Autor: Oscar Cullmann
Os anos anteriores a Cristo vão diminuindo
dos mais altos valores até o número um, e inversamente, os anos posteriores a Cristo, são representados por números que vão crescendo de um até os mais altos valores. Este esquema corresponde, como veremos, ao conceito que os primeiros cristãos tinham do tempo e da História.
Em nossos dias, ninguém, por assim dizer, pensa que esta divisão de tempo, longe de ser apenas convenção fundada sobre a tradição cristã, pressupõe declarações fundamentais da Teologia do Novo Testamento relativas ao tempo.
“História Bíblica” e História
Estudando, do ponto de vista da ciência histórica, o alcance de modificações políticas e culturais que o Cristianismo ocasionou, é certo que o historiador moderno pode, a rigor, reconhecer como legítima esta afirmação: O surgimento de Jesus de Nazaré deve ser considerado como uma curva decisiva da História. Ora, a afirmação teológica que está na base do sistema cronológico cristão ultrapassa de muito a constatação segundo a qual o Cristianismo trouxe mudanças históricas consideráveis. O que vai mais além, é que a Teologia afirma que a História, em seu conjunto, deve ser compreendida e julgada a partir desse acontecimento central. Constitui ele o sentido último e o critério de toda a História, tanto a que precedeu como a que segue. Esta pretensão histórica levantada em favor de curta atividade de um profeta galileu, que terminou supliciado sob um governador romano, está em flagrante contradição com o princípio mesmo da História, segundo a concebe o historiador moderno.
O cristianismo primitivo interessa-se realmente por uma série de eventos de uma natureza toda especial, sobrenatural, anteriores e posteriores ao ano 1 e que forma “a história bíblica”. Este todo orgânico, relacionado com o referido acontecimento central, recebe dele seu sentido e, por extensão, o sentido de toda História é iluminado por ele. Os primeiros cristãos pretendem lançar um julgamento sem apelo sobre os dados da história geral e sobre a totalidade dos acontecimentos do presente. A história “profana” deixa pois de ser, para os cristãos, profana.
Assim vemos que o problema da história bíblica apresenta-se como um problema teológico . De fato, esta história só adquire sentido ao aproximar, interpretar e ligar os acontecimentos à realidade história de Jesus, quando Jesus de Nazaré, realidade central da História, é reconhecido como a revelação absoluta de Deus aos homens. Sem este ato de fé, não somente não se pode dar valor normativo à história bíblica, mas esta última deve parecer necessariamente destituída de sentido. Inversamente mediante este ato de fé, não pode haver norma fora da história bíblica, designada desde então como história da revelação e da salvação. É sobre este ponto que aparece a relação estreita que existe entre a revelação cristã e a História; é aqui que reside, em última análise, o “caráter escandaloso” que a concepção do tempo e da história do cristianismo primitivo assume não somente para o historiador, mas para todo pensamento “moderno”, incluso o pensamento teológico. Deus revela-se de um modo todo especial no seio de uma história estritamente limitada, mas contínua, e nela opera, de um modo definitivo, a “salvação”. O pensador profano julga a História em nome de um princípio, de uma idéia filosófica, fora da história. O pensador cristão o faz em nome de um acontecimento particular, específico, Jesus. A norma de julgamento da História é também histórica.
“História Bíblica” e Teologia
Constataremos que os primeiros cristãos colocam na mesma perspectiva cristocêntrica da história bíblica, isto é, sobre a mesma linha temporal – linha de Cristo – a criação operada por Deus e a consumação de tudo em Deus, da mesma forma que os acontecimentos da história de Israel, os atos de Jesus, dos apóstolos e da Igreja primitiva. O que tão violentamente escandaliza o pensamento moderno, entre as pretensões da revelação cristã, é esta extensão cósmica da linha histórica, a saber, o fato de que toda teologia cristã é, em sua essência, uma “história bíblica”.
É sobre uma linha reta traçada no seio do tempo comum que Deus se revela e é deste lugar que dirige a história em seu conjunto, mas ainda todos acontecimentos da natureza. Não há lugar aqui para especulações acerca de Deus independentes do tempo e da História. É neste sentido que se deve compreender a célebre frase de Pascal: “Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó, não dos sábios”.
Esta teologia leva até suas últimas conseqüências a afirmação de que é da essência de Deus revelar-se, e que sua revelação, sua “Palavra”, é um ato: “Sem esta Palavra nada foi feito” (João 1.3).
