Autor: Edson Damasceno Bento
2001/1
Introdução
Direitos Humanos
A Declaração Universal dos Direitos do Homem: Proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 10 de Dezembro de 1948
Direitos Humanos: O que São?
As Grandes Religiões e os Direitos Humanos
A Torá e os Direitos Humanos
O Evangelho e os Direitos Humanos
Igreja Católica e os Direitos Humanos
Os Direitos Humanos nos documentos do Magistério Social da Igreja
Direitos Humanos: O Despertar da Igreja no Brasil
Conclusão
Apêndice
Bibliografia
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Introdução.
Nesse presente trabalho que ora iniciamos queremos acima de tudo dar uma visão geral acerca do que constitui, na realidade a questão dos Direitos Humanos. Assim, buscamos, por meio desse, expor, de forma clara e mais concisa possível, os elementos em que se baseia, sobretudo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada pela Organização das Nações Unidas.
Nesse intuito, achamos por bem começar expondo a própria evolução da discussão acerca de tais direitos, começando pela própria civilização greco-romana, berço da nossa própria concepção de sociedade, passando pela antiguidade ocidental, pela época moderna, onde nota-se já uma “inflamação” na luta por esses direitos, chegando até a época contemporânea, onde tal discussão consolida-se com a Declaração Universal dos Direitos Humanos pelas Nações Unidas.
Num segundo momento procuramos fazer uma análise, à luz da própria Declaração Universal, sobre os preâmbulos ou fundamentos que levaram à necessidade de uma consolidação-declaração de tais direitos. Assim, como tentativa de resposta a esses fundamentos procuramos ainda elaborar uma breve síntese sobre o significado e o sentido da expressão “Direitos Humanos” dentro da própria Declaração.
Num terceiro e central momento desse trabalho procuramos dar uma maior ênfase à questão dos Direitos Humanos dentro da discussão da própria perspectiva religiosa. Assim, começamos essa parte analisando a importância e as dificuldades em se tratar de tal questão dentro das grandes religiões da humanidade. Em seguida buscamos fazer uma análise-contraposição entre Direitos Humanos e a Torá, bem como com relação à Bíblia como um todo, com enfoque especial aos Evangelhos. Essa parte foi de tal forma importante ser trabalhada que se nos revelou nuances bastantes nítidas acerca da real “relação” que deve ser cultivada e vista entre as tradições religiosas, sobretudo a judaico-cristã, e a Declaração dos Direitos Humanos.
Ao finalizar o presente trabalho, procuramos ver como a Igreja Católica, ao assumir como uma de suas bandeiras a luta pelos Direitos Humanos, se relacionou, no concreto de seus dias, com a causa da luta dos direitos, sobretudo lá onde ele foi demasiadamente desrespeitado e expurgado pelas classes dominantes. Aqui damos também um enfoque especial a essa relação Igreja-Direitos Humanos concretizada na nossa situação de Brasil. Buscando ver as próprias realizações eclesiais neste campo, onde ainda hoje imperam os mais absurdos desrespeitos ao ser humano, muitas vezes violado e vilipendiado em seus direitos mais essenciais.
Direitos Humanos.
Apanhado Histórico.
“Um direito humano é a reivindicação de ser capaz e ter a permissão de praticar uma ação pelo fato de ser um ser humano – e não pelo fato de ser cidadão, ou por ser permitido pela lei, ou por ter uma concessão do rei ou do papa, ou por qualquer outra razão”[1].
Assim como o ser humano é um ser em contínua evolução histórica, da mesma forma os direitos humanos não são como que uma listagem de direitos extáticos e imutáveis. Na própria historicidade humana está implícita a historicidade dos direitos pelos quais ele reivindica.
Embora a noção e mesmo a elaboração de um estatuto sobre os direitos humanos só tenha se dado e desenvolvido na época moderna, ambas têm seu fundamento nos dois pilares da civilização ocidental: a religião judeu-cristã e a cultura greco-romana.
É na cultura greco-romana que encontramos, sobretudo a noção de “lei natural” e “democracia”, sob a jurisdição dos quais caía a questão do ser humano.[2] Aqui talvez se encontrem as verdadeiras bases para a discussão da questão dos direitos inalienáveis do ser humano pelo próprio fato dele ser um ser humano.
Já a grande contribuição da cultura romana para a civilização ocidental foi, sem dúvida, o desenvolvimento do próprio direito enquanto tal. No entanto, com a rápida expansão do Império e o crescimento da população estrangeira, a estes não se aplicava o direito romano, mas o direito “indígena” destes. Mesmo assim os romanos encontraram muitos elementos fundamentais do direito que se aplicavam a todas as nações, um “ius gentium” ou “direito comum de todos os homens”. E aqui, como nos lembra Swidler “está uma base para reivindicar um direito simplesmente pelo fato de ser humano, pois no fundamento de tudo está a natureza, que pode ser descoberta pela razão – que só os seres humanos possuem”.
A religião judeu-cristã por sua vez constitui o segundo pilar da formação da noção de direitos humanos no ocidente. Esta começa com os inícios da Bíblia, a história da criação. Aí se afirma que tudo proveio de uma única fonte.[3] Sobre isso argumentavam os judeus que toda a obra da criação era boa, como nos diz o próprio relato de Gênesis. Assim, a realidade que emanara de Deus só poderia ser boa, já o mal, esse entrara no mundo por pura culpabilidade da humanidade.
Uma grave decorrência disso para a nossa reflexão é a conclusão de que, por haver uma única fonte de toda a realidade, também a ordem inscrita em toda essa realidade deveria ser uma só, e isso obviamente incluía o gênero humano, ponto alto da criação de Deus, “imago Dei”. Esses viveriam num paraíso se simplesmente seguissem as instruções, a ordem que Deus esculpira em seu próprio ser. Isso significa que todos os seres humanos deviam ser tratados com a mesma reverência e respeito por que foram todos criados pelo Deus único, e Deus os criou a todos bons.
Assim, temos aqui as duas bases principais, sobre as quais se desenvolverá, posteriormente, toda a reflexão sobre a dignidade da pessoa humana que culmina com a declaração dos direitos humanos na época moderna.
Mas a história, digamos assim, do desenvolvimento dos Direitos Humanos não termina por aqui. Até a Declaração que vigora até hoje um longo caminho foi percorrido[4].
Nesse seu caminhar histórico destacamos, por exemplo, dentro da própria fé cristã, o famoso Edito de Milão (313 d.C) dado pelo Imperador Constantino e que concedia a liberdade religiosa aos cristãos dentro do Império Romano.[5]
Com o fim do Império Romano do ocidente e o lento surgimento da civilização européia ocidental, a longa luta pelos direitos humanos deu um alto enorme rumo à realidade moderna na Inglaterra do século XIII, quando a nobreza de então força o rei João a conceder-lhes uma série de direitos consignados na Magna Carta (1215). Nesta encontramos diversos direitos que dizem respeito à condição humana. No entanto, o que mais chama nossa atenção nessa carta é a proibição de se infligir qualquer castigo a alguém sem que antes tenha tido um processo regular.
Também a reforma protestante do século XVI trouxe sua contribuição, sobretudo no tocante à questão da liberdade religiosa, o que ocorre, sobretudo na Holanda.
Ainda na Inglaterra do século XVII encontramos a chamada “carta de direitos” (1689) onde se dá a liberdade religiosa aos protestantes de então. Ainda que essa seja dada somente a eles, sem dúvida alguma, representou um grande passo nessa evolução dos direitos humanos.
