Autor: Pe. Martín Martínez Sánchez
Nota prévia:
Este artigo é um resumo da conferência do Cardeal Joseph Ratzinger, proferida no Encontro de Presidentes de Comissões Episcopais para a Doutrina da Fé da América Latina em Guadalajara, México. Com o devido respeito, resumi a conferência nos seguintes pontos. Que eles nos sirvam para detectar o caminho que deve levar a Teologia na situação atual da fé.
1.- Na década de 80 a teologia que mais estava em voga e que mais chamava a atenção era a assim chamada “Teologia da libertação”. Propunha uma resposta nova, plausível e prática à questão fundamental do cristianismo: o problema da redenção. Era uma teologia que tinha como sustendo metodológico a filosofia marxista, mesmo sendo cristão o seu conteúdo. Nela, a fé, a esperança e o amor convertiam-se em mera práxis, em concreta ação redentora no processo de libertação. Todas as promessas descumpridas das religiões pareciam alcançáveis através de uma práxis política cientificamente fundada. Entretanto, a caída dos governos do Leste europeu provocou a derrocada do marxismo como sistema político. Este fato afetou a Teologia da libertação, que utilizava seu método. Os acontecimentos de 1989 também mudaram o cenário teológico. Tudo isto trouxe consigo uma grande desilusão que, aliás, está longe de ser assimilada.
2.- No mundo do pensamento atual domina a filosofia relativista. O relativismo se converteu no problema central da fé. Se apresenta no mundo como uma posição definida positivamente pelos conceitos de tolerância, conhecimento dialógico e liberdade. Aparece como fundamentação filosófica da democracia. Ninguém pode ter a pretensão de conhecer o caminho verdadeiro, todos os caminhos se reconhecem mutuamente como fragmentos do esforço para o melhor; por isso os homens buscam em diálogo algo comum e competem sobre conhecimentos que não podem se fazer compatíveis de forma alguma. Neste sentido, um sistema de liberdade é um sistema de posições que se relacionam ente si como relativas, dependentes e de situações históricas abertas a novos desenvolvimentos.
Na vida política não existe uma única opinião correta. Este foi o erro do marxismo e das teologias políticas: fazer valer a própria opinião por cima das demais.
Entretanto, com o relativismo total tampouco se pôde conseguir tudo no terreno político: existem injustiças que nunca se converterão em coisas justas e vive-versa.
Não se pode negar que haja um certo direito ao relativismo no campo sociopolítico. Assim evitam-se os absolutismos. O problema é saber quais são seus limites.
O método relativista foi aplicado à religião e à ética. Hoje vivemos na chamada “Teologia pluralista” das religiões. Se situou no centro da consciência cristã. É um vestígio do mundo ocidental e de suas formas de pensamento filosófico. Conecta-se com as instituições filosóficas e religiosas da Ásia. Une-se de muitas maneiras com a Teologia da libertação.
3.- Como se foi flagrando o relativismo na Teologia?
J. Hick (Presbiteriano americano) em suas obras, tem como ponto de partida filosófico a distinção kantiana entre fenômeno e noumeno. Diz: “nós nunca poderemos captar a verdade última em si mesma, mas só sua aparência em nosso modo de perceber, através de diferentes lentes”. O que captamos não é a realidade em si mesma, mas um reflexo a nossa medida. Hick tentou formular este conceito em um contexto cristocêntrico e logo que permaneceu um ano na Índia o transformou numa nova forma de teocentrismo. A identificação de uma forma histórica única, Jesus de Nazaré, com o próprio real, o Deus vivo, é relegada agora como uma recaída no mito. Jesus é conseqüentemente relativizado como um gênio religioso entre outros. O Absoluto não pode dar-se na história, mas só modelos, formas idéias que nos recordem o que na história nunca pode ser captado como tal. Conceitos como Igreja, dogma, sacramentos, devem perder seu caráter incondicionado. Fazer um absoluto de tais mediações limitadas ou consideradas encontros reais com a verdade universalmente válida do Deus que se revela seria o mesmo que elevar o próprio à categoria de absoluto; deste modo se perderia a infinitude do Deus totalmente outro.
