Isaías 5.18-19 – Uma exegese

Autor: Pr. Douglas
INTRODUÇÃO

O Livro de Isaías é uma obra extensa, dividida em três partes, onde reúne tradições proféticas de quase quatro séculos. Abordaremos exegeticamente a perícope de Isaías 5,18-19, pertencente ao bloco dos capítulos 1-12, denominado “Primeiro Isaías”. E com isso, descobrir qual o significado do texto naquela época, bem como sua relação com os demais livros, textos e, principalmente, descobrir sua hermenêutica para os nossos dias atuais, tendo em vista que a palavra profética também tem seu lugar no hoje.

Sendo assim, a exegese nos auxiliará a fazer essa transposição, relacionando as informações descobertas dentro daquele contexto, seja ele, sócio econômico, político e também religioso, e também entender os conflitos existentes e as palavras e expressões usadas pelo autor para declarar sua profecia.

Veremos também quanto ao assunto da perícope, quais destinatários bem como a classificação do oráculo, passando pela análise textual, onde veremos o gênero literário e sua estrutura, bem como a estrutura literária da própria perícope, a retórica e estilística utilizada pelo autor até a semântica, onde descobriremos os verdadeiros significados das palavras que conduzem o texto.

A partir daí, abordaremos o texto em seu contexto literário e sócio-histórico, o que possibilitará analisar outros textos que também relatam sobre o mesmo assunto, até chegarmos a síntese do significado, onde resumiremos todos os passos abordados, preparando-se para as releituras teológica e atualização para nossos dias atuais.

Esperamos, com os resultados obtidos nesta pesquisa exegética poder contribuir para uma melhor compreensão do texto em questão e da mesma forma, proporcionar um horizonte de leitura a partir deste texto que favoreçam aos leitores uma clareza quanto aos principais temas do Antigo Testamento, sobretudo no livro de Isaías.

2. TEXTO
A. Texto Original – Isaías 5, 18-19

B. Tradução

18. Ai dos que puxam a iniqüidade com cordas de vaidade e como cordas de carroça o pecado.
19. Os que dizem faça depressa apresse-se o feito dele para que vejamos e aproxime-se e venha o conselho do Santo de Israel e o conheçamos.

3. DELIMITAÇÃO

Para formarmos um todo coeso e orgânico nesta perícope , é necessário a delimitação do texto, onde encontraremos o início e o fim da mesma. Podemos delimitá-la, observando alguns recursos literários importantes encontrados, descritos a seguir. O início desse pequeno oráculo, é introduzido por uma mudança de assunto, iniciado com a interjeição yAh (Ai), que, neste caso, é a terceira expressão (invectiva profética) numa seqüência de seis “Ais” (8-10; 11-16; 18-19; 20; 21; 22-23), sendo que o verso 17, segundo SCHÖKEL ,”ler-se-ia melhor depois do verso 10″, entretanto, o assunto dessa perícope (o qual abordaremos mais detalhadamente nos demais passos exegéticos) é “contra os que desconhecem o desígnio de Deus na história”, diferenciando das demais perícopes acima citadas. Percebemos também uma mudança de destinatários, visto que, nas perícopes anteriores a essa (8-10, 11-16), as sentenças são destinadas aos latifundiários, bêbados, luxos dos banquetes e luxos que ofuscam o sentido religioso e, nas perícopes posteriores (20, 21, 22-23), à inversão de valores, sabedoria humana, bêbados e luxos (novamente), assim respectivamente .

O final desta perícope é demarcado por uma cesura (espaço em branco), identificada pela consoante s (Samek), e pelo sinal de pontuação precedente ` (Sof-pasuq), que indica o fim do verso ou período e também pela interjeição yAh encontrada no início da perícope posterior, onde observa-se uma nova mudança de assunto. Delimitado desta forma, fica mais claro para trabalharmos com o gênero literário, no qual abordaremos no passo seguinte.

4. ANÁLISE TEXTUAL

A. Análise Morfo-estrutural

a. Gênero Literário

O gênero literário é a forma que o texto usa para expressar-se sobre um tema e situações determinadas. A partir da descoberta e definição do gênero literário desta perícope, poderemos descobrir a função e o sentido deste texto em questão, bem como associar na mesma categoria, outros textos que possuem a mesma forma literária. Assim sendo, nesta perícope, encontramos um gênero literário de caráter profético, cuja sentença profética trata-se de um oráculo de juízo. Inicialmente, definimos como oráculo, uma declaração feita em nome de Deus, que o profeta recebeu a missão de anunciar, destinado tanto a indivíduo(s) quanto à coletividade. Esta perícope está inserida num conjunto de profecias dos capítulos de 1-12, destinadas a Judá e Jerusalém. Dentro da literatura profética, segundo SCHMIDT , este gênero literário é classificado como um “dito”, que é a categoria mais ampla na tradição dos assim chamados profetas literários. Portanto, neste caso, um “dito profético”.

Segue a interjeição yAh que introduz esta perícope, um verbo no particípio ativo (ykev.m), que caracteriza uma pessoa ou um grupo de pessoas por sua conduta presente . Assim sendo, esta interjeição, trata-se de uma invectiva profética espalhada por todo o livro de Isaías, proveniente do âmbito de sepultamento, lamentação, Sitz im Leben fúnebre. Muitos desses “Ais” (yAh), estão relacionados com a elegia, na qual representa os gritos das carpideiras no acompanhamento de funerais e que os profetas transportara-os para legitimar que “aquela palavra vai se cumprir” e/ou também para descrever a trágica situação do povo no presente ou no futuro.