Foi também por essa época que o filósofo inglês John Locke escreveu sua influente obra “Dois Tratados Sobre o Governo” em que fala longamente da lei natural, da separação dos três poderes e do direito de todos à vida, à liberdade e propriedade. Segundo Maurice Cranston, Locke escrevia como um discípulo dos estóicos quando ofereceu sua teoria dos direitos naturais aos leitores do século XVII, preocupados com o colapso da ordem política tradicional e forçados a repensar sobre a natureza de seus direitos e deveres. A noção dos direitos naturais continuou a atrair a mente dos homens; e as constituições e códigos legais de praticamente todos os países do mundo reconhecem hoje, pelo menos formalmente, os “direitos do homem e do cidadão”.[6]
Antecedendo à proclamação dos Estados Unidos da América temos a promulgação da “carta de direitos” da Constituição de Virgínia no mesmo ano de 1776 e eis que esta declarava claramente: “Todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inerentes, dos quais, ao entrarem num estado de sociedade, eles não podem, por pacto algum, privar ou despojar sua posteridade; a saber, o gozo da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir propriedade e buscar alcançar felicidade e segurança… Todo poder está investido no povo e, por conseguinte deriva do povo”.[7]
Assim, a questão dos direitos humanos progrediu relativamente devagar até o último quartel do século XVIII. Em 1774 o Primeiro Congresso Continental das treze colônias americanas emitiu sua “Declaração e Resoluções” em que pela primeira vez a lei da natureza foi colocada como fundamento dos direitos: “pelas imutáveis leis da natureza… os seguintes direitos… vida, liberdade e propriedade…”. Por fim chegara o ano de1776, com sua “Declaração de Independência”. [8]
Ainda nessa vanguarda de elaboração e luta pela defesa dos direitos humanos encontramos a grande contribuição francesa. Embora muitos direitos humanos fundamentais fossem aí barbaramente violados, sobretudo nos 25 anos de mudança e tumulto desencadeados pela tomada da Bastilha (precisamente 14 de Julho de 1789), elaborou-se, quase no início da Revolução Francesa, um documento fundamental que representa um marco histórico na história dos direitos humanos – a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esta repete em grande parte os precedentes americanos e ingleses em sua terminologia e aplicação de tais direitos. [9]
Assim considerado, podemos ver que a defesa de tais “direitos humanos” passa realmente por um longo período de elaboração, onde aos poucos vai se descobrindo a necessidade da defesa de tais direitos como garantia da própria ordem social.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 10 de Dezembro de 1948.[10]
A atual “Carta dos Direitos do Homem”, em si, não traz nenhuma novidade com relação ao já afirmado pela proclamação francesa. Sua novidade se dá justamente pelo fato de ser assumida por comum união com as diversas nações do mundo.
A partir do preâmbulo da promulgação dessa declaração podemos perceber aí que a mesma se fundamenta nos seguintes princípios:
a) o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis como o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;
b) o reconhecimento de que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum;
b) o fato de ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão;
c) o fato de ser essencial a promoção do desenvolvimento de relações amistosas entre as nações;
d) a realidade de que as Nações Unidas reafirmaram, na carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla;
e) o fato de que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem e a observância desses direitos e liberdades.
Tendo por base esses elementos a Assembléia Geral das Nações Unidas faz a presente Declaração Universal dos Direitos do Homem como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações e como o objetivo de cada indivíduo e cada órgão da sociedade, que, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
Direitos Humanos: O que São?
O que significa dizer que todos os homens têm direitos? Evidentemente, a palavra “direito” traz, em si mesma, uma certa ambigüidade. Primeiro há um sentido no qual ter um direito é ter alguma coisa que é concedida e executável pela lei do domínio. Dizer que eu tenho um direito, por exemplo, de votar, de deixar meu país ou de transmitir meus bens em herança a alguém é o mesmo que dizer que eu vivo sob um governo que me permite fazer essas coisas, e que o mesmo se responsabiliza no caso de algo ou alguém me impedir de fazê-lo. Neste sentido, “direito”, não é o mesmo que merecimento. Mas um direito que se baseia na chamada “lei positiva”, sendo, portanto, um “direito positivo”. E sua característica está no fato de que são reconhecidos por uma lei “real” promulgada por um determinado Estado-Nação. No entanto, há um segundo sentido da palavra “direito”, que difere desta anterior e está muito mais próximo da idéia de merecimento ou justiça. Quando, por exemplo, um pai ou uma mãe de família diz: “Eu tenho direito de saber o que está acontecendo na minha própria casa”. Eles não estão dizendo algo acerca de sua posição sob a lei positiva; não estão dizendo que os tribunais assegurarão que será mantido informado do que acontece em sua casa. O que esse pai ou essa mãe estão a fazer é um tipo especial de reivindicação. Estão apelando para o princípio de que, sendo ele ou ela o chefe da casa, isto lhe dá um justo título para esperar que se lhe diga o que acontece nela. Assim, temos aqui um chamado “direito moral”.
Visto isso, podemos reforçar que há uma considerável diferença entre um direito no sentido de “direito positivo”, e um direito no sentido de “direito moral”. Primeiro, um direito positivo é, necessariamente, executável; se ele não for impositivo, não pode ser um direito positivo. Um direito moral, por sua vez, não é, necessariamente, impositivo. Alguns direitos morais são impositivos, ao passo que outros não. Por exemplo, quando eu digo que tenho direito moral a receber um salário decente, não quer dizer que eu o receba realmente.[11]
Há um segundo aspecto que nos ajuda a distinguir os direitos morais dos direitos positivos. Os nossos direitos positivos podemos descobrir tendo as leis que foram promulgadas, procurando nos livros legais ou indo ao tribunal e perguntando a um juiz. Não há, nesse sentido, nenhuma autoridade semelhante a quem quer consultar sobre nossos direitos morais. Assim, podemos “achar” que temos um direito moral a alguma coisa, e outra pessoa pode discordar de nossa opinião acerca de tal direito. Assim, não há nada que possa provar ambas as posições, a nossa e a de nosso opositor. O que podemos fazer realmente é “tentar” justificar nossa reivindicação e nosso opositor a dele.[12]
Essas considerações apontam para a primeira pergunta que deve ser feita sobre a questão dos direitos humanos. Eles são algum tipo de direito positivo ou algum tipo de direito moral, alguma coisa que o homem realmente tem ou alguma coisa que o homem deveria ter?
Na busca de uma resposta que satisfaça a tal questão, podemos tomar como exemplo o artigo XIII da Declaração Universal dos Direitos do Homem onde se “proclama” que “Todos têm direito de deixar qualquer país, incluindo o seu próprio, e voltar a ele”. Ora, se isto, bem como todos os outros artigos dessa Declaração, de fato é lido como mera “declaração”, elas simplesmente não são verdadeiras. Do contrário, onde estaria o direito de igualdade entre homens e mulheres, por exemplo, em algumas sociedades islâmicas e mesmo judaicas? Onde estaria o direito à vida dos criminosos na sociedade americana ou chinesa? E o direito à liberdade de expressão iraquiana?
Sendo assim, notamos claramente que tais declarações das Nações Unidas não se tratam, em si mesmas, de um direito positivo. Mas a intenção de tal declaração foi especificar algo a que todos “deveriam” ter direito. Em outras palavras, os direitos que eles especificam são, estritamente, direitos morais.
Todavia, dizer que os direitos humanos são direitos morais não quer dizer que em muitos países ou povos eles, de fato, sejam também positivos. Assim, “onde os direitos humanos são amparados pela lei positiva – onde as pessoas têm o que deveriam ter – os direitos humanos são tanto direitos morais como direitos positivos. Mas é essencial ter em mente a distinção presente na problemática dos Direitos Humanos entre o que é e o que deveria ser”.[13]
Ao classificar os direitos humanos como sendo direitos morais é importante notar algo que os distingue de outros tipos de direito moral. É que eles são universais. Muitos dos direitos morais de que falamos pertencem a pessoas específicas, por que elas estão em situações específicas: os direitos de um proprietário, de um editor, de um clérigo ou de um juiz. Os direitos especiais destes derivam de suas posições específicas e estão intimamente ligados a seus deveres. Mas os direitos humanos não são direitos que derivam de uma situação específica; são direitos que pertencem a um homem simplesmente por que ele é um homem. “A pessoa humana possui direitos por causa do próprio fato de que é uma pessoa, um todo, dono de si próprio e de seus atos, e que, conseqüentemente, não é um meio para um fim, mas um fim, um fim que deve ser tratado como tal. A dignidade da pessoa humana? A expressão não significa nada se não significa que, em virtude da lei natural, a pessoa humana tem o direito de ser respeitada, é o sujeito de direitos, possui direitos. São coisas devidas ao homem em razão do próprio fato de que ele é um homem”[14].
