Autor: Paul Zahl
Catedral do Advento – Birmingham, Alabama, EUA
Como um episcopal norte-americano, sou, também, um evangélico. Devo reconhecer que a crise na (P)ECUSA é dolorosa tanto no que se refere a certos aspectos da nossa “americanidade” quanto a certos aspectos de uma teologia opaca.
O episódio de 11 de setembro de 2001 levou os americanos, pela primeira vez, a tomarem consciência do seu desvio em relação ao resto do mundo. Esse desvio criou uma desconexão. Essa desconexão existe entre o modo como nos compreendemos a nós próprios e o modo como os outros nos compreendem. Os problemas da (P)ECUSA não teriam chegado a ponto de fervura – o cisma da AMIA (Missão Anglicana na América) – se setores influentes da Igreja Americana não tivessem repudiado a Conferência de Lambeth de 1998, como se ela nunca tivesse ocorrido. Os episcopais norte-americanos, em grande número, declararam: “Nós não ligamos nem um pouco para o que o resto da Comunhão pensa acerca da sexualidade humana. Nós seguiremos o nosso próprio caminho. Para essa gente, muitas delas ministros ordenados, é como se a Lambeth 1998 fosse como o Tratado de Kyoto sobre o aquecimento da terra: nunca tivesse existido”.
Os sintomas atuais da crise da nossa Igreja (Protestante) Episcopal, expressados em termos intra-eclesiásticos, têm sido o domínio inquestionável do “Catolicismo Liberal”. Esse “Catolicismo Liberal” combinou idéias “liberais” da Antropologia (p.ex., a negação do pecado original, com uma concepção otimista da natureza humana) com uma forma eclesiástica como a de William Laud, porém sem a sua paixão. Em virtude do fato de que o evangelicalismo anglicano morreu nos Estados Unidos em 1874, como resultado do “Cisma Cummins”, não houve nenhum contrapeso à ascensão do “Catolicismo Liberal”. Essa ascensão, combinada com o vírus disseminado no anglicanismo de priorizar o eclesiástico ao imperativo do Evangelho, tornou o episcopalismo norte-americano agressivamente superficial.
Vivemos uma crise. Essa é a verdade. Essa crise tem se projetado sobre todo o mundo anglicano, porque, o que acontece nos Estados Unidos, para o bem ou para o mal, se torna epidêmico, dado ao papel hegemônico da economia e da cultura norte-americana.
Quando olhamos para essa Igreja eclética e conflituosa, simplesmente nos perguntamos: “Como chegamos a esse ponto?” Como a Igreja cristã que veio para este país em 1607, com o Capitão John Smith e os primeiros colonos ingleses, a Igreja de George Washington e de Thomas Jefferson, de J. P. Morgan e de Franklin D. Roosevelt, percebeu-se em 1998 estando à beira do precipício de um cisma com os seus correligionários do resto do mundo?
Recapitulamos que, até 1874, a Igreja (Protestante) Episcopal nos EUA era como a Igreja da Inglaterra em seu Livro de Oração (LOC) e Artigos de Religião e na sua autocompreensão. Sua principal diferença era a separação do Estado. Tínhamos setores “altos”, “baixos” e “largos”, éramos pragressistas na liderança do clero, amplamente protestantes em seus costumes eclesiásticos, e, em geral, desconfortável com o reavivalismo e o evangelicalismo extremado.
Com a ascensão do Movimento de Oxford e a ascensão do “liberalismo” teológico a Igreja Protestante Episcopal foi incapaz de sustentar uma sólida identidade cristã, alternativa ao espírito do século.
Como sua mãe, a Igreja da Inglaterra, a Igreja (P) Episcopal nos EUA foi afetada até a base pelo tratarianismo e seu filho, o anglo-catolicismo. E, como sua mãe, sua filha foi atingida pelo “liberalismo” dos Ensaios e Revisões. Ao contrário da sua mãe, contudo, a filha perdeu o seu baluarte evangélico. Essa perda crucial ocorreu em 1874 por meio de um cisma liderado pelo bispo assistente de Kentucky George D. Cummins, que chefiou um pequeno, mas expressivo grupo de evangélicos autoconscientes e clérigos da “igreja baixa” para fora da Igreja. Eles estabeleceram a Igreja Episcopal Reformada. Essa Igreja caiu em uma relativa obscuridade, embora tenha experimentado algum ressurgimento nos últimos 20 anos. O ponto para a Igreja Episcopal é que nós perdemos os nossos evangélicos.
Após 1874 os velhos evangélicos, ou seus filhos, quase sem exceção, foram sendo tragados pelos “liberais” do século XX. Enquanto isso, o anglo-catolicismo crescia, lentamente, de início, mas, posteriormente, sem um contra-peso teológico do protestantismo evangélico, de forma acelerada. Nos anos 1970 a principal força ideológica do episcopalismo americano tinha se tornado tanto “católica” quanto “liberal”, ou melhor “católica liberal”. Esse é um fato inquestionável.