Afirmar que na figura de Jesus Cristo e na fé da Igreja há uma verdade vinculante e válida na história é qualificado como fundamentalismo, o qual é um ataque ao espírito da modernidade, especialmente contra os seus bens supremos: tolerância e liberdade.
Neste pensamento, a noção de diálogo muda de significado: é colocar a atitude própria, a própria fé, no mesmo nível das convicções alheias, sem reconhecer nela, por princípio, mais verdade que a que se atribui à opinião dos demais. O diálogo deve ser um intercâmbio entre atitudes que tem fundamentalmente o mesmo nível e, portanto, são mutuamente relativas.
A fé na divindade de uma pessoa concreta conduz ao fanatismo e ao particularismo, à dissociação de fé e amor.
4.- Recurso às religiões asiáticas:
No pensamento de Hick se aproximam a filosofia pós-metafísica da Europa e a teologia negativa da Ásia, para a qual o divino não pode entrar por si mesmo e desveladamente no mundo de aparência no qual vivemos, mas que se mostra sempre em reflexos relativos e fica além de toda palavra e de toda noção, em uma transcendência absoluta. Neste sentido, se afasta a imagem de Cristo de sua posição exclusiva para colocá-la no mesmo nível dos mitos salvíficos indús: o Jesus histórico não é mais Logos absoluto que qualquer outra figura salvífica da história.
Sob o signo do encontro das culturas, o relativismo se apresenta como a verdadeira filosofia da humanidade. Quem resiste a ele, resiste a outros valores como a democracia e a tolerância… Se nega ao encontro das culturas. Quem deseja permanecer na fé da Bíblia e da Igreja se vê empurrado a uma “terra de ninguém” no plano cultural.
5.- Ortodoxia e ortopráxis:
A religião significa para Hick que o homem passa da self-centredness como existência do velho Adão à reality-centredness como existência do homem novo. Deste modo se estende desde o próprio eu para o tu do próximo.
Porém, isto acaba no oco e no vazio. Para isto a religião não faz falta.
Knitter, consciente destes limites tentou superar o vazio de uma teoria da religião reduzida ao imperativo categórico, mediante uma nova síntese entre Ásia e Europa. Une a teologia da religião pluralista com as teologias da libertação. O diálogo inter-religioso deve simplificar-se radicalmente e fazer-se efetivo praticamente, fundando-o sobre um único princípio: o primado da ortopráxis sobre a ortodoxia. Quando o conhecer é impossível, só resta a ação. Não se pode conhecer o absoluto, mas pode-se fazê-lo. Porém, onde podemos encontrar a ação justa, se não podemos conhecer o justo absolutamente? A mera práxis não é luz.
As religiões da Índia não conheciam uma ortodoxia em geral, mas uma ortopráxis; foi daí que entrou provavelmente a noção na teologia moderna. As religiões da Índia não tinham um catecismo geral obrigatório. A pertença a elas não estava definida pela aceitação de um credo particular. Ou melhor, estas religiões tem um sistema de ações rituais que consideram necessário para a salvação, e que distingue o crente do não crente. O significado de ortopráxis (reto agir) é um código de ritos.
O conceito na teologia moderna não tem nada a ver com o conceito indú. Se excluir-se o sentido ritual dado a ele na Ásia, então a práxis só pode ser compreendida como ética ou como política. Se a exigência de ortopraxis tem um sentido e não quer ser o “taba-buraco” da carência de obrigatoriedade, então deve dar uma práxis comum, reconhecível por todos, que supere o palavrório da centralização no eu e na referência ao tu de Hick. Porém, qual é a correta ação política, se não se pode conhecer? Ou, já que há um ethos claramente definido enquanto seu conteúdo, isto não está excluído de uma ética relativista que diz: agora já não há nada bom ou mal em si mesmo?