As Grandes Religiões e os Direitos Humanos.
No editorial da revista Concilium N° 228 de 1990, assim inicia Hans Kung e Jurgem Moltmann a reflexão aí presente sobre a temática da Ética das Grandes Religiões e Direitos Humanos: “É curioso que muitas das grandes religiões do mundo tenham suas dificuldades em aceitar e fazer cumprir os direitos humanos, tais como foram inicialmente proclamados nas revoluções americana e francesa, e mais tarde estabelecidos pelas Nações Unidas na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Os papas do século XIX condenaram os direitos humanos, como uma expressão do secularismo, do naturalismo, do indiferentismo e do laicismo. Só o grande papa ecumênico de nosso século, João XXIII, na Encíclica Pacem in Terris de 1963, é que tomou decididamente posição em favor dos direitos humanos e elogiou sua proclamação pela ONU como um ato da mais alta significação”.[15]
Numa continuação de sua reflexão, ambos nos lembram que esse fato não se restringe apenas à fé cristã, uma vez que também nas outras tradições religiosas encontraremos tal limitação em reconhecer e defender tais direitos inalienáveis do ser humano.[16] Como exemplo temos a questão da situação da mulher no islamismo e no judaísmo, bem como a total intolerância com relação aos que professam outra crença.[17]
Sem a menor sombra de dúvida, seria para a humanidade uma fonte de grande riqueza se as grandes religiões pudessem unir-se em torno de uma ética fundamental e dos direitos humanos daí decorrentes. Com certeza um grande passo nesse sentido foi dado com a Conferência Mundial das Religiões Pela Paz realizada em Kyoto no ano de 1970, do qual saiu a seguinte declaração: “Quando estivemos reunidos para ocupar-nos com o importante tema da paz, descobrimos que as coisas que nos unem são mais importantes que as que nos separam. Descobrimos que possuímos em comum: – a convicção da unidade fundamental da família humana, e da igualdade e dignidade de todos os homens; – um sentimento voltado para a inviolabilidade do indivíduo e de sua consciência; – um sentimento voltado para o valor da comunidade humana; – o conhecimento de que o poder não se identifica com o direito, e que o poder do homem não é absoluto nem pode bastar-se a si mesmo; – a crença de que o amor, a compaixão, o desprendimento e a força do espírito e da autenticidade interior em última análise são mais poderosos que o ódio, a inimizade e o interesse próprio – o sentimento da obrigação de estarmos ao lado dos pobres e dos oprimidos contra os ricos e opressores; – a profunda esperança de que no final a boa vontade haverá de triunfar”.
A Torá e os Direitos Humanos.
O Deus Único e a Dignidade da Pessoa Humana.
Se abrirmos a Bíblia em busca de uma “formulação” clara acerca dos direitos humanos como hoje os entendemos, certamente acabaríamos por sair dessa busca de forma bastante frustrada. Isso porque a literatura judaica clássica (tanto a Bíblia como um todo bem como a literatura rabínica) não fala de direitos humanos da forma como hoje nós os entendemos. Eugene Borowitz, em seu artigo “Tora, Escrita e oral, e Direitos Humanos. Fundamentos e Deficiências”[18], nos diz o porquê. “A noção contemporânea de direitos humanos surgiu estreitamente ligada à vigorosa afirmação do direito de propriedade: frisa-se tão fortemente o direito à propriedade, quando adquirida legalmente, que, em boa parte, o governo existe para salvaguardar as reivindicações pessoais a tal respeito”. Mas a tradição judaica, nesse sentido, não frisa também a questão do direito à propriedade? Sem dúvida, vemos no judaísmo um profundo senso de respeito por tal direito. A diferença se apresenta justamente pelo fato de o judaísmo, em última instância, afirmar que, tudo na criação pertence a só a Deus. Assim, o equivalente judaico a “direitos” provém da urgente necessidade que o judeu sente de responder a Deus como o absoluto, “dono”, “criador”, “Senhor” de toda a criação.
Ainda assim nos lembra Borowitz: “Essa afirmação do ”direito” divino sobre toda a criação deve-se associar a outro sentimento igualmente forte da alma judaica, a saber, o de que Deus é único, um só, a Entidade incomparavelmente maior que qualquer uma daquelas outras que alguém poderia designar como deus”.[19] Ora, como sabemos, pelo próprio relato bíblico, este Deus absolutamente único é essencialmente bom e que por essa bondade é que Ele cria os seres humanos e se dispõe a se relacionar com eles, logo, todos eles, sem exceção, têm o equivalente judeu dos direitos humanos.
Se ao evento da criação associarmos outro importante evento da história salvífica, a saber; a aliança; aí sim teremos em mãos a exata medida do que significa, para o mundo judeu, a noção do direito. Ou melhor, saberemos como a tradição judaica de fato foi a grande mola propulsora na elaboração de uma justa noção do que seja “direitos humanos”.
Em relação ao primeiro evento (criação) o judaísmo afirma inerir a cada ser humano uma inalienável dignidade quando se afirma que Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança. Ora, isso necessariamente aponta-nos à realidade de que em cada ser humano existe algo que se identifica com a fonte absoluta dos valores no universo. Já o segundo evento (aliança) só é possível graças ao primeiro, é justamente por essa “identificação” entre criador e criatura que o primeiro pode tomar o segundo como parceiro num pacto. “Por assim dizer, há tamanha semelhança entre o homem e Deus, que este pode entrar em íntima relação com os homens, preocupar-se por seu modo de portar-se e dedicar-se ao seu bem-estar”.[20]
Embora possa passar despercebido, essa realidade da criação e da aliança envolve todo ser humano numa inigualável responsabilidade. É o homem que não apenas obedece à ordem divina, mas é livre para lhe dar uma resposta, obedecendo ou rebelando-se. Assim, para o judaísmo, Deus concede ao homem liberdade para procurar a própria fonte de seu supremo valor e status, conferindo-lhe assim um extraordinário valor intrínseco.[21] No entanto, para o judaísmo, o não cumprimento da justiça (sedaqah)[22] implica num rompimento com a própria aliança, ou seja, é a própria realidade do pecado, quando então o ser humano perde sua própria dignidade.
Na concepção judaica, pelo fato de Deus ser visto como o centro de toda a vida humana, aquele que transgride a Lei (o pecador) torna-se assim alguém odiável ou abominável. No entanto; eis a parte mais importante que nos interessa aqui; estes jamais deixam de ser parceiros na aliança divina. É o que podemos observar nos próprios relatos bíblicos, quando se afirma que o pecador, por mais pecador que seja, pode se afastar do mau caminho e viver. Como aconteceu no caso de Jonas, onde os ninivitas se arrependem e se laçam nos braços da misericórdia divina e são perdoados.
Ora, toda essa realidade está ligada à forte noção judaica de misericórdia e justiça. Todos os homens são iguais perante Deus, e como tal todos devem ser iguais perante o tribunal humano, sem mais nem menos a uns e outros. Tudo isso atesta o inerente valor de cada pessoa humana. “Cada pessoa é um símbolo de Deus e assim deveria receber uma inestimável medida de nosso amor e atenção”.[23]
A partir dessas ricas considerações pode-se facilmente concluir e esperar que, de acordo com a fé do judaísmo bíblico, cada um terá a oportunidade de desenvolver a sua humanidade em segurança pessoal, vendo respeitadas sua privacidade e reputação, com estímulo para a educação e o lazer, com oportunidade para o trabalho e receber condigna remuneração, adquirir propriedades, casar-se e fundar uma família, etc. Tudo isto é tão fundamental para o judaísmo, que raramente se fazem declarações diretas sobre isso na Bíblia ou no Talmude.[24]
O Evangelho e os Direitos Humanos.
