Autor: Carlos Alberto Siqueira
Os inimigos poderosos não são aqueles que aparecem do nada, não são os aventureiros e desbravadores que adentram nos nossos limites, reclamando direitos que não reconhecemos, normalmente são aqueles que sentam a nossa mesa e dividem conosco a nossa intimidade, pois deste modo conseguem atingir o nosso “calcanhar de Aquiles”, impossibilitando a nossa caminhada.
O mentor de toda inimizade teria esta função: ferir o nosso calcanhar. Dificultar a nossa caminhada rumo aos objetivos divinos estabelecidos de antemão.
Um dos grandes mistérios da vida reside em encontrar estes adversários em potenciais e tentar anulá-los com o antídoto da sua loucura, pois estes agem de maneira insana, desconhecendo o prato que comem e a mão que os alimenta.
Desejoso de não sermos nós, os nossos próprios inimigos, pois percebemos o nosso ego e a sua exacerbação, mas sim aqueles que em um certo momento de nossas vidas, nos conheceram em nossa intimidade e se escandalizaram com as nossas falhas, pois criaram expectativas erradas sobre nós. Normalmente são os antigos aliados que interferirão decisivamente para o nosso infortúnio.
Quando verificamos a estória de Hosama Bin ladem, descobrimos que no passado ele foi aliado do americano. Aprendeu técnicas junto a órgãos governamentais, dos Estados Unidos, para atingir a antiga União Soviética. Com o tempo as coisas mudaram e antigos aliados tornam-se novos inimigos. O conflito estabelecido da inimizade procede às vezes de um antigo relacionamento com problemas mal resolvidos, algumas pendências desgastaram a imagem do outro, que dificilmente terá a oportunidade de retoque.
Entendo que algumas inimizades podem acontecer simplesmente por defendermos idéias diferentes, sem haver relacionamento prévio, mas estas serão tratadas de maneira diferente, pois ambos não possuem a idéia da traição, da rejeição, do julgamento falho e da falta de amor. Serão inimigos técnicos, com maior probabilidade de reconciliação política. Mas os inimigos passionais são os mais problemáticos, onde encontraremos antigos amores lutando como feras, nos tribunais, onde relacionamentos que têm o seu início selado com um romântico beijo e juras de amor terminam com tapas e mordidas diante do juiz.
Verificamos o ódio de filhos por pais, quando percebem o mau uso da autoridade familiar. Encontramos uma geração que não respeita os velhos, pois de uma certa forma estes velhos foram seus pais. Pais que devoram filhos certamente encontrarão no futuro filhos que os odiarão por terem sido tratados como coisas descartáveis. Filhos não querem dinheiro, comida, casa, roupa, escola, carro, futuro. Filhos querem pais, pois quando encontram pais, mesmo se estes não puderem fornecer nada disto, ainda assim não desistirão de serem reconhecidos como seus filhos. Filhos querem pessoas que estejam dispostas a recebê-los em seus braços como alguém que é carente de amor.
Partindo deste princípio, que os piores inimigos são os que poderão sair do nosso convívio e relacionamento, proponho uma análise referente a estes potenciais opositores, que agora entendemos como aliados.
Quando o Senhor Jesus chama os seus discípulos, entre a multidão que o seguia, ele sabia que em um determinado momento, um deles o trairia e mesmo assim Judas não ficou de fora do chamado. A traição de Judas foi um marco na vida de Jesus, dali em diante o Senhor subiria para o Gólgota, para na cruz expiar os nossos pecados. A traição foi real, mas não impediu o sacrifício de Jesus, pelo contrário, foi um marco para o início da sua paixão. A traição precisa ser encarada desta maneira: da morte procederá a vida, da dor procederá o júbilo, da humilhação procederá a exaltação!
