Autor: Francisco Mário Lima Magalhães
Sabe-se que a Igreja tem progredido muito na área do louvor. Pode-se dizer até que Deus tem restaurado o ministério de louvor de sua Igreja; porém, existem algumas preocupações normais àqueles que buscam, na Bíblia, base para sua adoração e tem intimidade com o Deus digno de todo louvor. Nestes últimos anos, alguns ministérios têm enfatizado, na adoração e no louvor, a Igreja como Noiva. Claro que isso é perfeitamente bíblico. As Escrituras são claras em mostrar que o povo de Deus e a Igreja de Cristo são uma noiva e Jesus Cristo, o Mestre e Salvador, o seu Noivo Amado. Porém, há alguns questionamentos a serem colocados diante de algumas letras de músicas. Por exemplo: Será que podemos nos relacionar, numa adoração pessoal, como se Jesus fosse meu noivo? Será que posso usar palavras de intimidade de uma mulher numa relação pessoal para com Deus? Será que a palavra “apaixonar-se por Jesus” é uma expressão correta?
A razão desse questionamento é porque essa linguagem é completamente desprovida de base da linguagem dos Salmos (que é o paradigma principal de louvor e adoração) e dos ensinamentos dos Apóstolos em geral. Vemos os salmistas adorando a Deus como Senhor (Sl 1.6; 5.8), Rei (Sl 2.6; 5.2) e Pai (Sl 27.10; 45.10; 68.5; 89.26; 103.13); porém, jamais numa linguagem de marido e mulher. Existe apenas o Salmo 19.5 que fala que o Sol sai como noivo de seus aposentos, mas não tem nada a ver com relacionamento de adoração. É muito estranho que os salmistas omitissem essa linguagem cantada atualmente pelos ministros atuais de louvor. É muito estranho que os salmistas adorassem a Deus somente como Pai, Senhor e Rei e esquecessem um aspecto da adoração que somente agora no século XXI é descoberto. Isso é muito estranho e difícil de engolir.
Muitos têm dito que o livro de Cantares de Salomão é uma prova dessa linguagem, mas trazer essa alegoria de Cantares para uma relação pessoal com Deus é exagero, pois o livro de Cantares traz princípios de casamento, de relação sexual e não de adoração. Pode-se até pegar por analogia algumas passagens para relacionar com Cristo e a sua Noiva, a Igreja; mas numa relação pessoal, fica a desejar. Como poderei dizer a Jesus “beija-me com os beijos de tua boca, porque melhor é o teu amor do que o vinho” (Ct 1.2)? É bem verdade que a Bíblia mostra esse simbolismo de Noiva para a Igreja ou o povo de Deus; mas o que se nota é que jamais foi usado ou ensinado para uma relação pessoal com Deus. Todas as vezes que a Bíblia fala de Noiva mostra o todo do povo, nunca a individualidade (Is 49.18,19; 61.9-11; 62.4-6). Todos esses textos falam do povo de Deus no sentido geral. É verdade também que numa generalização pode-se pensar num particular, mas isso tem que ser comprovado por outras passagens; mas no caso de Noiva, não é isso que acontece. Paulo falando aos Efésios 5.22-33 ele faz uma relação entre Jesus como Noivo e o casamento relacionando isso com a analogia do corpo. Paulo faz questão de colocar juntamente com o simbolismo da Noiva e Noivo mostrando que ele é Salvador do Corpo (Ef 5.23; 28; 29) porque o simbolismo de Noiva tem que ser visto como o simbolismo de Corpo. Uma pessoa sozinha não pode ser o Corpo de Cristo. Paulo diz que nós sozinhos somos membros do Corpo (Ef 5.30). Se alguém diz que sozinho ele é o Corpo de Cristo é um absurdo, porque Jesus somente tem um corpo e não vários, como fala Paulo aos Coríntios (1 Co 12.12; 20), mas se alguém diz que é um membro desse corpo, está correto, porque o corpo é formado do todo. Por isso que Paulo, no verso 32, afirma que se refere a Cristo e à Igreja. Paulo enfatiza isso para mostrar que não se pode dizer que alguém sozinho é a Noiva de Cristo, porque Cristo só tem uma Noiva, não várias. Somos parte do corpo dessa Noiva e não sozinhos sendo a noiva de Cristo. Por isso que em Apocalipse 21.2,3 fala da noiva ataviada relacionado-a com a Nova Jerusalém, pois o povo de Deus é simbolizado como a Nova Jerusalém como diz o autor aos Hebreus 12.22,23. Portanto, Relacionar-se como mulher ou noiva é, pelo menos, estranho ao modelo de adoração bíblica que Deus colocou na sua Palavra.