Qual seria a devida co-relação entre os Evangelhos e os direitos humanos tão bem defendidos ao largo de nossa vasta história? Estariam tais direitos fundados tão umbilicalmente nos Evangelhos a ponto de podermos “cegamente” nos deixar sermos guiados por eles, na certeza de aí estar o essencial da mensagem evangélica?
Sem sombras de dúvidas constitui árdua tarefa falar de tal relação Evangelho x Direitos Humanos. E isso não só porque incorremos no mesmo risco, tal como vimos na sua relação com a Tora, de querermos encontrar na revelação dos evangelhos frases ou atitudes presentes na Declaração dos Direitos Humanos. Mais grave que isso seria incorrermos na tentação, facilmente justificada, de considerar sem mais os Direitos Humanos como sendo a norma suprema de convivência, fazendo assim do homem a medida do homem e de sua história. O que implicaria normalmente em relegar a novidade e singularidade da revelação cristã a um segundo plano. Nesse ponto vale citar o que nos diz o Concílio Vaticano II na Gadium et Spes: “Na realidade o mistério do homem só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado… Cristo manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre a sua altíssima vocação. Não é, portanto, de se admirar que em Cristo estas verdades encontram sua fonte e atinjam seu ápice”. “Assim, o Evangelho que é Cristo revela o homem ao próprio homem. Revela-lhe a sua dignidade e descortina-lhe a sua vocação e tarefa históricas: o verdadeiro sentido da dignidade humana, fonte e medida dos seus direitos, está então na relação e na abertura para a transcendência do Deus que vem ao seu encontro e entra em comunhão com ele”.[25]
Certo é que não seria necessário um tamanho esforço para encontrarmos nos próprios atos e palavras de Jesus elementos que fundamentam diversas atitudes presentes na própria Declaração dos Direitos Humanos. Mas os evangelhos vão muito mais além do que simplesmente nos elencar normas e leis sobre os relacionamentos humanos. “Eles constituem a própria palavra-desejo de Deus para com o ser humano, num esforço de coloca-lo naquilo que é o projeto divino, a realização humana”.[26]
De acordo com a revelação de Jesus Cristo nos Evangelhos “a compreensão da existência humana, do seu sentido e dos seus direitos, está na percepção de que ele não é um ser inteiramente independente. É o termo de uma relação, sendo que o outro é Deus na plenitude de sua vida. Assim vemos que o Evangelho revela mais claramente a exigência e a medida dos Direitos Humanos. Pois não é apenas a dignidade de um outro ser humano, e sim o seu relacionamento com a própria vida de Deus, que permite realizar o respeito ao outro e com ele unir-se num amor que faz ser mais e leva à perfeição. A relação com Deus dá, com efeito, a cada pessoa humana a sua dignidade e liberdade supremas; e é somente do ponto de vista desta relação que uma pessoa pode ser vista verdadeiramente tal como ela é, e quais são os direitos que lhe são devidos”.[27]
Com certeza poderíamos elaborar aqui uma verdadeira Suma Teológica para tratarmos dessa nossa justificação de que de fato os Evangelhos podem e devem dar uma nova roupagem às nossas relações com os outros, com o mundo criado, conosco mesmos e com o próprio Deus, donde proviriam inúmeras descrições acerca dos Direitos Humanos. No entanto não é essa nossa intenção neste presente esboço acerca de tais direitos. Ainda sim, finalizando essa parte, vale salientar que, se quisermos descobrir qual é a verdadeira perspectiva evangélica em torno dos Direitos Humanos basta-nos atermos na própria concepção de Jesus Cristo na sua relação com os homens (e mulheres), relação esta marcadamente permeada com a vivência da justiça que leva ao amor, como nos relata tão vigorosamente as Bem-aventuranças (Mt 5).
Igreja Católica e os Direitos Humanos.[28]
“O fundamento da reivindicação de direitos humanos é a razão e a liberdade humanas”, nos diz Leonard Swidler.[29] Estas, junto com a animalidade, são o que faz com que os humanos sejam humanos. “A busca da verdade, “que nos torna livres”, é a herança que a Igreja cristã recebeu de seu “fundador”, o judeu Jesus”. De muitas formas a Igreja foi em grande parte fiel a esta herança no início, mas também de muitas formas, especialmente depois de Constantino, ela se tornou infiel a essa herança. Isso se verificou de forma crescente na reação de grande parte da hierarquia católica à Reforma protestante, e, sobretudo na reação ao Iluminismo e o concomitante movimento pelos direitos humanos.[30]
Em 1832 o papa Gregório XVI descrevia a liberdade de consciência assim: o “falso e absurdo, ou melhor, louco princípio (deliramentum) segundo o qual devemos assegurar e garantir a cada um liberdade de consciência: este é um dos erros mais contagiosos… A ele está ligada a liberdade de imprensa, a liberdade mais perigosa, uma liberdade execrável, que nunca pode inspirar horror suficiente”. Nessa mesma linha de pensamento caminhou seu sucessor Pio IX.
É interessante comparar, sob este aspecto, a linguagem de Gregório e Pio IX com a do papa João XXIII na Pacen in terris: “O homem tem um direito natural… à liberdade de palavra e publicação… a prestar culto a Deus de acordo com os retos ditames de sua consciência e a professar sua religião tanto privadamente como em público”; e com a da Declaração Sobre a Liberdade Religiosa do Vaticano II: “O homem está obrigado a seguir fielmente sua consciência… não deve ser forçado a agir contra a própria consciência… Tampouco deve ser impedido de agir de acordo com sua consciência, especialmente em assuntos religiosos… A liberdade religiosa na sociedade está em plena harmonia com o ato da fé cristã”.
É na pessoa de João XXIII e no Concílio Vaticano II que ele convocou que encontramos afinal o avanço católico oficial rumo à liberdade religiosa – e aos direitos humanos em geral. Por mais de um século e meio lutou o papado veementemente contra o Iluminismo e o movimento pelos direitos humanos; mas com a Pacem in Terris em abril de 1963, publicada apenas umas poucas semanas antes da morte de João XXIII, o papado abraçou a idéia dos direitos humanos. João XXIII falou elogiosamente das Nações Unidas e afirmou que “Uma clara prova da largueza de visão desta organização nos é fornecida pela Declaração Universal dos Direitos”, que ele mesmo ajudou a formular em 1947/8.
A temática dos Direitos Humanos volta mais uma vez, com forte ênfase positiva, num documento papal. Trata-se da encíclica Redemptor Hominis de João Paulo II, onde, num amontoado de detalhes, escreve o papa: “Não podemos deixar de lembrar, neste ponto, com estima e profunda esperança de futuro, o magnífico esforço empreendido para trazer à existência a Organização das Nações Unidas, esforço que levou a definir e estabelecer os direitos objetivos e invioláveis do homem… Não é necessário à Igreja confirmar quão estreitamente este problema está ligado à sua missão no mundo moderno. Na verdade está na própria base da paz social e internacional, como declarou João XXIII”.[31]
Os Direitos Humanos
Nos Documentos do Magistério Social da Igreja.
Com a Declaração Universal de 1948 as Nações Unidas expressam historicamente a consciência internacional da dignidade humana. No entanto, a Igreja, como já salientamos demorará um pouco mais para “entrar” na discussão de tais direitos, tal como se apresentaram na Declaração. Embora ela, à luz da fé, sempre admitira e defendera a dignidade humana.[32] Mas a consciência de tais direitos se historifica, na Igreja, a partir de Leão XIII.