Desta forma, reunindo todos esses argumentos acima, classificamos o gênero literário desta perícope como um oráculo de juízo contra uma coletividade (OJC), por entender que o oráculo coletivo dirige-se a todo o povo, ou a um grupo, ou ainda às nações estrangeiras e também porque os verbos desses anúncios de juízos, geralmente, estão conjugados na terceira pessoa do plural, conforme encontramos no verso 18 (puxam) e também no verso 19 (dizem). Neste contexto, tudo indica que se destina especificamente àquele grupo de escribas-conselheiros de Judá, localizados na cidade de Jerusalém. Sendo assim, estruturamos este gênero literário da seguinte forma:
DIVISÕES TEXTO – ISAÍAS 5, 18-19
1) Introdução
Verso 18: yAh (Ai)
2) Acusação
Versos 18-19: “dos que puxam a iniquidade com cordas de vaidade e como cordas de carroça o pecado.
Os que dizem faça depressa apresse-se o feito dele para que vejamos e aproxime-se e venha o conselho do Santo de Israel”.
3) Exortação
Verso 19: […]”faça depressa, apresse-se o feito dele para que vejamos e aproxime-se e venha o conselho do Santo de Israel e o conheçamos”.

Conforme demonstramos no gráfico, a introdução do oráculo, é marcada pela invectiva profética yAh, indicando o início de uma nova perícope. A acusação, conforme observa BALLARINI , destina-se “contra esses” que desconhecem o plano divino na história, descrevendo seus destinatários com imagens do transporte agrícola (verso 18) e dos que desprezam esse projeto salvífico de Javé (verso 19).

Entendemos que aqui há uma acusação, primeiro porque descreve “os infelizes” que atraem sobre si as desgraças, através de cordas robustas (verso 18), segundo, porque explica-se o pecado (verso 19). Acusação esta, que parte da constatação do pecado em geral, que era, muitas vezes, esquecer, desconhecer e distanciar-se de Javé. No pecado, o homem prefere a sua pobreza solitária à riqueza de um diálogo que o tiraria de dentro de si abrindo-o para Deus. Neste sentido, o profeta Isaías acusa os escribas-conselheiros de desconhecer e seguir um caminho de sabedoria diferente da sabedoria e plano divino. Já a exortação, objetiva convencer os ouvintes a corrigirem a sua vida moral, sobretudo a manterem a fidelidade somente em Javé, e também contra o perigo constante e ameaçador dos desvios da idolatria naquela época. Observando esses argumentos, entendemos que esta exortação, trata-se da forma como Isaías apresenta-a, dita pelos escribas no verso 19, repetindo o que ouvira, exortando aqueles que assim falavam, zombavam e provocavam a ira de Javé.

b. Estrutura Literária

A função deste passo exegético é descobrir a estrutura do texto. Pesquisa esta, fundamental para compreensão desta perícope como um todo. Portanto, utilizaremos para tal compreensão, uma estrutura simétrica por correspondência, de acordo com as seguintes observações iniciais:

Para obter um esquema simétrico deve-se sublinhar em primeiro lugar os elementos mais representativos e buscar eventuais repetições chamativas. Estes elementos podem ser palavras, conceitos importantes, ações, giros, temas, inclusão de formas gramaticais e sintáticas (por exemplo: tempos e modos verbais, perguntas e respostas).

Uma vez que identificamos os principais elementos gramaticais e verbais, palavras e conceitos importantes acima citados, aplicamos a estrutura simétrica por correspondência neste texto, com os correspondentes segmentos no verso 18: a – b, c, c’, b’, e no verso 19: a’- a, b, c, a’, b, c’. Assim, temos o elo entre esses versos, no a – a’, estruturados no seguinte esquema abaixo:

a
Ai dos que puxam
b a iniqüidade
c com cordas de vaidade
c’ e como cordas de carroça
b’ o pecado.
a’
Os que dizem
a faça depressa
b apresse-se o feito dele
c para que vejamos
a’ e aproxime-se e venha
b’ o conselho do Santo de Israel
c’ e o conheçamos.

Primeiramente, o texto foi dividido desta forma, levando em conta que a estrutura simétrica é disposta de quatro ou mais elementos precisamente inter-relacionados em forma simétrica. E neste caso, na forma como foi descrita, a simetria dos elementos apresentados, se correspondem, se completam e se complementam por partes, fazendo parte de uma mesma estrutura, não influenciando em conteúdo geral. A relação existente entre algumas palavras chaves contidas nos versículos, tais como a – c-c’, indicando que ambas as palavras estão relacionadas com b-b’, ou seja, o pecado que é apresentado por Isaías.

Da mesma forma a’ – a-a’, b-b’, c-c’, relacionados para indicar a acusação feita por Isaías quanto aos que assim dizem para Deus apressar Sua obra. Esta forma como dispusemos a estruturação desse texto, ressalta a relação entre essas palavras, bem como possibilita uma melhor compreensão do texto. Apresentar a estrutura desta forma é importante, porque esta fornece subsídios para a análise semântica, que será tratada no próximo passo exegético e a partir daí, entender melhor essa relação existente entre esses elementos (substantivos, verbos, ações, etc) e o porquê do redator ter usado-os.

c. Análise Retórica e Estilística

Abordaremos nesse passo exegético a retórica e estilística, que trata da arte de compor discursos persuasivos, haja visto que o propósito genérico da Bíblia é o de aproximar as pessoas de Deus e da comunhão com Ele . Esta análise permite-nos compor melhor os termos e lexemas contidos nesta perícope para as próximas fases exegéticas, especialmente na semântica do texto.

Desta forma, podemos observar que o autor utilizou como estilo literário, para pronunciar este oráculo, o procedimento da poesia hebraica, mais precisamente um “paralelismo” . Trata-se de um recurso empregado mais na poesia, a prosa . No paralelismo de membros as frases estão dispostas de forma que, duas linhas (ou membros) de um mesmo período se correspondem mutuamente. Sendo assim, em ambos os versos, encontramos neste texto, um paralelismo sinonímico, pois apresenta a mesma idéia repetida com outras palavras, isto é, no verso 18 observamos que a segunda linha repete, com sinônimos, a mesma idéia da primeira linha:

Linha a) Ai dos que puxam a iniqüidade com cordas de vaidade
Linha b) e como cordas de carroça o pecado.

