Autor: Robinson Cavalcanti
Pobre Noiva
Viajando pelo Brasil vamos descobrindo, com grande pesar, que o processo de fragmentação institucional do protestantismo continua em ritmo acelerado. Cada dia surge ali ou acolá uma nova denominação, com os nomes mais exóticos. Cada líder quer criar o seu próprio “ministério” (Eu & Deus Ltda). Não se pode negar a rivalidade entre os “grandes” nomes. Vamos nos deparando com placas indicativas de igrejas em que o nome do ministro aparece com mais destaque que o nome da instituição.
De repente o episcopalismo, antes raro em nossa tradição reformada (anglicanos, metodistas) vai recebendo novas adesões. O que não nos falta são bispos – não com sucessão apostólica, mas “auto-ungidos”. Se é possível que em breve tenhamos arcebispos, cardeais e patriarcas (algo ainda modesto), já somos honrados pela presença de alguns “apóstolos” (antes apanágio do mormonismo). É o velho caudilhismo/messianismo ibérico redivivo.
Percebe-se que, a nível teológico, a crise maior é no campo da Eclesiologia: a carência de uma histórica e profunda reflexão sobre a natureza da Igreja, esse mistério de povo da nova aliança, criada para a unidade, para que o mundo pudesse crer. Uma eclesiologia assentada sobre a tradição, como fé viva dos que nos precederam, especialmente os Pais e os Reformadores.
A crise vai além do teológico, incluindo o emocional (sanidade) e o ético: valores e atitudes, (sinceridade, honestidade e humildade). Valoriza-se um experimentalismo, um emocionalismo e a busca de novidades, a superficialidade, a falta de compromisso e de espírito de serviço. A História pouco conhecida, o descaso com o estudo sistemático das Sagradas Escrituras, a debilidade da cruz.
Noiva Yankee
A globalização (unilateral e unidimensional) também chegou às Igrejas: o saturado mercado religioso norte-americano (com sua profusão de fórmulas e macetes) vai sendo exportado para nós da periferia, com métodos infalíveis de fazer “crescer” a Igreja. Daquele tipo de crescimento de lá, em que os números não alteram o curso da História. E há sempre alguém por aqui disposto a importá-los, para parecerem “atualizados”, sem qualquer preocupação com a inculturação da fé.
Quando se vê um brasileiro indo pregar por lá é sempre para igreja de imigrantes. Temos até estranhos “joint-ventures” entre igrejas de lá e daqui, mesmo de diferentes tradições denominacionais. Todo esforço de Lausanne e da Fraternidade Teológica Latino-americana (FTL), de uma reflexão a partir da nossa realidade, com nossas próprias linhas, está sendo deixado para trás, sob o peso do novo colonialismo cultural-religioso.
Una? Santa? Católica? Apostólica? Autóctone? Profética?
O Pós-Caio
E o que dizer do modelo de liderança na era “pós-Caio”?
Uma caminhada como corpo que pensa e age, organicamente, com uma diversidade de líderes portadores de uma diversidade de dons? Um jogo de “futebol americano” entre caciques? Ou a tentativa da emergência de “neo-Caios” (já notaram a propaganda de congressos, com a fotografia destacada do “emergente” e as fotografias menores dos “atores coadjuvantes”?).
Enquanto nos relacionamos com pensadores que jogam na “segunda divisão” de países do primeiro mundo (trazendo-os para congressos e traduzindo os seus livros) nos debilitamos, nos tornamos raquíticos. Nosso sectarismo nos impede de ver a multiforme graça de Deus agindo em todo o mundo. Tem denominação no Brasil que rompeu com suas congêneres de todo o mundo: somente ela está certa e o “resto do mundo” está errado…
O momento por que passa as igrejas de tradição reformada no Brasil é, no mínimo, preocupante. Temos que ser sinceros com Deus, conosco mesmos e com o nosso povo. Os números não dizem tudo. Temos que ser sinceros até com os números (que são expressivos, porém mais modestos, segundo o último censo).
Há um desconhecimento e uma desvalorização da História e da Tradição. Há um desconhecimento ou uma leitura superficial ou literal das Sagradas Escrituras. O divisionismo, o sectarismo e as rivalidades são mais do que evidentes. O personalismo, o exibicionismo e o narcisismo dos nossos “astros” e “estrelas” dos púlpitos e do louvor são sinais de imaturidade. Falta uma visão mais abrangente e universal da igreja. O preconceito contra as Ciências Humanas continua a travar avanços necessários. A ausência de uma responsabilidade social atesta uma falta concreta de amor. Na política oscilamos da alienação ao oportunismo, do clientelismo à tentação teocrática. Não assumimos nem influenciamos a nossa cultura latino-americana, nacional e regional.
“Não verás país como este” (inclusive no campo religioso), nos diria um poeta. Em termos de falta de originalidade e de subserviência aos sábios do império. “Os pastores que aqui gorjeiam, gorjeiam como os de lá…” (parafrasearíamos de outro poeta).
Mas, Deus continua a ser Senhor da História e da Igreja. O derramamento do Espírito Santo não foi revogado. As minorias proféticas – entre pastores, seminaristas e leigos – continuam a resistir, a sonhar e a construir, tentando manter viva a esperança diante de todas as evidências desanimadoras.
Auto-crítica é preciso. Humildade é preciso. Mudar é preciso.
Como será o amanhã? Como gorjearemos?
Robinson Cavalcanti é bispo da Diocese Anglicana do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política – teoria bíblica e prática histórica, lançamento da Editora Ultimato. Escreve em uma coluna regular na Revista Ultimato além de ser um autor profícuo. Publicado originalmente no site http://www.ieabrecife.com.br/
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