A Palavra, o Logos, é Deus no ato de sua revelação. E os atos de Deus não se revelam aos homens em nenhum lugar tão concretamente como na História, que do ponto de vista teológico, representa, em sua essência íntima, as relações que existem entre Deus e os homens. A teologia dos primeiros cristãos afirma, pois, que o ponto culminante e central de toda a revelação é o fato de que Deus por sua Palavra, por seu Logos, entrou uma só vez na história e tão completamente que se pode datar esse surgimento único, como qualquer outro acontecimento histórico. Esta mesma Palavra de Deus, que se manifesta como ato de criação e que se manifestará no fim dos tempos na nova criação “foi feita carne” (Jo 1.14) em Jesus Cristo, o que quer dizer que em sua totalidade tornou-se história.
Por conseguinte, onde quer que a Palavra de Deus se revele e onde quer que ainda venha a revelar-se desde a criação até o fim dos tempos, esta “Palavra” que outrora foi feita carne em um momento determinado, deve necessariamente estar agindo.
Cristo é, pois, o mediador de tudo o que existe, tanto na ordem cósmica, quanto na histórica. Segundo a concepção dos primeiros cristãos, toda a vez que se trata do ato pelo qual Deus se revela – e a criação é um deles, de primeira importância – diz respeito a Cristo, a este mesmo Cristo cuja encarnação pode ser datada. Sobre este ponto, vemos com muita clareza que a mensagem contida nos primeiros escritos cristãos é a revelação da ação de Deus em Jesus Cristo, isto é, uma história cristocêntrica contínua.
Assim, quando os que estudam a “t
eologia do Novo Testamento”, tomam como princípio de divisão a história de salvação, estão agindo em perfeito acordo com a intenção fundamental dos autores do Novo Testamento. Qualquer outro princípio possibilita o risco de introduzir no Novo Testamento alguns modos de pensar especulativos estranhos ao cristianismo primitivo e fazer desaparecer seu caráter todo ele orientado em direção à história da revelação e da salvação. Este perigo fez-se sentir extremamente cedo: sob a influência do pensamento especulativo grego, nas discussões dogmáticas da Igreja antiga, já se relega a um plano inferior a concepção central que os primeiros cristãos tinham do tempo da história.
Logo, as condições fundamentais de toda a Teologia do Novo Testamento residem no conceito neotestamentário do tempo e da História.
“A história bíblica”, segundo o que acabamos de dizer, pode chamar-se também de “história da revelação” ou “história da salvação”. Ela está no coração mesmo de toda a Teologia do Novo Testamento. Opositores do cristianismo reconheceram este fato às vezes com mais exatidão e nitidez do que muitos teólogos cristãos. De fato, não é possível, em sã consciência, renunciar a toda a história da salvação, tal qual nos é oferecida no Novo Testamento e pretender-se ainda ligado à fé cristã.
Sabemos que o testemunho da fé que encontra sua expressão na tradição evangélica, têm precisamente por objeto a própria história; este testemunho atesta, de fato, que Jesus de Nazaré é realmente o Cristo de Israel.
No Novo Testamento a noção de tempo é linear e retilínea, enquanto que os gregos têm uma noção cíclica do tempo. Na mente dos primeiros cristãos, a revelação e salvação “operam-se” realmente no curso do tempo, enquanto outras metafísicas colocam sistematicamente a redenção no “além”.
A termilonogia relacionada com o tempo no Novo Testamento
Para sua fé e pensamento, os primeiros cristãos têm como ponto de partida, não a oposição espacial: “aqui em baixo”, “lá em cima”, mas a distinção temporal entre o passado, o presente e o porvir. Isto não significa que a oposição mais de caráter especial, entre o visível e o invisível seja inexistente. O essencial não é a oposição especial, mas a distinção entre os tempos operada pela fé. Ver a definição célebre em Hebreus (11.1) da fé em que a primeira característica é “uma firme certeza das coisas que se esperam” – portanto do que há de vir.
