temporalidade e mudança histórica”
Pinnock recebe com prazer essa tendência e afirma que os grandes teólogos freqüentemente mudam de opinião. Ele cita Karl Barth como um exemplo, referindo-se a Barth como “indubitavelmente, o maior teólogo de nosso século”. Ao avaliar essa tendência atual na teologia evangélica, ele ainda menciona:
“Ao mesmo tempo, no entanto, os calvinistas continuam sendo as principais figuras da unificação evangélica, muito embora seu domínio tenha diminuído. Eles controlam razoavelmente o ensino da teologia nos grandes seminários evangélicos; possuem e operam as maiores editoras; e, em grande parte, conduzem o movimento da inerrância. Isso significa que eles são fortes onde importa -na área da liderança intelectual e da propriedade… Embora haja muitos pensadores arminianos na apologética, missiologia e na prática do ministério, há apenas alguns poucos teólogos evangélicos prontos para defenderem as opiniões não-agostinianas”
Sou menos otimista do que Pinnock sobre o atual estado do evangelicalismo. Talvez nós dois avaliemos a situação de um ponto de vista preconceituoso, sofrendo da síndrome da “grama sempre mais verde”. Pinnock indica que um propósito do The Grace of God, the Will of Man é “oferecer uma voz mais alta à maioria silenciosa dos evangélicos arminianos”. Aqui ele afirma que a maioria dos evangélicos está se afastando da influência que o pensamento agostiniano teve sobre eles. Ele diz:
“É difícil encontrar um teólogo calvinista que deseje defender a teologia reformada que inclua as visões tanto de Calvino quanto de Lutero em todos os seus particulares rigorosos, agora que Gordon H. Clark não está mais entre nós e John Gerstner se aposentou. Poucos têm estômago para tolerar a teologia calvinista em sua pureza lógica”.
O dr. Gestner morreu após essas palavras terem sido escritas, assim talvez precisemos da lâmpada de Diógenes para encontrar teólogos calvinistas que defendam tanto Lutero quanto Calvino com vigor. No entanto, as noticias do fim do calvinismo são um pouco exageradas uma vez que ainda existem muitos com estômago teológico de ferro.
Na sua própria peregrinação, Pinnock chegou a questionar a consciência e presciência de Deus. Ele entende a relação essencial entre esses atributos divinos e as doutrinas da eleição e livre-arbítrio. Ele escreve:
Finalmente, tive de repensar a onisciência divina e, relutantemente, perguntar se devemos pensar nela corno uma presciência exaustiva de tudo o que irá acontecer, como a maioria dos arminianos pensa. Descobri que não poderia livrar-me da intuição de que uma onisciência total como essa, necessariamente significaria que tudo o que iremos escolher no futuro já teria sido soletrado no registro de conhecimento divino e, conseqüentemente, a crença de que temos escolhas verdadeiramente significantes a fazer pareceria ser um erro. Conhecia o argumento calvinista de que a presciência completa era equivalente à predestinação porque implica imobilidade de todas as coisas desde a “eternidade passada”, e não poderia me livrar da sua força lógica.
É importante notar que a nova visão de Pinnock sobre a presciência de Deus vai além da visão da maioria dos arminianos, como ele indica. Ela parece ir muito além das visões sustentadas no conceito do meio-conhecimento desenvolvido pelo jesuíta espanhol Luis Molina. Esse conceito é habilmente explicado por William Lane Craig em The Grace of God, the Will of Man, e também desenvolvido de forma clara por Alvin Plantinga. Pinnock tenta escapar da “lógica” da presciência completa na teologia reformada clássica. Ele diz:
Por essa razão, tive de me perguntar se era biblicamente possível sustentar que Deus conhece tudo o que pode ser conhecido, exceto a escolha livre que não seria algo que pudesse ser conhecido até mesmo por Deus porque ainda não está resolvida na realidade…. Deus pode predizer bastante do que iremos escolher fazer mas não tudo porque alguma coisa permanece escondida no mistério da liberdade humana….
…Naturalmente a Bíblia louva a Deus por seu conhecimento detalhado do que irá acontecer e o que ele mesmo irá fazer… O Deus da Bíblia revela uma abertura para o futuro que a visão tradicional da onisciência simplesmente não pode acomodar….
…Precisamos de um teísmo do “livre-arbítrio”, uma doutrina de Deus que anda no caminho intermediário entre o teísmo clássico, que exagera a transcendência de Deus do mundo, e o teismo do sistema, que reivindica a imanência radical.
Essa declaração expressa algo do pensamento seminal de Pinnock, desenvolvido de forma mais completa no volume posterior The Openness of God. O que é digno de nota aqui é que Pinnock claramente percebe que está desafiando não meramente o calvinismo clássico mas também o próprio teísmo clássico. Ele procura reconstruir a teologia em algum lugar entre o teísmo clássico e a teologia do processo. Ele a chama de “teísmo do livre-arbítrio” porque a força condutora por trás dessa nova doutrina de Deus é a preocupação em manter a visão arminiana do livre-arbítrio humano. No The Openness of God, Pinnock reitera sua crítica da doutrina da onisciência no teísmo clássico e também levanta questões sobre outras doutrinas do teísmo clássico como as da imutabilidade e da onipotência.
Na superfície, essa reconstrução da doutrina de Deus parece carregar uma etiqueta de alto preço se alcançar a abertura que Pinnock deseja. No nível prático, admiramos como Deus pode saber qualquer coisa sobre o futuro exceto o que ele pessoalmente pretende fazer (intenções que são, elas mesmas, abertas às mudanças enquanto ele reage às decisões futuras dos homens). Se a História não é afetada de modo algum pelas decisões dos homens e se o conhecimento de Deus não inclui as futuras decisões humanas, como Deus pode conhecer tudo sobre o futuro da história do mundo? Como podemos encontrar qualquer conforto no futuro que Deus prometeu para seu povo se esse destino futuro jaz nas mãos dos homens? A âncora de nossa alma foi arrastada do seu ancoradouro. Não temos razão para confiar em nenhuma promessa que Deus fez sobre o futuro. Não apenas os melhores planos traçados dos ratos e homens se perdem mas também que se perdem, semelhantemente, os melhores planos traçados do Criador dos ratos e dos homens.
Essa fascinação com a abertura de Deus é um ataque não apenas ao calvinismo ou mesmo ao teísmo clássico, mas ao próprio Cristianismo.
Fonte: R.C. Sproul, Sola Gratia, A controvérsia sobre o livre arbítrio na história, Editora Cultura Cristã.
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