Em 1979, o novo Livro de Oração (LOC), que não foi decretado como suplementar ao Livro antigo, mas para substituí-lo, tornou-se o ponto alto do “catolicismo liberal” na Igreja Americana. Inclui “correções” ao velho catecismo, com um caráter arminiano, altera completamente o foco doutrinário do ofício de consagração dos bispos, em prova de uma abstrata “unidade da igreja”, reduz os 39 Artigos de Religião a um “documento histórico” a par com o “Quadrilátero de Lambeth”, substitui inteiramente a tradicional oração matutina, com sua ênfase na pregação com uma pressão de rubricas para o uso exclusivo da “Santa Eucaristia” e a prática de um “Rito II” de caráter não-penitencial, e oferece uma gama de “opções” – que se tornou uma prática universal, e mesmo mandatária – superficialmente católica e de mau gosto.
Porque a Igreja Americana não tinha seus teologicamente evangélicos a bordo de sua navis ecclesial (nave eclesiástica) – com exceção de uns poucos que assim se tornaram por influência do Rev. John Stott e de outros evangélicos ingleses durante os anos 1970 e alguns mais que se converteram através do Movimento Carismático, na mesma época – a nave tem sido comandada e dirigida pelas outras duas influências. Essas influências têm determinado seu curso.
A primeira influência é um generalizado preciosismo igrejeiro. A Igreja Episcopal atrai apenas um pequeno segmento da população que gosta de “igreja”. Pessoas sérias, necessitadas, estão passando ao largo e indo para igrejas pentecostais, para o catolicismo romano ou para o presbiterianismo conservador. A nós episcopais resta a limitada colheita da gente que gosta de “igreja”, com uma oca beleza estética, mensagens e hinos belos e sem conteúdo.
A segunda influência é a cultura que nos cerca. A cultura religiosa de denominações semelhantes à nossa, com débil ensino bíblico. Assim, o lobby feminista ontem e o lobby gay hoje têm sido extremamente bem sucedidos entre nós. Se nada é claramente certo – o ensino bíblico, por exemplo – então tudo é certo.
Por que um cristão bíblico permaneceria conosco, quando não valorizamos o não duradouro e o não bíblico? É o mesmo que acontece com algumas denominações tradicionais, como a Metodista Unida, a Igreja Presbiteriana nos EUA, a Convenção Batista Americana etc.
Minha esposa e eu estudamos no exterior, particularmente com evangélicos da Igreja da Inglaterra. Deus nos levantou na (P)ECUSA e nos pôs em contato com pessoas como George Carey, Michael Green, Colin Buchanan, e, posteriormente, com bispos como Michael Nazir-Ali, Mike Hill e John Taylor. Estudamos também em Tübingen. Tudo isso foi uma boa injeção de anticorpos injetada na corrente sanguínea dos nossos vinte e poucos anos.
Nós cremos que a face de 1979 da Igreja Episcopal dos EUA é uma aberração na história do Anglicanismo. Ela não poderá florescer em um mundo cujas necessidades e catástrofes demandam respostas mais sérias. O presente ethos da (P)ECUSA tem pouco a dizer, além da “presença pastoral”, a um mundo do pós 11 de setembro. Estamos esperançosos – senão esperançosos em curto prazo – que os eventos e as insistentes necessidades do mundo irão superar a enfermidade da (P)ECUSA e forçar nossa Igreja a retornar às suas raízes. E as raízes estão lá! Tivemos um Nicholas Ridley uma vez, tivemos um Charles Simeon e um John Wesley, tivemos um Janani Luwun, e, mesmo de um diferente ponto de vista, um George Bell. Nós não perdemos nossas esperanças para o Cristianismo Anglicano.
Meu temor, em curto prazo, contudo, é que muitos, senão a maioria das pessoas evangélicas ou comprometidas com a Bíblia, poderão deixar a (P)ECUSA nos próximos 10 (dez) anos. Foi isso que ocorreu em 1874 – que foi um ano decisivo. Os evangélicos mais comprometidos deixaram a Igreja Episcopal. Os mais moderados se aquietaram e perderam o entusiasmo. Seus filhos tornaram-se teologicamente liberais. Tivemos, também, um grande êxodo de episcopais tradicionais após 1979, com a adoção do novo LOC e revogação do anterior. Temo que eles se tornem raros, absorvidos por uma “maioria silenciosa”.
Qual é a solução para os problemas da Igreja (Protestante) Episcopal dos EUA? Qual é a nossa esperança, ou por que devíamos orar?
Estou orando por um reavivamento, no estilo de Wesley, entre os episcopais. Não é uma oração genérica. O mesmo faço em favor da Igreja da Inglaterra.
A vida e os ensinos do Jesus histórico permanecem imensamente atraentes hoje em dia. O diagnóstico da Bíblia sobre a problemática do ser humano continua impactante e apta: ela contém as informações necessárias. A Expiação de Cristo, a “Velha, Velha História” da Cruz, ainda deve ser pregada. O desconforto universal com a aparente terminalidade da morte é atingido diretamente pela esperança da Ressurreição. Não nos envergonhamos do Evangelho. Ainda tenho esperança.
Tradução e Condensação: Dom Robinson Cavalcanti, OSE
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