O caráter nitidamente temporal de todas as afirmações da fé no Novo Testamento está ligado à importância votada ao tempo pelo pensamento judaico. No Novo Testamento toda a revelação encontra-se essencialmente arraigada no tempo. Não se trata, portanto simplesmente de uma sobrevivência judaica, mas do desenvolvimento total de uma perspectiva que os judeus tinham esboçado. A terminologia do Novo Testamento é eloqüente a este respeito. Encontramos nele, com uma freqüência particular e em passagens essenciais, todas as expressões temporais de que a língua grega dispõe, como os termos seguintes: dia, hora, momento, tempo, prazo, século cósmico limitado, séculos cósmicos eternos ( h.me,ra , w`ra , kairo,s , krono,s , aivw,n , aivwnes ). Em certas passagens palavras como “agora” ( nu,n ) e “hoje” ( sh,mepon ) seu caráter temporal assume um valor eminentemente teológico.
As duas noções que designam com mais nitidez a originalidade da concepção que os primeiros cristãos tinham do tempo, são as que as duas palavras kairós, oi e aion, es exprimem. O que caracteriza o emprego de kairós é que designa no tempo um momento determinado por seu conteúdo , enquanto que aión marca uma duração, um espaço de tempo , limitado ou não. Cada um destes dois termos serve para definir de um modo particular, o que é invadido pela história da salvação.
“Kairós” – Kairós no uso profano significa a ocasião particularmente propícia a um empreendimento, o momento de que se fala com muita antecedência sem conhecer-lhe a eclosão, a data que corresponde ao que se chama, por exemplo, na linguagem moderna, o “dia V”, a “hora H”. É geralmente em virtude de considerações humanas que um momento nos parece particularmente próprio para execução de tal ou tal plano e que se torna kairós .
No Novo Testamento o uso deste termo aplicado à história da salvação, permanece o mesmo. Porém com esta reserva: não mais estimativas humanas, é um decreto divino que faz de tal ou tal data um kairós e isto em vista da realização do plano divino da salvação. É porque este plano está ligado a kairós, a momentos escolhidos por Deus, que é uma história da salvação. Não são todas as partes da linha contínua do tempo que formam a história da salvação propriamente dita, mas sim este kairói, estes pontos se faz pela “própria autoridade de Deus” (At 1.7). Não é dado aos homens, nem mesmo aos apóstolos, conhecer a data dos kairói que estão por vir. O Apocalipse designa o momento decisivo do fim do mundo pelo termo kairós e diz dele que está “próximo”, no sentido próprio em que os sinóticos proclamam a proximidade do Reino de Deus. Esta mesma acepção escatológica da palavra kairós aparece ainda em Lucas 19.44; 21.8; 1Pe 1.5.
A relação entre kairói do futuro com um kairós já sobrevindo sobre a mesma linha de salvação, é nos mostrado em 1Tm 2.6 (notar ainda Tt 1.3; 1Pe 1.11; 1Tm 6.15).
Não foi apenas após a morte de Cristo que, em meio à fé comunitária a obra do Cristo encarnado é elevada à dignidade de kairós central do Plano divino da salvação. Ao contrário, Jesus ele mesmo, segundo o testemunho dos sinóticos, já aponta para a sua paixão como seu kairós. Esta é a tradução seguramente certa do termo aramaico usado por Jesus. Assim na véspera do último jantar, a senha que entrega aos discípulos que envia, é: “O mestre manda dizer: meu kairós está próximo (Mt 26.18). Isto lembra sua primeira prédica: “O Reino de Deus aproximou-se”; o kairós pelo qual Jesus designa a consumação de sua obra reveste-se aqui de uma importância absolutamente decisiva por entre os acontecimentos que devem dar em resultado o reino de Deus. Quanto a Cristo, o kairós decisivo de sua morte e ressurreição, e através disso, da vitória que obrou sobre o mundo dos de
mônios, já se acha anunciada em kairói anteriores de sua própria existência terrestre. É o caso de suas curas quando o reino de Deus faz irrupção no mundo e é sentido das palavras do endemoninhado em Mt 8.29.
Em nenhum outro lugar o sentido que o Novo Testamento dá ao termo kairós se acha melhor expresso do que nas passagens de Jo 7.3ss. Jesus diz aos incrédulos: “meu kairós (para subir a Jerusalém) ainda não chegou; para vós o kairós é sempre favorável” (v. 6). Isto quer dizer: para vós não há kairós, no sentido que este termo possui em relação com a história da salvação, não há momento particularmente escolhido por Deus e fixados de sua própria autoridade, em função de seu plano de salvação. Cristo situa-se no próprio centro do plano divino de salvação, cujos kairói são exatamente fixados por Deus.