Observamos também, que esta repetição da mesma idéia, sofre um aprofundamento pelo uso de termos sinônimos, porém não idênticos. É possível acrescentar ainda, que as linhas paralelas estão dispostas em quiasmo, isto é, os termos utilizados formam uma estrutura a b b’a’, enfatizando desta forma, o centro. De igual forma, no verso 19, encontramos outro paralelismo sinonímico, visto que a primeira linha é especificada na segunda linha, formando também outro quiasmo em a b b’a’, com ênfase no centro do verso:

Linha a) Os que dizem faça depressa apresse-se o feito dele para que vejamos
Linha b) e aproxime-se e venha o conselho do Santo de Israel e o conheçamos.

Quanto aos artifícios sonoros nesta perícope, encontramos a recorrência de uma mesma letra no início da palavra na mesma linha, denominada aliteração, ou seja, a mesma consoante acima (h), aparece na primeira palavra (Interjeição) do verso 18: yAh (Ai) e também na primeira palavra (artigo (+) verbo) do verso 19: ~yrIm.aoh’ (os que dizem). Observamos ainda no verso 19, um jogo de palavras que realçam uma advertência, chamada paronomásia , “faça depressa apresse-se” (hv’yxiy” rhem;y>). Isso nos ajuda a entender melhor o estilo que o autor usou, tanto nos verbos quanto nos substantivos, e por sua vez compreender melhor sua mensagem expressa. Quanto às figuras de linguagem, percebemos no verso 18, uma metáfora , onde o autor utilizou uma palavra de um contexto em que se encontrava, usando-a num contexto diverso, como temos aqui: “com cordas de vaidade e como cordas de carroça o pecado”. E no início de verso 19, uma elipse , com a omissão da interjeição yAh (Ai), onde fica subtendido conforme a estrutura do texto. Portanto, a análise retórica, descrita desta forma, ajuda-nos a estabelecermos o significado do eixo semântico como também a compreender melhor o estilo semítico e, com certeza nos auxiliará para uma hermenêutica posterior.

B) Análise Semântica

É na semântica que buscaremos elucidar o sentido dos termos e palavras em seu devido contexto e com isso, tentaremos encontrar informações na busca de uma melhor abordagem interna do texto, tendo em vista que a maioria das palavras que usamos são polissêmicas. E para isso, utilizaremos o critério por eixo semântico, selecionando as palavras principais e que se relacionam, idéias ou frases que conduzem e dão sentido neste texto. Sendo assim, o primeiro eixo semântico estabelecido, pode ser descrito a partir do substantivo !wO[‘ (iniqüidade), que é o principal termo derivado do verbo oohwO[‘ ‘awâ (dobrar, torcer, distorcer), cujo cognatos do hebraico incluem os vocábulos árabes áwaya (perder, torcer,) e/ou gawaya (desviar-se do caminho) e o aramaico áwaya (delito, iniqüidade).
Enfatizamos tudo isto, para explicar posteriormente a relação com o substantivo “pecado”. Além disso, o substantivo masculino “iniqüidade”, que ocorre 231 vezes, em contraste com o verbo, é encontrado 17 vezes e o mesmo, ocorre somente com a noção teológica abstrata, derivada da raiz “infração”, “comportamento desonesto”, “perversão”, “iniqüidade”, etc. Observamos também que, “iniqüidade” é um substantivo coletivo ou praticamente, o que favorece a afirmação anterior de que este oráculo é de juízo coletivo. E essa idéia de totalidade se associa nos delitos individuais com os do grupo, e Javé coloca-os sobre si esta iniqüidade/perversão de todos nós (cf. Is 53,6).

Entretanto, “iniqüidade” denota tanto os feitos como suas conseqüências, tanto os delitos como o castigo, cujas noções estão presentes, mas a atenção se concentra às vezes no feito “pecado”, em outras no resultado do delito (“castigo”) e algumas vezes na situação entre o feito e sua conseqüência (“culpa”). A notável ambivalência entre os significados de “pecado como um ato e “castigo”, mostra que na mentalidade do Antigo Testamento, o pecado e seu castigo não são noções radicalmente distintas, que é como tendemos a pensar a respeito. No Antigo Testamento, pressupõe-se que a ação da pessoa e aquilo que lhe acontece estavam diretamente relacionados como parte de um único processo, dentro da ordem divina básica. A raiz hatã (pecar), apresenta o mesmo conceito “sintético” básico. É assim que o pecado tinha o efeito inevitável de destruir o indivíduo e/ou a comunidade e devia ser extirpado.

A culpa é a principal conseqüência de áwon no homem interior. Não é fácil fazer distinção entre esse aspecto e a idéia de soma de delitos passados. Junto com o impacto de áwon no íntimo do homem, existem conseqüências que afetam o contexto que estão inseridos (a família, a tribo, a nação de Israel, as várias nações e a natureza) e a visitação divina pode ser vista como um castigo que atinge mais de perto indivíduos da família ou tribo e, várias vezes, em Isaías, também em Jeremias e Ezequiel. Como vimos na estrutura literária, a iniqüidade está relacionada com o pecado e para isso, há a relação das palavras que conduzem essas práticas, através do substantivo aw>V’h; (vaidade), que designa tudo aquilo que é impalpável, irreal e sem valor, quer na esfera material na moral, é, por conseguinte uma palavra que designa ídolos, da mesma maneira como hebel, “vaidade”, também é uma designação de ídolos (sem valor). É evidente que uma pessoa que toma o nome de Deus, ou um juramento falso em nome de Deus. Mas também inclui usar o nome do Senhor de forma superficial, sem reflexão ou por costume.