Esta ortopráxis repousa em um certa ortodoxia, como uma “armação” de teorias obrigatórias acerca do caminho para a liberdade. Knitter está próximo deste princípio quando afirma que o critério para diferenciar a ortopráxis da pseudopráxis é a liberdade. Porém, o que é a liberdade e o que serve à verdadeira libertação do homem?
Uma coisa fica clara: as teorias relativistas desembocam no arbítrio e se tornam por isto supérfluas, ou, ao contrário, pretendem uma normatividade absoluta, que agora se situa na práxis, erigindo nela um absolutismo que não tem lugar.
6.- New Age:
O relativismo de Hick e Knitter se baseia em um racionalismo que declara a razão incapaz do conhecimento metafísico; a nova fundamentação da religião tem lugar por um caminho pragmático, com tons mais éticos ou mais políticos.
Uma resposta anti-racionalista ao lema: “tudo é relativo” é a New Age. O remédio contra o relativismo está na superação do sujeito, no retorno extático à dança cósmica. Está em sintonia com tudo o que ensina a ciência. Valoriza os conhecimentos científicos de qualquer gênero. Oferece uma mística na qual não se pode crer no absoluto, mas experimentá-lo. Deus não é uma pessoa que está à frente do mundo, mas a energia espiritual que invade o Todo. Religião significa a inserção do meu eu na totalidade cósmica, a superação de toda divisão. A redenção está no desenfreio do eu, na imersão na exuberância do vital, no retorno ao todo. Se busca o êxtase, a embriaguez do infinito que pode acontecer na música embriagante, no ritmo, na dança, no frenesi de luzes e sombras, na massa humana. Se renovam os ritos primitivos nos que o eu se inicia no mistério do Todo e se libera de si mesmo.
Quanto mais manifesta a inutilidade dos absolutismos políticos, tanto mais forte será a atração do irracionalismo, a renúncia à realidade do cotidiano.
7.- O pragmatismo na vida cotidiana da Igreja:
Na realidade, nossa fé se consume e decai no mesquinho.
Existe o intento de estender à fé e aos costumes o princípio da maioria, para assim democratizar a Igreja. Porém, uma fé que nós mesmos podemos determinar não é absolutamente uma fé. De outro lado, nenhuma minoria tem porque deixar-se impor uma fé por uma maioria. A fé, juntamemte com sua práxis, ou nos chega do Senhor através de sua Igreja e da vida sacramental, ou não existe absolutamente. Se a fé pudesse ser decidida por uma instância burocrática, muitos a abandonariam. Por que, para dizer o que é fé, seria necessário chegar ao poder e, quando não se chega, o mais fácil é não crer.
O anterior poder também ser aplicado à Liturgia. Assim como uma instância superior pode reformar ou introduzir elementos novos na Liturgia, assim também uma Igreja local, e inclusive paroquial, poderá fazê-lo, pois se busca atualmente uma liturgia vivencial, que se aproxima da New Age: “busca-se o embriagante e o extático”.
8.- Tarefas atuais da Teologia:
Diante desta situação, quais seriam os empreendimentos da Teologia atual?
Superar definitivamente a Teologia da Libertação, que oferecia uma nova práxis mediante a qual a redenção teria lugar, práxis que deixou ruína ao invés de liberdade.
Superar o relativismo, que se compactuou com a Teologia da Libertação para poder ser posto em prática.
Dialogar com a New Age, que diz: “deixemos o fracassado experimento do cristianismo, voltemos de novo aos deuses, pois assim se vive melhor”.
Superar a exegese de tipo racionalista, inspirada na Filosofia de Kant; porém, aceitar que a fé sem a razão nunca será humana. Fé e razão devem ser o fundamento de toda exegese. A Teologia atual terá que aceitar as conquistas da exegese moderna a partir de uma disposição humilde que conduza forte e profundamente a fé.
Continuar dialogando com as filosofias atuais, a fim de sustentar-se sobre uma autêntica verdade humana.
(Traduzido por José E. O. e Silva)
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