Agostinho e os pais do Ocidente

Autor: Pe. José Artulino Besen

O grande esforço dos Pais da Igreja no Oriente foi o de explicar teologicamente os grandes dogmas da fé cristã: a Trindade e a Encarnação. 0s quatro primeiros Concílios ecumênicos ofereceram uma clarificação quase que definitiva.
Quanto aos Pais do Ocidente, não significa que não tivessem interesse dogmático: eles têm, é claro, mas se inspiram no Oriente. O grande tema ocidental situa-se no campo da graça: como conciliar o poder da graça divina com a vontade humana, a liberdade que se origina no livre arbítrio? Eu sei que sou livre, mas sou pecador e dependente de Deus. Como fica a liberdade do homem e a necessidade da graça para poder fazer o bem?
Pelágio (+ 422 aprox.), Um asceta britânico, afirmava que através do esforço, da ascese, o homem pode atingir a santidade. Deste modo, convidava os cristãos a levarem uma vida séria, esforçada para atingirem a vida perfeita. É o esforço, mais que a graça, que realiza a salvação. Esta doutrina, o Pelagianismo, espalhada logo para o norte da África e Ásia Menor, foi muito sedutora. Ela destrói o núcleo central do cristianismo, que é a salvação pela graça. Agostinho e todo o Ocidente enfrentaram este perigo.

Os pais da Igreja Ocidental

O papa Leão Magno (+ 461) foi defensor não só da doutrina, mas também da civilização ocidental, evitando que Roma fosse saqueada pelos hunos comandos por Átila.
Hilário de Poitiers (+ 367), retórico e filósofo, buscando o sentido da vida, abraçou o cristianismo e, eleito bispo, buscou reconquistar a Gália para a fé católica, pois estava tomada pelo arianismo. Pastor zeloso, procurou oferecer a seu rebanho o que de melhor aprendera em seu exílio de três anos no Oriente.
Hilário ficou fascinado pela liturgia oriental. Compôs hinos litúrgicos para familiarizar os fiéis com a teologia e associá-los mais intimamente às celebrações. Grande condutor de homens, Santo Hilário tinha imenso prestigio em todo o império romano.
Jerônimo (+ 419/420), de rica família da Dalmácia, logo dirigiu-se a Roma para estudar. Secretário do papa Dâmaso, viajante e peregrino, por onde se preocupa em estudar a língua, ouvir teólogos, filósofos e entabular contato com judeus.
Duas são suas preocupações: a vida monástica, que estimula em toda parte, construindo e governando quatro mosteiros, e o estudo da Sagrada Escritura; Em 386 fixa residência em Belém, onde permaneceu até a morte.
Ali completa sua obra principal: a revisão do texto latino e depois a tradução de todo o Antigo Testamento, confrontando-o com outras versões e o original hebraico. Desde o século XIII, sua tradução Iatina é conhecida como “Vulgata”.