E nesse mesmo contexto do eixo semântico, percebemos também a ocorrência do substantivo tAb[]k; (corda) que, neste contexto é utilizado para levar animais, atrelar bois, cavalos ao arado ou ao carro (carroça) e também usavam-na para segurar tendas, guindar coisas pesadas. Por isso que o redator utiliza deste substantivo para acusar os escribas-conselheiros, descrevendo-os como destinatários através dessas imagens de transporte agrícola. Como vimos em nossa estrutura, “iniqüidade” está interligado ao substantivo ha’J’ (pecado, coisa pecaminosa), (b-b’), subtendendo que ambas são sinônimas. Este substantivo é um termo derivado da raiz hata (errar, sair do caminho, pecar, tornar-se culpado, perder, purificar da impureza). Esta raiz aparece cerca de 580 vezes no Antigo Testamento e, assim, a principal palavra para descrever o conceito de pecado . O sentido básico da palavra é o de “errar um alvo” ou “caminho”. Neste sentido, o caminho proposto por Javé.

Este substantivo feminino é usado apenas três vezes. Êx. 34,7 é ligado a awôn e pesha como ações ou atitudes perdoáveis, e também tem sentido abstrato em Isaías 5,18. Desta forma, entendemos a relação com um dos termos derivado de “iniqüidade” (“desviar do caminho”), apontado anteriormente. É importante observar que este primeiro eixo semântico, bem como as palavras nele abordadas, estão relacionadas com a invectiva profética yAh (Ai). Trata-se de uma interjeição, que era comumente utilizada no âmbito de lamento fúnebre. Esta é a terceira expressão numa série de seis que introduzem cada perícope deste quinto capítulo. Ambas indicam uma exclamação de lamento.

O yAh (Ai) de um profeta é um lamento antecipado sobre o mal que cairá sobre o(s) pecador(es), ou seja, quer dizer que a palavra em si já anuncia castigo! Embora muitos desses “Ais” relacionam-se com a elegia (i.é., poesia sobre um tema triste) na qual as carpideiras usavam-na no acompanhamento fúnebre. Neste contexto, é usada para acusar os “zombadores”, conforme está caracterizado nos versos 18-19, indicando que o castigo de Javé deve vir logo, para que eles creiam, conforme zombam no verso 19, pois abusam do nome de Javé, “o Santo de Israel”.

Um segundo eixo semântico estabelecido neste texto é a ocorrência da expressão laer’f.yI vAdq. tc;[] (Conselho do Santo de Israel), onde, primeiramente, Conselho é um termo derivado do verbo sugerir, aconselhar. Muitas vezes é sinônimo de Redentor/Resgatador e enfatiza que Javé como Santo está separado do mundo pecaminoso, isto é, o Javé Santo e o pecado são dois mundos diferentes e por esse motivo sua santidade se manifesta no castigo de pecadores. O caráter duradouro do conselho e plano do Senhor está alicerçado na imutabilidade do próprio Deus. Os desígnios do seu coração podem ser identificados com as coisas ocultas que pertencem a Javé. É Ele quem assegura o cumprimento de seus decretos eternos. Áliás, Santo de Israel é um título característico deste livro e Isaías usa-o freqüentemente, como por exemplo, em Isaías 1,4-9, para dizer que Javé é um Deus diferente, especial, consagrado a Israel, porque é libertador, o Deus da graça, do amor, e da justiça salvífica.

E com isso, o profeta Isaías integra essas idéias com muita propriedade e, CROATTO diz que Isaías dá muita importância para este tema e o motivo do plano/projeto/Conselho de Javé, apresentado em 5,19 (e outros capítulos e versículos sem contar as passagens que aparecem o verbo e o particípio correspondentes), servem para assegurar que a proteção de Jerusalém e do país, estão Nele e não em alianças de vassalagem com a Assíria (Is 7), Babilônia (Is 39) ou o Egito (Is 30,1-5). Por isso o motivo de tantas críticas à esses “diplomatas” de Jerusalém, e aos sábios conselheiros do palácio. É Javé e não estes sábios que continua fazendo maravilhas. Entretanto, ASURMENDI indica que deve-se ressaltar que o termo “plano”, “projeto”, é aplicado aqui a Javé pela primeira vez, e que temos, pois, de considerá-lo como uma criação de Isaías. Pode-se dizer o mesmo do termo “obra” e da expressão laer’f.yI vAdq’ (Santo de Israel), que aparece ligada à Conselho. “É notável que numa frase tão curta, Isaías tenha colocado tamanho peso teológico e tanta criatividade”. É importante observar que as conseqüências desta denominação de Javé para o povo indica que o povo também deve ser santo, resgatando, assim a frase principal nas leis de Moisés.

E sobre esta expressão (laer’f.yI vAdq’), CROATTO argumenta ser um título tipicamente isaiano, que alude à escolha de Israel, mas é um nome que também está ligado à justiça (Cf. 5,16). É esta justiça que põe à parte a Javé e é retomado pelas releituras de 17,7 e 29,19 para destacar a bondade Dele. Diz ainda que o centro da mensagem de Isaías é Javé e chama atenção antes de tudo a acumulação de títulos ou nomes que lhe são atribuídos (cf. 17,6; 1.24; 2,3; 1,24; 3,1; 6,5). Contudo, ASURMENDI argumenta que no verso 19, encontramos dois termos técnicos que designam a obra e o plano (ou projeto) de Javé. Isso supõe que Isaías já havia falado sobre isso e que na sua pregação já apresentou a Javé como alguém que tem seus próprios projetos, e Seus planos de ação.

E quanto à esses que ~yrIm.ao (dizem), torna-se evidente que este verbo serve em contextos literais, de personificação, em alegorias e em narrativas. Uma variedade de substantivos, orações, advérbios, frases preposicionais é empregada após o verbo. Amar às vezes quer dizer “ordenar”. Estes casos são aqueles onde a palavra é dita por Deus ou por alguma autoridade humana competente. Da mesma forma, o verbo que aparece relacionado com este segundo eixo semântico vwx (apresse-se) (que ocorre 20 vezes, nos graus qal e hifil) serve para que Isaías denuncie “aqueles” que dizem sem sinceridade: “apresse-se Deus e leve a cabo a sua obra para que a vejamos”. Sendo que em Is 60,22 Deus declara que a seu tempo faz as coisas prontamente. Hush é cognato do acadiano hashu, “mover-se rapidamente”, e do ugarítico hsh, “apressar-se”.