Os chamados recebem autoridade dada pelo próprio Jesus, sendo assim, aqueles que chamamos para o nosso convívio, recebem autoridade dada por nós, portanto quem dá também pode tirar, pois a autoridade atesta o poder do indivíduo. Devemos entender que Judas teve um propósito nas escrituras, estava apenas atestando um fato que não poderia interferir. A traição de Judas não foi o motivo da crucificação, a traição fazia parte de um cenário onde desde a eternidade a história já estava estabelecida. Judas ou outro nome qualquer seria apenas usado por Deus para o cumprimento da profecia do gênesis. (Gênesis 3:15 Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.).
Através do sacrifício na cruz, a criação que havia desobedecido a Deus, separada pelo pecado, vence o seu algoz, o pecado, de maneira fulminante: com a cruz se reconcilia com Deus e de quebra humilha aquele, que no passado enganou o homem e a mulher, agora a serpente perde a autoridade que lhe foi dada pelo homem, voltando o homem a sua posição, assentado nos lugares celestiais em cristo Jesus, tem a serpente com a cabeça esmagada debaixo de seu calcanhar ferido.
Neste princípio devemos entender que ter os nossos inimigos debaixo dos nossos pés é uma condição sobrenatural, onde o cumprimento da promessa é para os inimigos, que além de nossos, também são os de Deus. Mas quem são os inimigos de Deus? Será que são as pessoas que nos ofendem? Será que são aqueles que fazem parte de outra religião fora do cristianismo evangélico fundamentalista? Esta é difícil de responder! Pois acabamos por nos colocar em uma posição de soberba e arrogância quando dizemos que nós temos a Deus e o outro não tem Deus, pois a sua filosofia, teologia, doutrina, costumes, história são umas abominações para Deus. Mas qual Deus? O deus que criamos em nós mesmos que nada tem relacionado com o Deus da bíblia que é amor, pois pela falta de amor desaprendemos a ver o outro como alguém que pode ser perdoado por Deus, ou alguém que no futuro pode ter a sua vida mudada não apenas por Deus, mas também por nós mesmos! Desaprendemos a amar o nosso semelhante, desaprendemos a valorizar a vida humana, desaprendemos a olhar fora dos nossos arraiais com olhar de misericórdia.
Acredito que o silêncio diante do conflito pode causar traumas de difícil recuperação, pois aqueles que estão no meio de nós, projetam em nós uma realidade que não é a nossa, mas sim uma expectativa de perfeição, por alguém que não é perfeito, mas que vendeu uma imagem que não poderá por muito tempo levantar a bandeira do “quem pode me acusar de pecado?”, acho que só Jesus pode com certeza afirmar que não tem telhado de vidro, ou será que existe mais alguém? Bem alguns supercrentes acham que sim!
O problema está no caminho que estamos seguindo. Quando o Senhor diz que é o caminho, ele se declara alguém que conduz a uma dimensão melhor, simplesmente pelo fato daquilo que ele é. O Senhor não nos promete nada fora dele, pois quem crer nele ainda que morra viverá, aquele que tem fome deve se alimentar dele, que é o pão vivo que desceu do céu, portanto aquele que encontra o Senhor nunca estará saturado de Deus, mas sempre terá que renunciar de algo pessoal para se encher do Espírito, pois este é o conselho do apóstolo: não vos embriagueis com vinho, mas enchei-vos do Espírito, portanto a presença de Deus nos embriaga, e nos faz loucos para o mundo.
Na vida secular, podemos ficar no lugar de Deus para algumas pessoas. Quando estas depositam em nós uma expectativa que deveria estar em Deus, em função da imagem que mostramos de santidade, pois cá pra nós, os outros pecam, mas nós não, pois só mostramos o pecado do outro! Somos tão católicos quanto os católicos, quando defendemos sem perceber a idéia do halter Cristus, que é representada pelos padres, ou então quando defendemos erradamente uma infalibilidade que contraria as escrituras, pois todos os homens pecaram.