Ambrósio de Milão

A cidade de Milão, residência imperial, vivia um grande problema: morrera o bispo ariano Auxêncio.
O povo reunido não chegava a um acordo para eleger um sucessor. Percebendo a dificuldade da situação, o governador Ambrósio intervém para manter a ordem.
Uma criança, ao entrar na igreja, gritou: “Ambrósio, bispo!”. Imediatamente todos acolheram seu nome. Foi deste modo que a Igreja de Milão recebeu um pastor cuja influência chega a nossos dias.
Ambrósio protestou: estava com 30 anos e nem batizado era…
O povo não deu bola e forçou-o ao episcopado. Foi batizado e oito dias depois consagrado bispo, interrompendo uma carreira rápida e brilhante, iniciada em Roma.
Homem sério, assume sua missão: doa sua fortuna aos pobres, inicia os estudos teológicos, 1ê com fervor as Escrituras e segue a escola dos Pais gregos.
Ambrósio é sobretudo um pastor. Vive cercado pela multidão dos pobres, embora sendo difícil falar com ele. Seu prazer é comentar as Escrituras, os Evangelhos. É um catequista nato e orador de qualidade, pois chegou a convencer o próprio Agostinho. Preocupado com a participação dos fiéis na liturgia, introduz em Milão o canto alternado dos salmos, escreve hinos, compõe melodias populares, sempre inspirado no Oriente.
Destacou-se pela sua ação social, numa capital de pouco ricos e muitos pobres. Denun
cia os excessos da propriedade:
“Não são os seus bens que distribuem aos pobres, são apenas os bens de Deus que vocês destinam. O que fazem, é usurpar só para uso pessoal, o que é dado a todos é para ser utilizado por todos”.
Ambrósio defendia a liberdade da Igreja frente ao Estado, não tendo medo de chamar o imperador à obediência. O grande Teodósio tinha mandado massacrar sete mil pessoas em Tessalônica. Vingança!
Ao querer entrar na Igreja, Ambrósio o excomunga e manda para a rua: que fizesse primeiro penitência! Dias depois, o imperador mais poderoso da terra entra na igreja vestido de penitente, pedindo que Ambrósio o recebesse!
Sendo grande escritor, o que mais revela este Santo é sua sensibilidade, alimentada pela oração. Nisso manifesta o segredo de sua vida: um ardente amor a Jesus. São as suas U1timas palavras: “É duro arrastar por tanto tempo um corpo já envolvido pelas sombras da morte, Levanta-te, Senhor, por que dormes? Irás, porventura, rejeitar-me para sempre?”

Agostinho de Hipona

Nascido em 354 em Tagaste (na atual Argélia), este homem, filho da fervorosa Mônica, torna-se a mais influente personalidade do Ocidente cristão. Agostinho é poeta, filósofo, teólogo, pastor, místico e santo. Síntese de toda a sabedoria da Antiguidade, Agostinho marcou indelevelmente a Igreja ocidental, a ponto de não haver campo na vida cristã que não tivesse recebido sua influência.
De rara inteligência, foi a maior preocupação para sua mãe que queria protegê-lo e conservá-lo na fé crista.
Quase impossível: Agostinho era vivo, emotivo, excessivamente sensível, aluno indisciplinado, muito seguro de si. Vai estudar em Cartago, onde se mete na farra mais vergonhosa. Neste período teve o filho Adeodato. Inteligência orgulhosa, vê o Cristianismo como “história da Carochinha”, e cai no Maniqueísmo, religião originada na Pérsia.
Mas, algo arde nele: a sede da verdade, pois sentia a angustia de uma vida sem sentido. É um peregrino da verdade. Vai para Roma, acompanhado pela mãe. Já professor famoso, mas ainda insatisfeito, vai para Milão. Ali Deus o pescou com sua rede, através da escuta dos sermões de Santo Ambrósio. Encontrou a Verdade.
Aos prantos, pediu o Batismo e decide voltar à áfrica Depois chorando, confessou: “Amei-te tarde, ó beleza, tão antiga e tão nova, amei-te tarde demais. Ah!
Estavas dentro de mim; o caso, porém, é que eu estava fora… Tocaste-me, e fiquei inflamado da paz que tu dás”.
No porto de Roma, infelizmente, morre sua mãe, Santa Mônica. Chegando em Hipona, quer dedicar-se à contemplação, mas é logo escolhido para bispo desta cidade, tomando-se chefe do episcopado africano. Passou a viver com seus padres em vida monástica.
Sua vida de pastor não é tranqüila: missa diária, prega até duas vezes ao dia, dá catequese, administra os bens temporais, resolve questões de justiça (cerca, muro, dívidas, brigas de família…), atende os pobres e órfãos, enfim, uma vida consumida pelo zelo pastoral.
Apesar disso tudo, deixou 113 obras e 225 cartas. Envolveu-se em todas as controvérsias da África e do mundo cristão. Sua mais conhecida obra, as “Confissões”, são um relato sincero e humilde de sua vida.
Agostinho e o Doutor da Graça. Salva assim a Igreja ocidental do Pelagianismo, afirmando que a salvação é fruto da graça, da encarnação e da redenção. Ele sentiu isso na pele: era um pecador orgulhoso e Deus o alcançou: pura graça, puro amor!

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