As relações pessoais mudam de acordo com as nossas relações com as pessoas. Por exemplo: a relação para com a esposa é diferente da relação com os filhos, amigos e pais. Os gregos chegavam a usar quatro verbos para expressar isso, sendo que apenas dois vêm na Bíblia: agapaö, fileö. Os outros não aparecem, embora que um só seja raiz de um outro verbo (storgeö). Mas qual a forma que Deus escolheu para uma relação pessoal com ele? A Bíblia dá o modelo de Pai, numa relação pessoal de filho para um Pai amoroso. Começa-se por Jesus: Ele ensina a seus discípulos a orarem chamando Deus de PAI, não de Noivo (Mt 6.9-13); mas alguém pode dizer: isso é na oração. Os judeus não diferenciavam a adoração da oração (como também não podemos fazer isso) por isso que eles oravam três vezes ao dia. Quando Jesus falava sobre intimidade com o Deus eterno, ele conta a parábola do filho pródigo, onde o Pai acolhe seu Filho e traz à sua intimidade. Algumas pessoas, por falta de conhecimento, dizem que na parábola das dez virgens é uma prova que podemos nos relacionar diante de Deus como Noivas. Não se precisa refutar muito isso, porque é parábola das dez virgens e não das dez noivas. As virgens eram damas de honra que auxiliavam a Noiva no casamento e esperavam o Noivo com lâmpadas acesas. O apóstolo Paulo, por duas vezes, afirma que o Espírito testifica com o nosso Espírito que somos Filhos de Deus, clamando Aba, Pai (Rm 8.14-16; Gl 4.6,7). Essa expressão é de pura intimidade; como se fosse papai. Paulo ensina que o Espírito de Deus testifica que somos filhos e não noivas. Ora, se o Espírito de Deus testifica com o nosso Espírito que somos Filhos de Deus e somos convidados a chamar Deus de Aba, Pai. Como vou me relacionar com palavras de relacionamento de mulher para homem? No livro de Hebreus, a Bíblia fala que o Pai disciplina o filho que ama (Hb 12.5-11). Ora, essa linguagem é de Pai, pois na relação pessoal, Deus se revela como Pai (Hb 12.7). Nesse verso está claro que Deus nos trata pessoalmente como FILHOS, não como esposa. Portanto, é estranho um tratamento de intimidade homem e mulher ao texto Bíblico. Existem músicas que parecem uma demonstração de carícias e não uma adoração majestosa ao Filho de Deus. Isso parece espiritual, mas de uma certa forma distorce a relação correta para com Deus tirando a sua majestade e soberania na intimidade. Quando nos relacionamos com Deus como Pai e filho, apesar da intimidade, não esquecemos que ele é o Pai nosso que está nos céus, que ama e disciplina, que ele faz tudo para o nosso bem sem que nós entendamos.