Mas para o crente existe também no presente da comunidade cristã primitiva um kairós divino, fundado sobre o fato da vinda de Cristo (Cl 4.5 e Ef 5.16). Nestes versículos trata-se do kairós presente cuja significação no conjunto do plano da salvação é conhecido do crente. Mas este compreende o plano da salvação graças ao kairós passado, o da morte e da ressurreição do Cristo.
Vemos assim que no passado, como no presente e no porvir, existem kairói divinos distintos uns dos outros. Sua reunião forma a linha de salvação.
Estes momentos distintos de operação de Deus são descritos por outras palavras, além do kairós, como “dia” (hemera), “hora” (hóra); ver Mc 13.32; Lc 13.32. Ver o emprego semelhante do termo temporal “agora” (nûm) para indicar que o século apostólico faz parte integrante da história da salvação e se encontra diferenciado de todos os demais tempos: Cl 1.26; Ef 3.5; Rm 16.23ss.
Aiôn – Se os termos estudados até aqui e agrupados em redor da noção central kairós salientam o significado particular de cada um dos momentos essenciais da história, uma outra expressão, extremamente corrente na língua do Novo Testamento, a de aiôn serve para expressar a noção de extensão do tempo, de duração. (Por exceção pode ter o significado de “mundo” como em Hb 1.2).
Os usos diversos do termo aiôn no Novo Testamento. são extremamente instrutivos e ajuda-nos a compreender a concepção que se tinha do tempo na época do cristianismo primitivo. Percebemos, de fato, que o mesmo termo serve para designar, seja um espaço de tempo delimitado com precisão , seja uma duração ilimitada e incalculável que traduzimos por “eternidade”.
Assim é que a mesma expressão que designa o aiôn presente qualificado de “mau” (Gl 1.14), serve de atributo a Deus, o “rei dos aiôns” (1Tm 1.17).
É preciso constatar que em se baseando no uso que é feito no Novo Testamento do termo aiôn, não se tem o direito de interpretar a noção de eternidade no sentido de filosofia platônica ou moderna (oposta ao tempo), mas que é preciso conceber a eternidade como um tempo infinito. Este sentido é nos indicado pelo uso preferido da palavra no plural (aiônes). A diferença entre o tempo e a eternidade reside em que o segundo apresenta a ausência de limite. A expressão que indica a eternidade antes da criação é “ek toû aiônos” ( ek to û aiw/nos ) e para a eternidade depois do fim do mundo é: “aiôn méllon” ( aiw.n me,llwn ). A eternidade é, pois, designada pelo termo aiôn.
Falta ainda compreender a acepção do termo aiôn, que também é usado para expressar a divisão do tempo, estabelecida por Deus e limitada no passado e no futuro, que “este aiôn” ou “aiôn presente” o qual é mau devido ao acontecimento inicial: a queda. Em contraposição com este, o aiôn futuro , o aiôn méllon caracteriza-se pela vitória sobre os poderios dos maus.
Em resumo, diremos que esta palavra, em sua acepção temporal, no singular ou no plural, tende a designar uma duração mais ou menos longa que pode ser:
1) O tempo em sua extensão total , infinita, ilimitada, nas duas direções, isto é, “a eternidade”.
2) O tempo limitado nas duas direções, enquadrado pela criação e pelo fim do mundo e que, por conseguinte, é idêntico a “ este aiôn e aiôn presentes ”.
3) Os tempos limitados em uma direção e ilimitados na outra.
a) evk tou aivwnos (ek tou aiônes) – tempo anterior à criação que lhe é limite e fim; por outro lado é infinito em retroceder para o passado e nesta acepção somente é que é eterno.
b) aiw.n me,llwn (aiôn méllon) – o tempo que se estende do tempo presente; este começa com o que se chama o fim do mundo. Tem pois um limite. É infinito em direção ao porvir, eterno neste sentido apenas.
Esta vista esquemática mostra bem que unicamente esta concepção retilínea ingênua do tempo encarado como uma linha reta e interrompida dos aiônes que se situam os kairoi fixados por Deus. Assim Deus determina isoladamente os kairoi da história da salvação, estabelece igualmente, de conformidade com seu plano a distinção entre os aiônes, como temos visto.