Leão XIII, Pio XI e Pio XII se preocuparam sobremaneira com o homem dentro do contexto socioeconômico da própria época. Leão XIII reclamou pelos direitos dos operários; Pio XI e Pio XII fizeram o mesmo e explicitamente proclamaram os direitos fundamentais da pessoa humana. As encíclicas sociais dos dois primeiros e as alocuções de Pio XII comprovam-no suficientemente.
João XXIII, na encíclica Meter et Magistra atualiza o pensamento social da Igreja e na encíclica Pacem in Terris, faz uma verdadeira declaração eclesial dos direitos humanos.
O Concílio Vaticano II, principalmente na Constituição pastoral Gaudium et Spes, assume e desenvolve a orientação social que os papas vinham dando e põe em relevo os direitos humanos.
Paulo VI, na encíclica Populorum Progressio e na carta apostólica Octogésima Adveniens, situa os direitos humanos na própria vocação fundamental da pessoa e nas aspirações, vivas e profundas, do homem de hoje.
Leão XIII, Pio XI e Pio XII.
Estes três papas expõem o pensamento da Igreja sobre as relações humanas em crise que a Revolução Industrial do fim do século XVIII e do começo do século XIX desencadeou. O conjunto desses ensinamentos papais foi denominado Doutrina Social da Igreja.
Pio XI e Pio XII falam explicitamente de direitos humanos. Leão XIII defende os direitos do proletariado do seu tempo, sem empregar o termo direitos humanos.
Estes três papas apresentam uma antropologia cristã, da qual emergem, certamente, tais direitos.
A concepção antropológica deles, a partir da qual emerge o discurso da dignidade humana tem como fundamento o próprio Deus. É Deus mesmo a origem dessa dignidade que faz com que o ser humano, criado a imagem e semelhança desse Deus, seja superior a todo o mundo criado.[33]
Outro ponto apresentado se refere à questão da liberdade responsável, e essa é vista como expressão da dignidade humana. Sendo assim, a liberdade é constitutiva do homem como pessoa, ela exprime a dignidade da imagem de Deus conforme a qual o homem foi criado.
Em decorrência de sua própria dignidade, o ser humano é chamado à comum participação. Como nos lembra Leão XIII, “todos os bens da natureza, todos os recursos da graça, pertencem em comum a todo gênero humano”.[34] Nesse ponto ele vê a participação comum na ordem material, principalmente como justo salário dos operários; já Pio XI e Pio XII se referem a direitos fundamentais da pessoa quando tratam da comum participação do ser humano na ordem da criação. É o que veremos mais adiante.
Pio XI talvez seja aquele que mais trabalhou a questão da reciprocidade dialética entre pessoa e sociedade, nesse sentido declara ele na DR : “No plano do Criador, a sociedade é meio natural de que (o homem) deve utilizar-se para alcançar os seus fins, e não vice-versa”.[35] Nessa mesma linha afirma Pio XII que a sociedade “é o meio universal querido pela natureza para colocar as pessoas umas em relação com as outras”[36]. De fato, é ponto pacífico entre nós que, é na sociedade que os homens se reconhecem mutuamente como pessoas; por isso ela repousa sobre a igualdade fundamental de todos.
Em contrapartida, o homem é social não apenas enquanto ele precisa da sociedade, mas também enquanto é responsável pela criação de condições em que todos possam realizar-se como pessoas. Ninguém tem o direito de subordinar a sociedade ao seu uso egoísta, lembra-nos Pio XI.[37] “A ordem moral requer que o bem comum, isto é, uma condição de vida digna, segura e pacífica para todas as classes do povo, seja mantida como norma constante”.[38]
Referindo-se explicitamente ao direitos humanos estes papas, como vimos, deixaram bastante claro que estes emergem da própria dignidade da pessoa humana. Pio XI, na encíclica DR, depois de realçar a dignidade do homem como pessoa, afirma conclusivamente: “Deus dotou-os com muitas e várias prerrogativas: direito à vida, à integridade do corpo, aos meios necessários de subsistência; direito de aspirar ao seu último fim pelo caminho traçado por Deus; direito de associação, de propriedade, uso dessa propriedade”.[39] Nessa mesma linha Pio XII irá salientar a necessidade de se “restituir à pessoa humana a dignidade que Deus lhe concedeu desde o princípio”.[40]
O grande papa Leão XIII, em meio à situação de clamorosa injustiça a que fora reduzido o proletariado após a revolução industrial, proclama o direito ao justo salário (RN, n.62); defende o direito ao repouso e a condições toleráveis de trabalho, condenando ao mesmo tempo os abusos relativos ao trabalho de mulheres e crianças (RN, n.70-75).
Ainda Pio XI, na QA atendendo aos problemas sociais que então afligiam os países industrializados, preconiza o direito do operário ao salário familiar, entrando na avaliação do justo salário também a situação da empresa e as exigências do bem comum (QA, n.70-75) e chama a atenção ainda para a necessidade de uma eqüitativa participação nos lucros (QA, n. 57).
“De Leão XIII a Pio XII a Igreja foi caminhando com toda a humanidade, atenta aos acontecimentos que desfiguram a pessoa humana, que Deus fizera à sua imagem, chamara à filiação divina em Cristo e à fraternidade universal, tendo criado o mundo para o usufruto de todos. Em cumprimento de sua missão, a Igreja se coloca na defesa do homem e dos direitos. Clama por justiça em favor dos oprimidos”.[41]
João XXIII.
O conhecido “Papa Bom” segue a mesma linha de seus antecessores, sobretudo no que tange a questão do trabalhador e seu direito a um justo salário. Mas a novidade lançada por João XXIII foi a promulgação, a nível eclesial, dos direitos humanos. O que ele faz por meio de sua encíclica Pacem in Terris.[42] “Consciente de que as injustiças não se restringem à situação do proletariado nos países industrializados, mas atingem grande parte da humanidade, ele se decide a proclamar os direitos da pessoa humana, do homem de qualquer nação, desenvolvida ou subdesenvolvida, neste ou naquele regime político”.[43]
Assim ele menciona na PT, nos números que vão do 11 ao 27, uma explicitação desses direitos nos seguintes termos:
1- Direito à existência e a um digno padrão de vida.
2- Direitos relativos aos valores morais e culturais. “direito ao respeito de sua dignidade e à boa fama; à liberdade na pesquisa da verdade, e, dentro dos limites da ordem natural e do bem comum, direito à liberdade de manifestação e difusão do pensamento, bem como do cultivo da arte”.
3- Direito de prestar culto a Deus conforme o imperativo da própria consciência.
4- Direito à liberdade na escolha do próprio estado de vida.
5- Direitos relativos ao setor econômico. “Cabe à pessoa não só a liberdade de iniciativa, senão também o direito ao trabalho”. A dignidade da pessoa exige condições humanizantes no trabalho, tanto a respeito da integridade física e moral do trabalhador, como a respeito da participação nos lucros e nas responsabilidades.
6- Direito de reunião e associação.
7- Direito de migração.
8- Direitos políticos. De acordo com a dignidade humana cabe à pessoa “o direito de participar ativamente da vida pública, e de trazer assim a sua contribuição ao bem comum dos cidadãos.