Quanto à linguagem “estou apaixonado por Jesus”. Tem-se que admitir que se quer falar de uma vida voltada para Deus em profunda devoção e santidade; porém, essa palavra está equivocada, porque pode conotar várias coisas. Primeiro, nós precisamos atentar que a palavra paixão ela é completamente extinta para a relação com Deus. Não há uma só base bíblica para, pelo menos, torcer sobre isso. Paixão na Bíblia, escrita pelas palavras gregas epithumia – concupiscência; pathos – paixão, sofrimento, todas elas são relacionadas à carne e ao pecado. Porém, tanto o VT como o NT ordena-nos a AMAR – agapaö (Dt 6.4; Mc 12.29). A Bíblia diz para nós amarmos o Senhor, não apaixonar-se. A paixão é sentimental, passageira, carnal, mutável; o amor é permanente, prático e divino porque Deus é Amor. Jesus autentica esse mandamento dizendo da mesma forma: amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Aqui está o homem completo, que em todos os âmbitos deve amar ao Senhor. Portanto, pode-se entender essa linguagem, pois pela influência errada de ministros de louvor, a igreja passa a usar; mas embora que se entenda, é melhor evitar o que se pode interpretar erroneamente e usar a linguagem que possa expressar o real sentido para uma adoração perfeita e agradável a Deus.
Há aqueles que defendem baseado na carta de Jesus no Apocalipse à Igreja de Éfeso (Ef 2.1-7), mas, os que advogam isso, desconhecem alguns fatores exegéticos e hermenêuticos importantes. A expressão usada nas traduções, às vezes, despista o sentido, pois a expressão grega usada com o adjetivo prötön é atributiva, mostrando ênfase na qualificação do adjetivo principal, porque o adjetivo prötön quer dizer primeiro, principal, essencial. Conforme o contexto, deixa claro que diz respeito a principal, mesmo porque nos tempos de João não se relacionava amor a paixão. Isso é um erro grave. Essa relação veio com Camões na idade Média. O substantivo agapë no texto grego, inclui prática. O amor de Deus tem que ser prático, por isso que no verso cinco Jesus exorta a Igreja a voltar às principais obras, que seria o amor. Paulo, escrevendo à própria igreja de Éfeso diz que eles deveriam andar em amor (Ef 5.2-5). Nos versos seguintes, Paulo exorta a igreja a não andar em práticas contrárias à prática do amor.
A expressão ten agapën sou ten prötën seria melhor traduzida se fosse: deixastes o teu amor, aquilo que é principal. Notem que o adjetivo atributivo vem depois do substantivo com o artigo, mostrando uma aposição. Portanto, fica mais fiel não ver esse amor como Camões via – paixão, como se Jesus dissesse que deixaram a primeira paixão por ele. Não. Isso não procede. Jesus estava exortando que eles não estavam vivendo o amor prático, que é algo principal. Eles tinham uma ortodoxia exemplar, mas não acompanhada de prática que é outro extremo.
É digno de nota que quando Jesus chegou a Pedro para falar ao seu coração ele não perguntou: Pedro tu és apaixonado por mim? Pedro, tu casarias comigo (mesmo no bom sentido e simbolicamente)? Não. Jesus perguntou: Pedro, tu me amas? Jesus usou os dois verbos gregos no NT agapaö e fileö, mas não usou palavra nenhuma de relação de mulher para um homem ou coisa parecida (Jo 21.15-17).
Temos que admitir que não se está questionando a unção de pessoas que professam essa esdrúxula forma de adoração, mas as palavras a um Deus Pai, Filho e Espírito Santo que nos ensinou a chamá-lo de Pai, adorá-lo como Rei e inclinar-nos diante dele como Senhor, mas nunca como um namorado, noivo. A Noiva de Jesus é impessoal, não pessoal; é uma metáfora, não literal, assim como a Igreja é impessoal, mas é formada de pessoas.
O objetivo desse pequeno ensaio é trazer uma oportunidade a um debate mais amplo e levar a Igreja unir a sua ortopraxia à sua ortodoxia. Unir a sua prática com os princípios eternos de Deus, não distorcendo o que as Escrituras dizem. Se isso é novo, pode alguém afirmar, e não tem base confiável nas Escrituras, então, por favor, dêem-nos licença para rejeitar aquilo que Deus escolheu não ter como modelo para que ele seja adorado.
O autor é graduado em Teologia, Letras, Mestrando em Teologia NT. Pr. Igreja Batista Nacional em Balsas-MA
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