E a ocorrência do substantivo hf,[]m (o feito dele), cujo significado básico é de “aquilo que é feito”, possui o sentido de “feito” e, à semelhança da sua raiz verbal, emprega esse conceito em contextos tantos genéricos quanto éticos, na qual, às vezes, expressa uma conotação negativa.

Contudo, tudo indica que, o sentido original de todo o texto, gira em torno da iniqüidade praticada pelos denominados “sábios”, escribas-conselheiros de Judá, demonstrando assim, um certo desinteresse pelo desígnio de Javé, provocando também Sua ira quanto aos que, além disso, zombavam Dele quanto ao que diziam (verso 19).

Entretanto, abordaremos essa indicação mais detalhadamente nos demais passos exegéticos, onde, buscar-se-á, relacionar o significado do texto com os contextos literários e sócio-histórico, com intuito de controlar a direção que o sentido do texto pode tomar.

Todo esse conjunto semântico das palavras acima, direcionada pelos eixos semânticos, nos ajuda a compreender seus significados dentro do contexto que estão inseridas, bem como nos orientam a passar para o passo exegético posterior que é a análise contextual, onde abordaremos mais propriamente as questões internas e relativas ao texto e seu contexto.
5. ANÁLISE CONTEXTUAL

A. Contexto Literário

Nesta análise investigaremos a função do texto em questão dentro de outras unidades temáticas maiores nas quais os redatores inseriram a perícope. Da mesma forma, abordar o tema principal em outros textos do Antigo Testamento ou no próprio livro de Isaías. O horizonte de leitura que esta perícope está inserida (capítulos 1-39), é pós-exílico, por ocasião da dominação persa, da luta pela sobrevivência da comunidade judaica, da desonestidade da classe dirigente de Jerusalém e dos conflitos com os samaritanos. E nesta primeira parte, pertencente aos capítulos 1-12, observamos também que o capítulo 5 (1-30), está classificado como a “desilusão de Javé para com seu povo”. Assim sendo, o tema principal e central da perícope é entendido inicialmente, como dirigida a Judá e Jerusalém, isto é, ao reino do sul e sua capital religiosa e política, mais especificamente ao grupo de escribas-conselheiros que também são chamados de “zombadores”, pois desconhecem o plano de Javé na história além de desprezar o projeto salvífico dele. E para isso, Isaías descreve-os através de imagens de transporte agrícola (verso 18), por conduzirem suas iniqüidades e seus pecados como se arrastassem um carro/carroça tão pesados quanto são.

De forma idêntica, encontramos em Amós 2,3, onde o profeta também anuncia uma série de oráculos construídos, segundo o mesmo esquema de Isaías 5,18-19, dirigidos à Israel, a Judá e as nações vizinhas. Deus volta a ser o sujeito da ação, apresentando as conseqüências desta ação, no qual mudará a situação e resolverá a oposição das duas partes em litígio. A má conduta e as rebeldias de seu povo, levam-no a se decidir por eliminá-lo, daí a facilidade de entendermos novamente a razão de Isaías introduzir esses oráculos através da invectiva profética yAh .
As imagens de movimento de Isaías 5,19 contrabalançam as do verso 18 e unem-se retrospectivamente com o verso 12 deste mesmo capítulo quanto ao tema. Quanto a essas acusações, relacionam-se também, igualmente a Jeremias 17,15; onde o profeta observa que muitos diziam para ele onde havia de estar a palavra de Javé e que viesse naquele momento, de igual forma a Isaías 5, 19, onde Isaías recrimina aos que diziam para que se apressasse a obra dele para que pudessem ver e se fazer conhecido. E quanto a esses, tanto em Jeremias 17,15 e Isaías 5,18-19, abandonam o Senhor, fazendo em forma de desprezo e zombaria, provocando assim, a ira de Javé. Neste sentido, o tema desta perícope está relacionado também com a introdução do livro de Isaías 1,4-9 onde o primeiro capítulo é o prólogo que apresenta antecipadamente aspectos fundamentais sintetizados de todo o livro e descreve a completa apostasia de Israel. Aqui Isaías anuncia o castigo de Judá, quase como Sodoma, e no acúmulo de várias expressões, qualifica esse mesmo povo, através de quatro repreensões: “nação pecaminosa”, “povo carregado de iniqüidade”, “semente de malignos”, “filhos corruptores”, caracterizados por mais três verbos: “abandonaram” a Javé, “blasfemaram” do Santo de Israel, “voltaram” para trás. À esses, aplica-se também o yAh, reprovação sumamente feridora, idêntica a Isaías 5,18-19.

Diante disso, observamos também que a temática desses versos relacionam-se ainda com Isaías 5,25-30, isso porque anuncia mais uma vez, o castigo da parte de Javé. E para enfatizar essa realidade, Isaías relembra o passado (verso 25), onde, segundo PETER W. , provavelmente o terremoto ocorrido sob o rei Uzias, relatado em Amós 1 e Zacarias 14,5. Contudo, podemos afirmar que o texto de Isaías 5,18-19, está estrategicamente localizado e amparado pelos demais textos que o antecedem e os posteriores, conduzindo-nos então a abordá-lo sócio-historicamente, que é o próximo passo exegético.