“Os direitos constituem ao mesmo tempo responsabilidades: o homem é sujeito responsável por seus direitos. Cada um é chamado pelo próprio Cristo a se construir na atuação consciente e responsável dos próprios direitos (PT, n. 28-29). Além disso, na convivência humana, todos são co-responsáveis pela integração de cada um nos próprios direitos. Isto faz cada pessoa responsável por seu irmão assim como pela construção de uma comunidade em que os direitos humanos sejam garantidos também pelo direito positivo”.[44]
Nessa magnífica encíclica de João XXIII encontramos também uma referência que diríamos ser assim lapidar, acerca das responsabilidades dos poderes públicos. “A realização do bem comum ‘constitui a própria razão de ser dos poderes públicos” (PT, n.53), aqui João XXIII se reporta a Leão XIII quando declara que os poderes públicos devem promover o bem comum em vantagem de todos, sem preferência de pessoas ou grupos.[45]
Há exigências que precisam coexistir. Em primeiro lugar, uma ordem social baseada na igualdade fundamental de todas as pessoas. Um direito positivo que regulamente a integração de todos nos seus direitos. Autoridades que se ponham a serviço desta integração de cada um nos seus direitos, sem discriminação de indivíduos ou de grupos. E onde se encontram as reais desigualdades, o estado é chamado a estar sempre e acima de tudo do lado dos mais desvalidos de seus direitos, e promover seus legítimos interesses (PT, n.56).
O Concílio Vaticano II.
Sem a menor sombra de dúvidas, em seu diálogo com o mundo moderno o Concílio Vaticano II representou para a Igreja de Jesus Cristo um salto de enorme qualidade na discussão acerca dos Direitos Humanos. Vale aqui, afim não nos alongarmos por demais, salientar algumas ricas afirmações da Gaudium Spes e da Dignitatis Humanae, que são os documentos mais significativos do ponto de vista antropológico e, conseqüentemente, dos direitos da pessoa humana.
A GS coloca o homem e Jesus Cristo como os dois pólos na discussão acerca da própria dignidade humana. Aqui o fundamento de tal dignidade continua sendo marcado pela perspectiva do homem feito à imagem e semelhança de Deus. E como tal chamado à comunhão com a realidade divina. “O homem vale mais pelo que ele é do que pelo que ele tem” (GS, n. 35/7). Por isso a própria GS destaca que “esta é a norma da atividade humana, que de acordo com o plano e a vontade divina, convenha ao bem autêntico da humanidade e permita ao homem, individualmente ou colocado em sociedade, a educação e realização de sua vocação integral”. (GS, n 35/308).
Este homem é chamado à vida em comunidade. Sobretudo é chamado a amar, penetrando de justiça e amor os relacionamentos sociais, na perspectiva do bem comum.
Segundo a GS a dignidade humana refulge em três dons conferidos pelo próprio Deus a todos os seres humanos: a inteligência, a consciência moral e a liberdade. Estes são ao mesmo tempo elementos constitutivos da própria dignidade humana. No entanto eles também pressupõem tarefa. A inteligência precisa ser cultivada no todo da vida humana, sobretudo para que se possua a sabedoria. A consciência moral se forma dentro do processo de educação integral da pessoa, e exige uma abertura para Deus juntamente com uma abertura para os acontecimentos: a consciência moral deve integrar a consciência histórico-crítica. A liberdade é dom de Deus. Entretanto exige educação e compromisso histórico dentro do processo de libertação.
Da conjugação desses três elementos-tarefas é que o ser humano pode, a cada dia redescobrir e valorizar seus próprios direitos. Direitos estes que são inalienáveis, e sobre os quais nenhuma lei positiva pode se sobrepor.[46]
Direitos Humanos: O Despertar da Igreja no Brasil.[47]
Como temos visto até aqui, o próprio evoluir de toda a questão referente ao desenvolvimento da luta pelos direitos humanos esteve sempre voltado à questão da defesa do direito do homem enquanto indivíduo. Basta notarmos que toda a sua fundamentação baseia-se na perspectiva do direito natural.
“No Brasil, esse deslocamento de compreensão influenciou a prática do serviço social em geral que, a partir dos anos 50, sobretudo, teve como promotor principal a Igreja Católica. Inicialmente ancorada no ensino do magistério oficial e nos desafios trazidos pela realidade brasileira, a Igreja foi se posicionando cada vez mais em prol da justiça , investindo progressivamente na promoção humana. Primeiramente, foi-se aproximando da concepção nacional/desenvolvimento, defendendo a participação de todos no progresso em andamento dentro do modelo existente. Porém, já durante os anos 60, a Igreja tomou consciência que tal progresso beneficiava uns poucos, marginalizando multidões cada vez maiores da população, enquanto uma minoria concentrava cada vez mais a riqueza em suas mãos. A partir do golpe militar de 1964, a Igreja Católica tornou-se pouco a pouco o suporte principal da defesa e da luta em prol da justiça e dos Direitos Humanos. Neste contexto de autoritarismo, deu-se a passagem para a prática e a compreensão dois direitos humanos como direitos dos pobres e marginalizados, ou seja, a partir dos excluídos da sociedade”.[48]
Segundo Agostini, vários foram os passos que contribuíram para essa afirmação na luta dos Direitos Humanos a partir dos empobrecidos: o Concílio Vaticano II, afirmando e aprofundando a abertura ao “mundo” e aos seus problemas num diálogo que deu à Igreja a oportunidade de sair de seu isolamento; as Conferências de Medellín, Puebla e de Santo Domingo privilegiando os empobrecidos; a política da ditadura militar que, ao ocasionar um distanciamento Igreja – Estado e o fechamento de toda possibilidade de reivindicação dentro da sociedade civil acabaram fazendo da Igreja um espaço privilegiado de reunião e organização do povo; a Teologia da Libertação como novo “modelo” de se fazer teologia e os movimentos populares em luta pelos Direitos Humanos das classes empobrecidas.
Como documentos da Igreja no Brasil que nasceram dessa sua caminhada na luta por tais direitos temos, entre muitos outros, os seguintes: Desenvolvimento sem Justiça, da ACO em 1967 (Nordeste); a Doutrina de Segurança Nacional à Luz da Doutrina da Igreja, Dom Cândido Padin em 1968; Memorial dos Bispos e Prelados da Amazônia ao Governo Federal e ao Povo da Amazônia, 1968; Documento Pastoral de Brasília, de 1970, denunciando pela primeira vez a tortura e as prisões arbitrárias; Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social, de Dom Pedro Casaldáliga em 1971; Os Novos Direitos do Homem, Cândido Mendes, 1973; Eu Ouvi os Clamores de Meu Povo, dos bispos do Nordeste, 1973; Brasil Nunca Mais 1979 e muitos outros.[49]
Nessa caminhada da Igreja do Brasil na luta por esses direitos podemos, segundo Agostini, destacar 2 fases: “A primeira vai do golpe militar, em 1964, até o início da ‘distensão lenta e gradual’ do governo Geisel em 1975. Nesta primeira fase, na pauta dos Direitos Humanos esteve a luta contra a tortura de presos políticos. Na Igreja esta fase representou o início da pastoral dos Direitos Humanos; tudo começou por um acompanhamento das famílias que tinham algum de seus membros aprisionado, torturado, desaparecido ou morto pelos órgãos de repressão política. A Igreja Católica foi, nesta fase, praticamente o único espaço existente na defesa dos Direitos Humanos. Nesta época, a violação destes direitos atingia preponderantemente membros da classe média (intelectuais, artistas, estudantes).
A partir de 1975, deu-se uma virada progressiva. Nessa segunda fase, que se estende até os dias de hoje, a luta pelos Direitos Humanos vai cada vez mais estender sua ação em prol dos direitos violados e ignorados da maioria pobre da população; direito ao trabalho, à terra,a uma casa, à alimentação, ao transporte, à saúde, à educação, ao emprego… Saltou aos olhos, então, a secular violência contra os pobres. A retórica a favor do “estado de direito”, defendida anteriormente pela classe média, deu lugar à defesa e ampliação dos direitos sociais e econômicos, passando a fazer parte das metas dos movimentos populares. Toda a luta pelos Direitos Humanos se voltou para as classes populares, para os marginalizados, acompanhando as lutas destes setores majoritários da população”.[50]
Assim, a partir dessa leitura vemos quão fortemente esteve e ainda hoje se acha engajada a Igreja no Brasil numa luta em favor sobretudo daqueles que se acham e se vêem, cada vez mais, espoliados de seus direitos mais fundamentais. Esta mesma Igreja se fez e se faz de tal forma portadora da verdade evangélica que não hesitou nem hesita em “sair” de seus “muros” ou de seu “mundo”, como nos lembra o Concílio Vaticano II, e ir ao encontro da humanidade lá onde os direitos elementares do ser humano não estavam e ainda não estão sendo respeitados tal como se espera.
