Autor: D. Eusébio Oscar Scheid
Quando Jesus se apresentou na Sinagoga de Nazaré, citou Isaias, ao anunciar a evangelização aos pobres, a remissão aos presos, a recuperação da vista aos cegos, a liberdade aos oprimidos e o anúncio de um ano de graça do Senhor. Quem confere o texto desse profeta, lido por Jesus (Is 61, 1ss)imediatamente perguntará: por que ele omitiu as palavras do versículo: um dia de vingança do nosso Deus, que integra o anúncio do ano da graça? A omissão desse versículo, gerou a manifestação furiosa da Sinagoga, que desejava precipitá-lo abismo abaixo. Jesus, porém, passou serenamente entre os inconformados e seguiu seu caminho.
Diante da situação do mundo de hoje e da inteira história da humanidade, dificilmente encontramos pessoas que julguem o mundo com tamanha serenidade como Jesus interpretou os acontecimentos de seu tempo. Os homens continuam preferindo um Deus vingador a um Cristo sereno e que perdoa. Muitos anunciam – em nome de Deus – os mais terríveis acontecimentos para acabar com este mundo. Pouco o imagina transfigurado, mais bonito, sem problemas: uma nova terra.
Até mesmo os homens, quando escrevem a história das civilizações, destacam as grandes guerras, os heróis e as catástrofes. Por que? O homem não deveria ser assim tão negativo, se soubesse quem realmente é. A vinda de Jesus acontece exatamente para revelar ao homem sua grande dignidade. A vinda do Messias, enquanto restaurador e salvador, era uma figura apreciada na história de Israel. Depois de conhecer o exílio e a perda de sua identidade nacional, gerava no meio do povo a chamada esperança messiânica. Um messias político que libertasse Israel da vergonha e o recolocasse no destaque maior entre as nações, como nos dias de Davi. Porém, uma vertente apocalíptica ia tomando o lugar dessa esperança de novos tempos. O anúncio de um dia de vingança para Deus, um dia de Iahweh grande e terrível é atestado por muitos profetas.
Jesus vem anunciar a bondade de Deus, ensina o Pai Nosso e conta a parábola do pai misericordioso! Apareceu a benignidade de Deus (Tt 3,4).
Deus jamais abandonou o homem que criou. E por ser um Deus que cumpre a promessa, ao longo da História da Salvação encontramos repetidas vezes, as chamadas renovações da aliança. Um cerimonial necessário, porque era o homem quem quebrava os pactos e se afastava de Deus. Em diversas alegorias, a vinda do Messias era anunciada e esperada como a solução de todos os males.
Se o homem aderisse integralmente ao projeto de Deus, ele mesmo seria o protagonista de um mundo melhor. Os textos bíblicos mostram, em figuras magníficas, esta possibilidade: o fato de tirar do peito o coração de pedra e colocar um coração de carne, mostra a necessária conversão de vida. Mudar o coração é uma forma de dizer, que é preciso mudar o modo de pensar, pois no Antigo Testamento, uma das figuras do coração é que ele possuía funções cerebrais e sentimentais.
Uma outra figura é a do Espírito que faz os ossos áridos preencher de carne e voltar a constituir um grande exército, movido pelo Espírito do Senhor. São figuras que demonstram o poder de Deus para mudar o ser humano, sem coração nem vida, a reagir positivamente diante do projeto divino.
O grande problema da falta de esperança que encontramos no mundo de hoje, é o próprio homem. É ele mesmo é a causa de tantos dramas e traumas. Ferido pelo pecado em sua origem, o homem poderá divisar Deus que vem ao seu encontro para lhe oferecer a salvação. Se isso aconteceu historicamente com a preparação e a vinda de Nosso Senhor, a vinda da graça é uma oportunidade de se reviver essa experiência de encontro e solidificar as razões de se ter esperança, mesmo diante das mais difíceis experiências pessoais, sociais e políticas.
As mesmas figuras bíblicas que demonstram a eficácia da palavra de Deus servem para suscitar nos corações atribulados e nos espíritos abatidos, uma grande esperança. Todas as vezes que a Escritura trata dessa ação positiva da palavra de Deus, suas imagens vêm ampliadas com motivos de grande alegria. Depois de uma grande estiagem, nada mais confortante do que uma chuva que revigora a natureza e dá ao homem e aos animais, um ar puro, um ambiente refrescante. O Messias é anunciado como príncipe da Paz e os outros títulos que recebe são os de maravilhoso, chanceler, Deus Poderoso e Pai do futuro século.
Porém, preparando esse anúncio, o profeta Isaias diz que o governo lhe foi posto nos ombros. Não seria uma alusão à cruz? Bem dizem os cartuxos que a cruz permanece enquanto o mundo gira. É exatamente por isso que o mundo sofre, pois não aceita a cruz. Mas o governo do Messias passa pela cruz, e, através dela, é que tudo será revigorado e renovado.
Essa perspectiva nos coloca diante da rejeição do sofrimento e da dor, tão característicos dos tempos atuais. Enquanto a ciência vai descobrindo novos medicamentos para suprimir a dor física, a dor moral e espiritual vai se tornando cada vez mais aguda. Como superar esse estado de coisas e qual o papel que a virtude da esperança desenvolve nesse mister? Em primeiro lugar, a superação da dor está na aceitação de suas causas e numa profunda conversão. A virtude da esperança desenvolve, por isso, seu papel fundamental que é o de manter viva a possibilidade de ser cada vez melhor.
Há um fator essencial que amalgama essas duas questões: a oração. Foi ela que sustentou e deu força a tantos indivíduos e povos. A oração dos justos, ao longo de todo o Antigo Testamento, suplica a vinda do Salvador e, mesmo sem vê-lo, tinham certeza de sua vinda. Um deles, o ancião Simeão, ao tomar Jesus em seus braços, fez sua última prece: Agora, Senhor, podeis deixar o vosso servo ir em paz como prometestes porque meus olhos viram a Salvação.
É nessa expectativa que, hoje, aguardamos a sua Segunda Vinda, na parusia. Uma vinda gloriosa onde todos os nossos atos de misericórdia serão finalmente compreendidos: É a mim que o fizeste.
São Paulo, em sua carta aos Romanos, diz que a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi dado (5,5). É esse amor que alimenta a esperança, e que nos mantém na esperança feliz da vinda do Senhor.
Sede alegres na esperança, diz ainda o Apóstolo. E acrescenta: Sede pacientes na tribulação e perseverantes na oração. A expectativa do Senhor que nos surpreende, a qualquer momento com sua presença e exigências questionadoras, o cristão deve responder com a alegria, a paciência e a perseverança. Tudo isso nos conforta e alenta.
* Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro
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