B. Contexto Sócio-Histórico

A atividade profética do chamado “I Isaías” abrange (no mínimo) quarenta anos de atividade, por volta dos anos 740-701 a.C. É nesse período que nasce Isaías, por volta do ano 760 a.C., durante o reinado de Uzias/Azarias (767-739 a.C.), no qual envolve tempos de tranqüilidade e que marca uma época de relativo esplendor após os tristes anos que haviam precedido. Isaías cresce em meio a certas tradições religiosas que condicionarão a sua mensagem, tais como: a eleição divina de Jerusalém e da dinastia davídica. A experiência vocacional desse jovem profeta dá-se em quatro pontos, que unidos às tradições de Sião e da dinastia de Davi, nos auxiliará a entender a sua pregação profética: a santidade de Deus, a consciência do pecado (tanto pessoal, quanto coletivo), a necessidade de um castigo e a esperança de salvação . Nesses anos que seguiram a sua vocação, dirigiu sua palavra de orientação e de exortação para as relações internas de Judá e Jerusalém.

Quanto ao contexto histórico e cultural da pregação de Isaías (na segunda metade do século VIII a.C), CROATTO argumenta que é bastante conhecido pelos relatos bíblicos de 2Reis e 2Crônicas e pelos anais assírios que narram as sucessivas campanhas militares contra a região mediterrânea e no contexto interno do país. Deve-se destacar a corrupção social e a insensatez política e religiosa da classe dirigente de Jerusalém. Daí as palavras de julgamento que predominam na atuação de Isaías.

É interessante notar que Isaías é o primeiro profeta literário que atua no Reino do Sul , e sua atividade está dividida em quatro períodos que coincidem com os reinados de Joatão (que situa no reinado de Uzias o grande bloco inicial dos capítulos 1,10-6, 13 supondo uma ordem cronológica dos capítulos), Acaz, Ezequias (de menor idade) e Ezequias (de maior idade). A maioria dos exegetas consultados concordam que a mensagem isaiana encontra-se nos capítulos 1-5, em 9, 7-20 e em 10, 1-4. Os nomes simbólicos que Isaías atribuiu a seus filhos (Sear Yasub e Maher Salal Has Baz ), demostra que toda a sua existência estava a serviço da mensagem que Deus lhe confiava. Desde os seus primeiros escritos até os últimos oráculos, seus maiores ataques são dirigidos contra os grupos dominantes: autoridades, juízes, latifundiários e políticos. Julga-se que ele pertencia a uma classe social elevada e que ele até fazia parte da aristocracia. Deve-se admitir que Isaías participava ativamente e com desenvoltura dos negócios das classes dirigentes.

A morte deste profeta deve ter ocorrido após 701 a.C. Durante os últimos anos do rei Uzias, sobe ao trono o imperador Teglat-Falasar III, que interviu diretamente na política de Judá e cuja situação não havia sido alterada durante o reinado de Joatão (739-734 a.C.), cujo período é de prosperidade econômica e também de uma independência política, que só seria ameaçada nos últimos anos deste reinado. Mas, quando tudo parece ir caminhando bem, o profeta Isaías detecta uma situação diferente. Sua maior preocupação nos primeiros anos, é a situação social e religiosa.

Isaías constata inúmeras irregularidades, tais como: as arbitrariedades dos juízes, a corrupção das autoridades, a cupidez dos latifundiários, a opressão por parte dos governantes nas quais pretendem mascarar tudo isso com uma falsa piedade e abundantes práticas religiosas. E quanto a isso tudo, ele reage, combatendo essas injustiças de forma enérgica. Nesta época, Jerusalém deixou de ser a esposa considerada “fiel” e passa a ser considerada uma prostituta (cf. 1,21-26), a vinha cuidada por Deus só produz frutos azedos (cf. 5,1-7). O luxo e o bem estar provocam o orgulho em certos segmentos do povo. Por vezes este se manifesta de modo superficial e infantil, como no caso das mulheres (3,16-24) mas há ocasiões em que ele conduz a um esquecimento real e absoluto de Deus, como se Ele não tivesse importância em comparação com o homem. A isto responde o profeta com o magnífico poema de 2,6-22, onde se observa o enorme impacto que produz nele a experiência da santidade de Deus, tal como ele a conta no capítulo sexto. Isaías quer, com seu discurso profético, exortar os ouvintes, fazendo-os perceber que a situação que estão vivendo atualmente não é tão boa quanto apresenta. E como conseqüência disso, ele começa a desenvolver amplamente o tema do castigo (2,6-22; 3,1-9; 5,26-29).

Contudo, seu interesse principal está na conversão do indivíduo (1, 16-17; 9,12), e que ele pratique a justiça, se mostre humilde diante de Deus. E seu desejo íntimo é que Jerusalém retome a identidade de uma cidade fiel. A denúncia do pecado e o anúncio do castigo estão subordinados a esta mudança profunda no povo de Deus.

Quanto a sabedoria política, aparece muitas vezes como a mais alta forma de sabedoria. Com grande frequência, nos livros proféticos, sobretudo em Isaías e Jeremias, os conselheiros reais, os funcionários do rei, os escribas, são chamados simplesmente de “sábios”. Essa sabedoria política surge como a virtude por excelência dos reis, na qual era considerada como uma participação na sabedoria divina – era um Dom de Deus. Isaías se mostra bem relacionado nesse meio dos sábios. Conhece bem os esquemas funcionais e as regras dessa sabedoria política.

Nesse sentido, ASURMENDI relata que não se pode afirmar que Isaías pertencia a esse círculo de sábios e exercia uma função precisa na corte de Jerusalém, porque não há nenhum texto que o diz. Pode-se conhecer um ambiente, seus modos de pensar e agir, sem a ele pertencer. Entretanto, esse conflito existente (entre Isaías e os conselheiros de Judá) originou-se das circunstâncias políticas, sociais e religiosas existentes. E é nesse contexto que surge os oráculos proféticos. Especificamente em Judá, qualquer tendência para um (Assíria) ou para outro lado (potência do momento) devia ser julgada para se definir se tal opção podia concordar com a fé em Deus.