Conclusão.
A modo de conclusão podemos afirmar que a luta pela defesa e promoção dos Direitos Humanos é tarefa que se impõe, necessariamente, a todo homem, visto que o mesmo constitui-se elemento essencial e imprescindível à própria realização humana. A partir da conceituação de Santo Tomás acerca da justiça, este a define como sendo a obrigação de se dar a cada um aquilo que lhe é devido, vemos que os Direitos Humanos constituem a obrigação que cada um de nós é chamado a respeitar e a promover para que o próprio gênero humano possa se realizar como tal.
Com certeza não foram em vão as lutas que se travaram ao longo de nossa história em defesa de tais direitos. Sua evolução chama-nos à co-responsabilidade histórica de também nós sermos os promotores desses direitos, sobretudo no que tange àqueles menos favorecidos, sem voz se quer para reclamar dos seus próprios direitos.
“A consciência histórico-eclesial da dignidade do homem “imagem de Deus” desfigurada de muitos modos pela injustiça social, se revela como consciência dos direitos humanos. Revela-se, principalmente como consciência dos direitos dos marginalizados”.[51]
Encerrando podemos repetir, e, além disso, podemos refletir juntamente com as palavras de Agostini que assim nos lembra acerca da nossa realidade de Brasil: “Hoje, o maior desafio em nosso país consiste em vencer nossa incapacidade de criar um espaço público de fato ”entre iguais”, superando as relações sociais excludentes. Urge instaurar um modelo que incorpore cada vez mais pessoas e grupos ao gozo de direitos já reconhecidos e/ou a novos direitos a serem incorporados aos já existentes. Isso não poderá ser realizado através de uma cidadania passiva, pela qual o Estado faz-se “doador” de direitos, num sistema de “concessões”… Impõe-se uma cidadania ativa, na qual o cidadão, além de portador de direitos e deveres, é criador/construtor de direitos….”.[52]
Apêndice.[53]
Utopia
(Zé Vicente)
Quando o dia da paz renascer,
Quando o sol da esperança brilhar,
Eu vou cantar,
Quando o povo nas ruas sorrir,
E a roseira de novo florir,
Eu vou cantar.
Vai ser tão bonito se ouvir a canção
Cantada de novo;
No olhar do homem a certeza do irmão,
Reinado do povo.
Quando as cercas caírem no chão,
Quando as mesas se encherem de pão,
Eu vou cantar,
Quando os muros que cercam os jardins,
Destruídos então os jasmins,
Vão perfumar.
Quando as armas da destruição,
Destruídas em cada nação,
Eu vou cantar,
E o decreto que encerra a opressão,
Assinado só no coração,
Vai triunfar.
Quando a voz da verdade se ouvir,
E a mentira não mais existir,
Será enfim,
Tempo novo de eterna justiça,
Sem mais ódio, sem sangue ou cobiça,
Vai ser assim.
—
Bibliografia.
1. AGOSTINI, N., Direitos Humanos: O Despertar Da Igreja No Brasil, REB, Fasc. 232, Ed. Vozes, Petrópolis, 1998.
2. BOFF,L., UNDURRAGA,J., ESQUÍVEL, A P., MIRANDA, M., ZULETA, G., OSSIO,C., ARDUNATE, J (Coordenador)., Direitos Humanos, Direitos dos Pobres, In Coleção Teologia e Libertação, Tomo III, Ed. Vozes, São Paulo, 1990.
3. CASTANHO, A, Direitos Humanos. Aspiração ou Realidade?, Ed. Loyola, São Paulo, 1973.
4. CRANSTON, M., O Que São Os Direitos Humanos?, Ed. Difel, Rio de Janeiro, 1979.
5. DE ABRANCHES, D., Proteção Internacional Dos Direitos Humanos, Ed. Livraria Freitas Bastos S.A, São Paulo, 1964.
6. GREINACHER, N., Direitos Humanos – Direitos Cristãos, Revista Concilium/175, Ed. Vozes, Petrópolis, 1982/5.
7. LEPARGNEUR, H., GORGULHO, G., ROXO, R.M., BRAGA, J.M.F., DOS SANTOS, B.B., MARTINS, W.V., REZEK, R., DALLARI, D., BICUDO, H., ARNS, CARD., Direitos Humanos, Ed. Paulinas, São Paulo,1978.
8. LAFER, C., A Reconstrução Dos Direitos Humanos, Um Diálogo Com O Pensamento De Hannah Arendt, Ed. Companhia das Letras, São Paulo, 1991.
9. SWIDLER, L., GARAUDY, R., KUNG, H., MUKERJI, B., Ética Das Grandes Religiões e Direitos Humanos, Revista Concilium/228, Ed. Vozes, Petrópolis, 1990/2.
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[1] SWIDLER,L., In Ética das Grandes Religiões e Direitos Humanos, Revista Concilium/228, Ed. Vozes, Petrópolis, 1990/2.
[2] Embora saibamos que na democracia grega, sobretudo a ateniense, os escravos eram vistos como não participantes da sociedade ou como não sendo cidadãos, ainda assim, é dessa sociedade que se origina a noção dos direitos dos cidadãos. Estes tinham certos direitos simplesmente pelo fato de serem cidadãos atenienses. Nota do autor.
[3] Trata-se esta afirmação de uma característica toda própria da religião judeu-cristã, haja visto que todos os demais grupos étnicos sempre trabalharam e elaboraram suas concepções sobre a origem do mundo. Cf. WISDLER, L, op. cit. p. 21.
[4] Obviamente não vamos aqui expor todo esse longo caminho que levou à Declaração dos Direitos Universais do Homem. Nossa intenção aqui é demonstrar que tal Declaração não “caiu” pronta sobre os Estados que formam a Nações Unidas. Antes, houve todo um evoluir, lento e progressivo que culmina com essa Declaração em 1948.
[5] É bem verdade que esse impulso ao direito à liberdade religioso teve vida curta, uma vez que em 380 o Imperador Teodósio proíbe outros cultos no império que não fosse o culto cristão, com o chamado Edito de Tessalônica. Cf. WISDLER,L., op. cit. p. 26.
[6] “Os filósofos estóicos formularam a doutrina dos direitos naturais como algo que pertencia a todos os homens de todos os tempos; esses direitos não eram privilégios específicos de cidadãos de cidades específicas, mas algo a que todo ser humano, de qualquer lugar, tinha direito, em virtude do simples fato de ser humano e racional”. CRANSTON, M., O que São os Direitos Humanos?, P.2. Ed. Difel, São Paulo – Rio de Janeiro, 1979.
[7] Idem.
[8] Vale salientar aqui que quando os Estados Unidos vence a guerra contra a Inglaterra em 1781, este continuou sendo governado pelos artigos da antiga confederação. Em seguida, com a crescente necessidade de formulação de sua Constituição e na sua aplicação aos diferentes Estados da Federação já formados, estes exigiram que na Constituição federal fosse anexado a “Carta de Direitos”, que garantia aos americanos de então diversos direitos humanos. Cf. VVAA, Direitos Humanos, Ed. Paulinas, São Paulo, 1978.
[9] Em seu preâmbulo diz ela: “Os representantes do povo francês, constituídos em Assembléia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos, decidiram apresentar, em solene declaração, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que essa declaração, constantemente atual para todos os membros do corpo social, lembre incessantemente os seus direitos e deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo respeitem a possibilidade de ser a cada momento comparados com a finalidade de toda instituição política; a fim de que as reclamações dos cidadãos, baseados de agora em diante sobre princípios simples e incontestáveis, tenham sempre como resultado preservar a Constituição e a felicidade de todos”. Idem.