Quando as pessoas descobrem que aquilo que falamos, não é reflexo da nossa prática, pois somos conhecidos na particularidade, ou em um momento fomos pegos em uma contradição, elas não estão dispostas a nos perdoar, pois criamos uma imagem justiceira e julgadora dos diferentes, que certamente pratica segundo a nossa teologia, um perfeicionismo que busca uma santidade em detrimento da difamação alheia. Enfim acabamos por cair na armadilha que criamos quando na defesa da nossa ideologia criamos inimigos que existem apenas em nossos devaneios neurotizados.
Acredito que a melhor maneira de lidarmos com estes inimigos ocultos, seria dar a Deus a glória que pertence a ele, deixarmos um pouco a falácia dos doutorados e apostolados e profetas da última embarcação para Cristo, e mostrarmos um pouco mais da nossa humanidade que passa pelos momentos de introspecção diante do silêncio de Deus, da oração não respondida, da ordem que transcende o nosso querer, quando esperando bonança encontrarmos a tribulação.
Quando a nossa retórica humanizar-se ao nível da admissão da dor, do medo, da derrota, da solidão, das lágrimas, poderemos encontrar no julgamento alheio a percepção que aquilo que aparentamos ser não é reflexo daquilo que desejamos ser, mas sim reflexo da glória de Deus, que esmaga o ego em benefício do eu que aprendeu a ser segundo a imagem e semelhança de Deus, não na teoria dos livros e de um corpo docente, mas principalmente na prática de uma fé que conheceu em sua existência o poder que vem do alto, que redireciona o nosso aprendizado a uma experiência que muda os nossos valores, que nos faz discentes no exercício da fé, pois prosseguimos para o alvo de uma soberana vocação, neste aprendizado cotidiano que nos aprimora existencialmente à estatura do varão perfeito.
O antídoto que paulatinamente curaria aqueles que decepcionamos, aconteceria quando a nossa humanidade fosse reflexo de uma santidade alicerçada no relacionamento com Deus e no ódio pelo pecado, a ponto de interpretarmos as coisas espirituais como oráculos de Deus através da palavra, que transformasse a nossa existência sem a necessidade dos louvores e tapinhas nas costas, que mais exaltam a condição depravada do ser humano do que a soberana vocação dos santos, que aprenderam a viver pela fé entendendo que mesmo se o universo desmoronasse sobre nós, o Senhor permaneceria o mesmo: fiel em suas promessas.
Indiferente aos que tomam o seu nome em vão, no tempo certo separará o joio do trigo e exaltará aqueles que perseveraram não apenas na teologia e doutrina dos apóstolos, mas na fidelidade ao Senhor da igreja, que tatuou na tábua de seus corações a palavra que só pode ser discernida por quem tem o Espírito, pois é dado aquele que nasceu do alto e não se apóia em homens, mas na rocha que os edificadores rejeitaram, por este motivo receberam o espírito do erro, para crerem na mentira, quando dizem que na exaltação do homem opera a justiça de Deus, que na impecabilidade se experimenta uma teologia sadia, que o senhor entregou a sua igreja ao comando de homens e seus sucessores, que o senhor disse o que na realidade nunca falou, mas na atualidade está falando por bocas que apenas tomam em vão o nome de Deus.
Sejamos espirituais entendendo que o que aproximava as pessoas de Jesus, era a naturalidade que ele encarava e falava das coisas do reino de Deus, dando de comer a quem tem fome, visitando e curando os enfermos, ensinando as multidões sem a necessidade do marketing televisivo e das luzes de néon, pois aquilo que falava de si mesmo era comprovado por suas obras na vida daqueles que estavam na sua trajetória, repleta de milagres, ensinamentos, mudança de vida e valores, pois sua autoridade não pertencia aos reinos aqui da terra, mas indiferente a sua glória, humilhou-se em forma de homem, esvaziou-se de si mesmo para nos ensinar que o homem quando cheio de si mesmo é completamente vazio de Deus. Que ele, o Senhor Jesus, cresça e nós diminuamos!
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