Isaías acusa os escribas do seu tempo de seguir um caminho de sabedoria que nada tinha a ver com a sabedoria divina, com o plano de Deus. Esta perícope aborda um desses conflitos: o versículo 18, por exemplo, nos informa que os habitantes de Jerusalém praticavam gestos ou ritos mágicos contrários a fé javista. Significava que eles haviam abandonado essa fé, que não tinham confiança no seu Deus e tentavam obter resultados por outros meios. Com isso, eles zombavam de Isaías e provocavam a ira do próprio Deus. Já no versículo 19, encontramos dois termos técnicos que designam a obra e o plano ou projeto de Deus. O que pressupõe que este profeta já havia falado sobre isso em alguma ocasião e que na sua pregação, já apresentou Deus como alguém que tem seus próprios projetos, seus próprios planos de ação. Entendemos que para Isaías, o não cumprimento dessa profecia implicava numa dureza de coração, que para ele, era um caso particular da ação histórica de Javé para com Israel e em seu primeiro relatório de atividade, sublinha o fato de que Jerusalém e Judá se revoltaram, e denuncia expressamente essa dureza de coração como um pecado .

Chegamos a conclusão que a pregação profética tinha como ponto de partida uma série de convicções profundas a partir das quais o profeta lançava sua mensagem. Assim, pois, naquelas circunstâncias, política concreta, Isaías baseava-se que Deus prometera sua assistência à dinastia davídica e que era preciso que o povo colocasse sua confiança nessa promessa e ele também constata que os habitantes de Judá tinha planos diferentes dos planos de Deus, e os outros, vendo que os planos de Deus anunciados pelo profeta não se realizavam, eram tentados a crer que seus próprios planos eram os verdadeiros e que portanto, poderiam corresponder (enganosamente) aos de Deus.
6. SÍNTESE DO SIGNIFICADO

Embora os primeiros anos do profeta Isaías, Judá desfrutava de liberdade e prosperidade, portanto, uma situação inicial tranqüila, que posteriormente transformaria num período turbulento, houve a necessidade de se formular um discurso profético contra certas situações existentes que eram contrárias a fé javista. E Isaías o faz, inicialmente utilizando o “Ai” (yAh), usado também por outros profetas, para legitimar que aquela palavra descrita por eles iria se cumprir ou também para descrever a trágica situação de um povo tanto naquele presente quanto no futuro, contendo também um sentimento de lamento devido a essa situação e expressavam, contudo, uma realidade de justiça aos opressores e àqueles que eram oprimidos.

E como essas invectivas serviam para introduzir um assunto, temos aqui uma sentença profética denominada “oráculo de juízo contra uma coletividade”, destinada especificamente aos escribas-conselheiros de Judá, por causa de um conflito interno entre duas sabedorias , devido situações político sociais religiosas. Embora alguns desses oráculos quando anunciados podiam ser prósperos, aqui não se vislumbra nenhuma palavra de esperança . Com esse oráculo, Isaías quer esclarecer que esses sábios deviam reconhecer a sabedoria de Javé e que Ele possui o Seu plano e o mesmo destina-se à terra inteira e que todos os povos devem ajustar-se a eles.

Isaías acusa esses escribas-conselheiros de desconhecer o plano divino na história e seguir um caminho de sabedoria diferente da sabedoria e do plano divino, conforme indica o verso 18. Além desse conflito existente, também havia aqueles que desprezavam esse projeto salvífico de Javé, zombando e provocando a ira de Javé, ironizando assim, a pregação do profeta. “A ironia , no caso, é aquilo que estão pedindo (“que Deus se apresse”) se realizará, para o azar deles !” . Sendo assim, Isaías apresenta seu discurso de forma direta, descrevendo as transgressões acima citadas sem outras expressões de causas ou efeitos ou até mesmo transição, mesmo sabendo que o profeta esforçava-se para encontrar uma forma apropriada para discursar.

7. RELEITURA

A. Teológica

Haja visto que é necessário formular uma teologia a partir do texto, possibilitando com isso, uma via de contato entre a produção teológica contextual do texto com o conteúdo atual, tentaremos buscar esta teologia de forma que ela encontre possíveis soluções para os problemas atuais, com base em Isaías 5,18-19. Levando em conta os quatro pontos vocacionais isaiano, podemos dizer que esta perícope contém em seu segundo aspecto dessa experiência, “a consciência do pecado” (tanto pessoal, quanto coletivo), bem como a necessidade de um castigo, embora não apresentado explicitamente, e também não fornecendo indícios para enxergarmos o quarto aspecto, que é a de esperança de salvação.

Com o esclarecimento que Isaías faz quanto a acusação relativa à esses sábios, a partir do verso 18, para “aqueles que desconhecem o plano de Deus na história”, e por isso, seguiam caminhos de sabedoria divina e plano diferente, ele quer denunciar que entre as duas sabedorias conflitantes nesta época, a referente a Deus é que se sobressai às outras. Nesse mesmo sentido, o verso 18, por exemplo, nos informa que os habitantes de Jerusalém praticavam gestos ou ritos mágicos contrários a fé javista. Significava que eles haviam abandonado essa fé, que não tinham confiança no seu Deus e tentavam obter resultado por outros meios. Com isso, eles zombavam de Isaías e provocava a ira Dele próprio. Portanto, observamos que apesar de ser dois versos, trata-se de um mesmo assunto, que é descrito sob a forma como foi apresentado, dando uma idéia dupla inicial. Entretanto, podemos afirmar que, referente o pecado que cometiam, era então errar o caminho ou o alvo, desviar-se completamente dos caminhos oferecidos por Javé, e ainda, zombar Dele, utilizando-se para isso uma forma irônica, provocando Sua ira. E quanto àqueles que desprezam esse projeto salvífico de Javé, ele quer esclarecer que Deus possui conhecimento desta postura e na sua exortação, Isaías o faz com o objetivo de convencer àqueles que iriam ouvir, a corrigirem suas práticas ilícitas morais, sobretudo, restabelecer a fidelidade a Javé e, também protegê-los e/ou alertá-los, contra o perigo constante ameaçador da idolatria.

