O cristianismo atual precisa ser fiel à sua história

O cristianismo atual precisa ser fiel à sua história
O cristianismo atual precisa ser fiel à sua história
Neste texto faço esta reflexão: O cristianismo atual precisa ser fiel à sua história.
Existe uma tradição que remete aos tempos de Jesus e da igreja no primeiro século e foi inspirada nos escritos do Antigo Testamento: Deus se preocupa com as pessoas que estão às margens da sociedade, aquelas que hoje são chamadas de minorias, vulneráveis, na base da pirâmide.

Quando em seu começo a igreja começa a se desgarrar do judaísmo uma das primeiras instruções foi que os cristãos deveriam se lembrar dos pobres. Essa instrução foi passada por pessoas que haviam andado com Jesus – seus discípulos. Eles viram e experimentaram o quanto o Mestre foi atencioso e solidário com os que sofriam e agora que a igreja vai se espalhar é imperativo seguir nos moldes dele.

Paulo em Gálatas 2.10 faz menção a este fato que lhe foi pedido que se recordasse dos pobres e, acrescenta “o que também procurei fazer com diligência”. Ou seja, não era apenas recordar ou trazer à memória. Era também necessário ser zeloso e estar ansioso em fazer isso. Note que na leitura de Atos 15 está instrução não está registrada, todavia, Paulo faz questão de a tornar pública. Era imprescindível que no mundo dominado pelos opressores de Roma os cristãos se tornassem semelhantes de Cristo.

A palavra “pobre” desse texto é a mesma usada por Jesus no Sermão do Monte e outros lugares no Novo Testamento para expressar os pobres, os destituídos. O termo não pode ser entendido como pobres de espírito como muitos tendem a fazer. O próprio Paulo se encarregou de cumprir com o que foi pedido (Gl 2:1–10, 1Co 16:1–4, 2Co 8–9, e Rm 15:14–32). Tiago, que estava na reunião do concílio de Atos 15 também expressa essa preocupação no capítulo dois de sua carta. O sujeito da sua instrução é o pobre.

Os primeiros cristãos pertenciam a grupos socialmente diferenciado, mas de maneira alguma brutalmente polarizado. O que eles precisavam era de imagens de solidariedade que enfatizassem a união de grupos distintos e potencialmente opostos: quanto maior a distância imaginada entre ricos e pobres, mais triunfante foi a superação dessa distância em uma comunidade cristã unida (Peter R. Brown).

Nas cartas de Paulo, Brown argumenta, a riqueza não era para ser renunciada. Era para ser usada de duas maneiras: apoiar o trabalho religioso e dar sustentação aos pobres entre os santos que era o que o Paulo sempre pretendeu fazer. Temos então na igreja embrionária uma demonstração clara que sem a compaixão e a solidariedade aquela comunidade não teria sobrevivido.

Quando trazemos isto para os nossos dias, eu não gosto de pensar que hoje é melhor ou pior do que aqueles tempos. Cada contexto traz seus desafios e oportunidades. Cada geração lega a futura geração um conjunto de práticas e valores que em tese perpetuam a continuidade do cristianismo. Se em gerações no passado mais recente o cuidado com os pobres foi relegado, o contexto atual oferece a oportunidade para esta geração de cristãos recuperar a sua tradição e alinhar-se com a história dos primeiros cristãos(ãs) na solidariedade e no compromisso ativo da compaixão.

Chorar com os que choram é marca mais distinta do cristianismo. É ação que atinge mais profundamente a alma e coração do outro. Não existe absolutamente nada neste mundo que ultrapasse o gesto de caminhar quantas milhas forem necessárias para que o outro viva tal qual eu vivo.

Um dos impedimentos para esta ausência de solidariedade é o precário entendimento entre o céu e a terra, o aqui e o porvir, ser deste mundo e ser do outro mundo. A ideia de ter uma mansão celestial como recompensa por todos os sofrimentos sofridos: “você sofre aqui na terra, mas Deus tem reservado para você uma mansão celestial”, foi e continua sendo prejudicial para a prática da compaixão.

Um hino representativo desta ideia é O Exilado. A letra original e melodia são de autoria de Stephen Collins Foster (1826-1864) que foi composta com dialetos africanos e para ser cantada em shows onde brancos se pintavam de negros para fazer comédia. Uma letra cristã foi adaptada por um missionário americano trabalhando no Brasil usando a melodia da canção:

Da linda pátria estou bem longe; cansado estou; eu tenho de Jesus saudade, oh, quando é que eu vou? Passarinhos, belas flores, querem m’encantar; são vãos terrestres esplendores, mas contemplo o meu lar.

Sua vinda aguardo eu cantando; meu lar no céu; seus passos hei de ouvir soando além do escuro véu.

O céu é o lugar desejado e enquanto ele não chega esse cristão tem saudades de Jesus, deseja ir prontamente, precisa vigiar para não se enredar com o mundo e espera cantando. Assim, não existe missão enquanto se espera. Talvez nos dias de hoje os cristãos nem pensem mais dessa forma. Acho que na verdade são bem poucos os que esperam por este momento. Hoje, é bem provável que a aliança com os “vãos terrestres” seja uma realidade tão forte que se torna um impedimento para exercer a compaixão cristã. Ou seja, no passado era o escapismo do porvir, agora é o fascínio com os bens deste mundo.