[10] Historicamente essa é a segunda declaração universal dos direitos do homem, visto que em 1789, como vimos, houve uma primeira declaração dos mesmos realizada na Assembléia Nacional da França. Nota do autor.
[11] Emanuel Kant dizia que somos intensamente conscientes de um dever moral quando ele está em desacordo com o que desejamos ou nos sentimos inclinados a fazer. Da mesma forma, ficamos mais intensamente conscientes de um direito moral, quando ele não está sendo concedido. Cf. SWIDLER, L., op. cit. p. 35.
[12] Vale notar que “justificar” difere longinquamente de “provar”. Posso justificar, por exemplo, que todos os homens têm o direito à vida. Mas provar isso, por exemplo, às milícias muçulmanas ou aos algozes nazistas seria bem mais outra coisa. Cf. CRANSTON, M., op.cit.p.24.
[13] Cranston M., op. Cit. p.6.
[14] Jacques Maritain.
[15] Op cit. p 7 (143).
[16] Nesse ponto vale lembrar, sobretudo, as diversas manifestações de intolerância e violência, até mesmo institucionalizada que encontramos nas tradições islâmicas (Guerra Santa ou Jihad) e judaicas (Guerras de Iahweh ou herem), bem como as diversas formas de desrespeito pela pessoa humana quanto aos seus direitos à vida, à educação e saúde, como podemos notar nas religiões da China, da India etc. Nota do autor.
[17] Certo é que teremos de ser justos com relação a estas afirmações que se referem às outras denominações ou crenças religiosas. Tanto o islamismo quanto o judaísmo trazem na sua mensagem original uma extrema valorização e motivação para o respeito em relação aos direitos humanos. O desrespeito a eles aparecem, normalmente, nas ramificações que dessas religiões se originam no intuito de muitas vezes se prenderem à “letra da revelação”, esquecendo que esta é uma “forma” de Deus se comunicar com o homem, e que, necessariamente, passa por uma evolução e precisa ser adaptada aos novos tempos. Como nos lembra São Paulo: “A letra mata, o Espírito vivifica”. Cf. SWIDLER, L., op.cit.p.46.
[18] Cf. EUGENE BOROWTIZ In Revista Concilium/228, Ética das Grandes Religiões e Direitos Humanos, Ed. Vozes, Petrópolis, 1990.
[19] Idem.
[20] Idem.
[21] Certo é que seria nos alongarmos por demais numa consideração acerca da liberdade. Dado à complexidade que o tema exige sobretudo com o pensamento patrístico e escolástico. No entanto, nossa preocupação aqui é colocar a questão tal como o judaísmo bíblico a entende. Nota do autor.
[22] Por Sedaqh entende-se a prática do próprio pacto da aliança, que implica a eleição de Israel por parte de Deus e o cumprimento de tal justiça por parte dos homens. Idem.
[23] Borowitz, op., cit., p35.
[24] Castanho, A., Direitos Humanos. Aspiração ou Realidade?, Ed. Loyola, São Paulo, 1973.
[25] GORGULHO, G.S., O Evangelho e os Direitos Humanos, in Direitos Humanos, Ed. Paulinas, São Paulo, 1978.
[26] Frase do autor.
[27] GORGULHO, G., op., cit., p23.
[28] Esta parte será complementada posteriormente quando tratarmos dos Direitos Humanos nos Documentos do Magistério Social da Igreja. Nota do autor.
[29] SWIDLER,L., op. cit. p. 38.
[30] Obviamente não pretendemos aqui “julgar” a história, o que seria ilícito e desleal com a própria. O que de fato queremos, e isso, sim podemos fazê-lo, é apenas relatar a realidade dos “fatos” de um determinado tempo e espaço. Nota do autor.
[31] VVAA., Direitos Humanos, Direitos dos Pobres, Coleção Teologia e Libertação, Tomo III, Ed. Vozes, São Paulo, 1990.
[32] Aqui é digno de nota o fato de que essa dificuldade da Igreja com relação a tais direitos se funda muito mais numa questão nominal ou conceitual ao se falar em “Direitos Humanos” do que propriamente na defesa da dignidade da pessoa humana. O que a Igreja sempre o fez, lógico, ao sabor de sua época. Cf. GORGULHO, G, op. cit. p. 46.
[33] Nesse ponto vemos que Leão XIII, Pio XI e Pio XII resgatam a própria concepção bíblica de dignidade humana baseada na igualdade de todos os homens por terem sido criados à imagem de Deus. Idem.
[34] LEÃO XIII, Rerum Novarum, n.38; cf. n.12-21.
[35] PIO XI Divini Redemptoris, n. 29.
[36] PIO XII, Discurso aos Médicos, 11/09/1956, in REB, Ed. Vozes, Petrópolis, 1956.
[37] Cf. PIO XI Divini Redemptoris, op. cit. n.29; Quagragesimo Annus, n.118.
[38] PIO XII, Alocução à Ação católica Italiana em 29/04/1945. cf. Calvez, J.Y., Actes de Pie XII, edição publicada por Bonne Presse, apud.
[39] PIO XI, Divini Redemptoris., op., cit., n. 27.
[40] PIO XI, Radiomensagem por ocasião do Natal de 1942.
[41] BRAGA, J.M.F., Direitos Humanos, Ed. Paulinas, São Paulo, 1978.
[42] Especificamente sobre a questão dos Direitos Humanos na Pacen in Terris cf. Direitos Humanos. Aspiração ou Realidade?, op.cit. p.86-90.
[43] BRAGA, J.M.F., Direitos Humanos, op.cit. p 27.
[44] Idem.
[45] LEÃO XIII, Encíclica Imortali Dei, n.8.
[46] Sobre a temática dos Direitos Humanos nos Documentos do Magistério da Igreja cf. a obra Direitos Humanos, Direitos dos Pobres, op. cit. p. 141-148.
[47] Este é o título original do artigo de Nilo Agostini publicado pela REB. Cf. AGOSTINI, N., Direitos Humanos: o Despertar da Igreja no Brasil – Aos 50 anos da Declaração Universal da ONU, in REB N°58, Fasc. 232, Ed. Vozes,Petrópolis, 1998. Cf. também Direitos Humanos, Direitos dos Pobres, op.cit. p 73-81.
[48] AGOSTINI, N., op.,cit.,p.875.
[49] O artigo de Nilo Agostini traz uma infinita listagem sobre esses documentos acerca da luta da Igreja no Brasil em prol dos Direitos Humanos. Cf. op., cit., p. 877 a 880.
[50] “Muitos foram os grupos que surgiram em torno do trabalho de paróquias e dioceses, não raro com a participação benéfica de membros da hierarquia da Igreja. Desta caminhada nasceram os Comitês e Centros de Defesa dos Direitos Humanos, mais autônomos face às instituições, embora com laços estreitos com setores engajados das Igrejas locais. Propagaram-se também as Comissões de Justiça e Paz, estas juridicamente ligadas à pontifícia Comissão de Justiça e Paz.” Cf. AGOSTINI, N., op.cit.p.880.
[51] FRUTUOSO, B., op. cit. p 63.
[52] AGOSTINI, N., op. cit. p 883.
[53] Embora não seja muito aconselhado em termos científicos fazer referências a letras musicais num trabalho a nível universitário, ainda assim prefiro me arriscar (pois o que seria da vida sem os seus riscos?) citando esta belíssima canção de Zé Vicente que muito traduz de nossas utopias em ver realizados os nossos desejos na construção de um mundo onde reine verdadeiramente os Direitos Humanos. Isso porque somos homens e mulheres de fé, e como tal somos chamados a “sonhar” com esse mundo, onde a paz armada dê lugar à paz sonhada.
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