Quanto a relação do texto de Isaías 5,18-19 com o Novo Testamento, observamos inicialmente que o Antigo Testamento foi utilizado. Em algumas traduções atuais, no verso 18 desta perícope, está relacionado com o Evangelho de Lucas 20,9-28, porém, o autor cita somente a partir do início do capítulo quinto, cujo tema é o “cântico da vinha”, onde não encontramos indícios referentes a esta perícope, devido o assunto abordado pelo método exegético de Jesus, ou quem escreveu, ou seja, que foi usado, só que em situações diferentes e não utilizou todo o capítulo e sim parte dele.

Quanto ao verso 19 desta perícope, em outras traduções, há uma subdivisão, onde esta perícope faz parte de uma seção denominada “maldições”, daí então entendemos quando CROATTO disse que “não se vislumbra aqui nenhuma palavra de esperança”. Trata-se da citação escatológica de II Pedro 3 denominada “aos falsos doutores” o que ajuda a relacionar Isaías 5,18-19 com o Novo Testamento, mais particularmente com o verso 4º desta epístola.

Encontramos também, dois termos técnicos que designam a obra e o plano ou projeto de Deus. O que pressupõe que na sua pregação, Isaías já apresentou Deus como alguém que tem seus próprios projetos, seus próprios planos de ação. Desta forma, ele segue encerrando, utilizando a expressão “plano”, muitas vezes entendida como “projeto”, isso tudo para assegurar/confirmar, que a proteção para Jerusalém e do país, estão Nele (Javé) e, não em alianças de vassalagem com a Assíria, Babilônia ou o Egito.

B. Atualização

Propondo uma nova perspectiva de atualização desse texto para entendê-lo e torná-lo compreensível para os leitores de hoje, ficamos a pensar quem são ou podem ser os sábios conselheiros de hoje, que, se autodenominam “religiosos”, “sacerdotes”, “bispos” ou outras denominações deste tipo, e que, muitas vezes, em nome do Sagrado, e por causa de uma posição eclesiástica elevada, desconhecem ou até mesmo desviam-se e se esquecem dos propósitos e/ou planos de Deus na história passada e atual.

E muitas vezes, quando fazem algum reconhecimento, destinam-se para benefícios próprios. Daí entendemos quando o profeta Isaías, em seu discurso profético, não se utiliza de nenhuma palavra de esperança para “esses”. Talvez, se formos pensar nos dias de hoje, pois “sabem” da verdade e as distorcem em benefício próprio ou de outrem, sendo que esse se converte no final à eles mesmo, daí a razão de não receberem nenhuma esperança da parte de Deus, ou seja, já estão julgados.

É devido a isso que o profeta utiliza o recurso da invectiva profética (yAh), usada no âmbito de lamento fúnebre, em outras palavras quer relatar algo que já está julgado, e percebemos que não é diferente de hoje, só que às vezes, mudamos um pouco a linguagem. Da mesma forma, podemos dizer que há duas sabedorias; a dos homens, e a de Deus, onde a primeira conduz a um caminho e um plano diferente da Segunda e ao Seu plano, onde as duas não se compatibilizam. Como se não bastasse, essa sabedoria humana, muitas vezes gera uma competição com outras sabedorias eclesiásticas existentes, onde sábios iguais àqueles usam de ironia dizendo que seu Deus é melhor do que os outros, fazendo uma duplicidade da pessoa divinal.

Contudo, novos profetas estão sendo levantados no meio do povo de Deus e, cabe, portanto, diante dos expostos nesta pesquisa, formular um discurso atual e contextualizado, baseando-se nos estudos mais aprofundados e fundamentados possíveis para conscientizar os fiéis de nossa comunidade quanto a essa classe de pessoas que se auto denominam “conselheiros espirituais” ou “sábios” em nome do Ser Sagrado e muitas vezes nem possuem e nem se esforçam para tal, em ter um ensino adequado e atualizado que se reverta em benefício da comunidade e da sociedade que estão inseridos.

Para isso, há o profeta, que tem a função de anunciar esta mensagem, seja ela de exortação (condenação) ou de salvação (esperança), orientando-se também, pela pesquisa exegética do texto, que o levará a descobrir o significado correto da mensagem que deve anunciar.

CONCLUSÃO

A realização de um trabalho de pesquisa exegética leva-nos a enxergar todas as nuanças contidas no texto, bem como seu significado, quebrando algumas concepções e interpretações distorcidas, alegóricas e enganosas da Palavra de Deus. Após concluirmos este estudo em Isaías 5,18-19, estamos certos de que o profeta Isaías revelou-nos uma profunda preocupação com a sociedade vigente de sua época.

Pois, num momento de conflito entre sabedorias existentes, devido a motivos político social religioso, ele se posicionou como profeta que era de Javé e anunciou o previsto por Ele sem levar em consideração o desprezo ou retalhações que poderia ocorrer, por se encontrar num local onde toda a classe dirigente, tais como reis, sacerdotes, profetas, conselheiros ou sábios se encontravam, sendo que este discurso, conforme abordamos, é dirigido a essa última classe citada.

Entretanto, Isaías apresenta seu anúncio profético de forma clara e direta, deixando claro que Javé está irado com tais zombarias e desprezo desses homens e que ele tem um plano salvífico para toda a terra e que sabedoria igual a Dele não há. Da mesma forma hoje, isso contribui para que os novos líderes ministeriais da Igreja Cristã estejam atentos para com as novas doutrinas que invadem-nas constantemente e que afastam o povo de Deus.

E para isso, é preciso se colocar no lugar do profeta, anunciando a qualquer custo, principalmente onde a necessidade humana se faz mais gritante, isto é, na classe social excluída, a verdadeira mensagem vinda do único Deus, revelada também por meio das Escrituras Sagradas. Assim, esperamos que o objetivo deste trabalho exegético tenha sido alcançado, podendo inclusive, contribuir para essa reflexão hermenêutica atual a partir de Isaías 5,18-19, levando em conta sua época e origem e como a Igreja vai entendê-lo hoje.

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