Khronos – Nenhuma das expressões servindo para designar o tempo no Novo Testamento tem por objeto o tempo concebido como uma abstração. Isto também é válido para o termo khrónos. Tem uma relação concreta com a história da salvação.
A terminologia do Novo Testamento nos ensina que para os primeiros cristãos o tempo, em sua extensão infinita, como em suas épocas e em seus pontos precisos, começa com Deus e que é dominado por Ele. O tempo é uma condição necessária e natural de todo o ato divino. É por isso que os autores do Novo Testamento fazem tão largo uso da terminologia atinente ao tempo.
Contraste entre concepção bíblica e concepção grega do tempo
O tempo não é algo que se opunha a Deus; não é contrário à “eternidade” quanto à sua natureza, mas simplesmente quanto a seus limites. Tem começo e tem fim.
Essa concepção cristã se opõe à concepção grega, vem como a dos racionalistas de todos os tempos. Estes não afirmam nunca, começo nem fim do tempo. Negam implicitamente tanto a criação quanto o fim do mundo. Tempo se sucede em círculo eterno. Não há pois, senão “eterno retorno”.
Que é Deus? Que é eternidade? Algo de diferente em espécie.
Tempo e Eternidade
Vejamos o que Cullmann diz, textualmente: “Para o pensamento grego, formulado por Platão, há entre o tempo e a eternidade uma diferenç
;a qualitativa que expressa de modo exaustivo, em se falando de oposição entre limitado e ilimitado. A eternidade não é para Platão, o tempo prolongado ao infinito mas algo de completamente diverso: a ausência de tempo. O tempo não é para ele senão a imagem da eternidade assim concebida”. É o que se nota repontando sempre em conceitos alheios à fé.
Embora a Bíblia se refira à pré-criação e ao post-parousia, o faz de certo modo à margem (veja os textos: Jo 1.1; 17.17; 1Co 2.6; Cl 1.26; Ef 3.11; Hb 4.9). A preocupação fundamental da Escritura é a respeito de sua revelação no tempo. A negação fundamental do racionalismo de uma relação de tempo e eternidade (homem e Deus) é a afirmação fundamental da Bíblia (Encarnação e Revelação). “O fato de que todas as afirmações bíblicas se refiram à revelação, à ação de Deus, nos impede de procurar compreender a concepção bíblica de tempo – tanto no Velho como no Novo Testamento – falando de uma história de revelação, notadamente duma especulação de um repouso de Deus. É por esta razão que os primeiros cristãos não puderam representar a eternidade senão como um tempo prolongado ao infinito”.
Soberania de Deus sobre o tempo
Para o cristão a conclusão essencial, nesta matéria, é que Deus é Senhor do tempo. Não é realidade à parte. Deus penetra e pervaga o tempo, a História. É seu começo, é seu centro, é seu fim. Criação, Israel, Cruz, Igreja, Consumação, são todos atos divinos. Veja os seguintes textos: Sl 90.1-4; 2Pe 3.8; 1Tm 1.17 e também At 2.17; Rm 9-11; Gl 3.6-4.7; Rm 5.12ss. A ação de Deus sobre o tempo se exerce por Cristo: Jo 17.24; 1Pe 1.20; Jo 1.1; Hb 1.10; 1Co 8.6; Cl 1.16; Mt 28.18; Fp 2.10, etc.
Notemos que deste conceito teremos de retirar importantes conseqüências. Vê-se que a concepção bíblica de História é:
a) completamente afilosófica, contrária pois, ao pensamento grego e aos seus continuadores;
b) completamente cristocêntrica. A própria escatologia, isto é, a vitória final do Reino de Deus está fundamentada na cruz, a batalha decisiva. A posição cristocêntrica que acaba de ser exposta é a chave para a compreensão de toda a teologia.
Nota bibliográfica: O presente capítulo não é tradução, mas síntese de parte do livro de Oscar Cullmann, Christ et le Temps (De la chaux e Niestlé S.A., Paris) síntese esta feita pelo Rev. Claude Labrunie. O referido livro de Cullmann é, de certo modo, um esboço de teologia cristocêntrica. A relação de potências do mal com os poderes políticos a que se refere o autor num dos seus capítulos, não será ponto pacífico. Mas, no todo é um livro excelente, indispensável na estante de qualquer pastor. Faremos referências a outras obras do mesmo autor em outros capítulos.
Faça um comentário