Nos ensinos de Jesus ele une os tesouros do céu e os tesouros da terra, duas polaridades que eram irreconciliáveis, por meios de corajosos atos de renúncia e de generosidade. Assim, também na terra, dentro da comunidade cristã, os polos igualmente distantes entre ricos e pobres são juntados por meio do compartilhar. Como os primeiros cristãos diminuíram essa distância, também nós devemos fazer o mesmo.

Tenho percebido nas mensagens e especialmente nos discursos nas mídias sociais uma reflexão sobre o abismo entre os que tem e os que não tem dentro das igrejas. Esse discurso infelizmente não resolve muita coisa. Quem não tem continua não tendo e quem tem não ouve e se ouve fecha o filtro para tal mensagem.

O melhor seria não enfatizar a polaridade, mas sim como construir pontes entre os que tem e os que não tem e promover por meio do compromisso como reino de Deus que as pessoas de ambos dos lados caminhem por essa ponte. Foi exatamente o que Paulo fez. Ele apelou aos crentes de Corinto que ajudassem os pobres de Jerusalém. Foi o que Cristo ilustrou na parábola do bom samaritano; foi o que Tiago fez ao apelar aos seus leitores que ficassem atentos aos que estavam desnudos e famintos.

Nós precisamos ser mais ativos neste tipo de agenciamento. Na minha experiência ministerial tenho encontrado muita gente disposta a andar por essa ponte da solidariedade.

A igreja primitiva combateu o abismo social com compaixão. A igreja dos nossos dias é miserável em compartilhar. Ela faz de si mesma o seu alvo último e assim todos os recursos que arrecada de seus membros retornam para eles mesmos. Cada dia surge uma “necessidade” interna. Sobra pouco recurso para o exercício da solidariedade e fazer com a igreja seja instrumento para encurtar o distanciamento entre os que tem e os que não tem. Quando a igreja não desempenha seu papel de formar pessoas com os ideais bíblicos ela sonega um bem precioso – ser partícipe do projeto de Deus. “Desde os seus primórdios no movimento cristão, como tratar com as riquezas e como cuidar dos pobres foram importantes aspectos para o discipulado cristão e foram ensinados para expressar ‘uma articulação essencial para a nossa fé em Deus e nosso amor para com nossos semelhantes’” (Helen Rhee).

Também não posso deixar de mencionar que o cristão como individuo é também convidado a exercer o ministério da compaixão. Sem sacrifícios não há como ajudar o outro. Paulo, preso em Roma e certamente com recursos limitados, escreve a Filemom para receber Onésimo de volta e afirma que se Onésimo devia algum dinheiro, ele, Paulo, pagaria. Isto me impressiona. Ter esse modelo de cristão e cristã em nossas comunidades.  

Esse é o tempo para a igreja voltar ao lugar do qual nunca deveria tem saído. Ao sair perdeu a credibilidade e o direito de existir. Mas, tem agora uma imensa oportunidade de chorar com os que choram e ao chorar com estes mais humildes do mundo alegrará o coração do Cristo e se alinhará com a sua missão de serviço.

Antonio Carlos Barro

Faculdade Teológica Sul Americana – Londrina PR.

Fontes usadas:

Peter R. Brown. Treasure in Heaven: The Holy Poor in Early Christianity.
Helen Rhee. Loving the Poor, Saving the Rich: Wealth, Poverty, and Early Christian Formation. Grand Rapids: Baker, 2012.

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9 Comentário

  1. Excelente reflexão! Se não estivermos dispostos a atuar nesta questão agora, quando? Não tem mais como fecharmos os olhos. Esta pandemia escancarou para todos a absurda desigualdade social presente no mundo todo! E, como cristãos, acharmos que os pobres são os que não esforçaram o suficiente ou que não foram abençoados ou que, sofrem agora, mas tudo bem, terão o céu após a morte, é crueldade.

    • Sim Vera. Acho que essa situação global vai ensinar a igreja a ser uma comunidade na verdadeira acepção da palavra. Obrigado por suas palavras.

  2. Excelente AC, penso que um dos pontos de desinteresse também em se dar acolhimento aos pobres e excluídos está no discurso político polarizado, parece que fazer o bem virou algo deplorável para uma grande parte da população, pois, sempre é preciso “fazer para merecer”. Acho que precisamos mesmo sair dos discursos reducionistas, menos polarizados e compreender que a volta para a fidelidade a um cristianismo histórico passa por aprendermos solidariedade mesmo e esse tempo que passamos este ano teria tudo para nos proporcionar essa mudança de paradigma. Será que vamos?!

    • O cristianismo nada mais é do que apenas uma visão romântica da situação desgraçada q vivi a humanidade. Deus não está preocupado com os pobre e nem com ninguém. Deus do tem poder as obre o ser humano na consepcao da vida ou da morte e não no pensamento das pessoas. O cristianismo foi criado para criar no pobre a consciência de a pobreza é o desejo de Deus.

      • Imagine se Deus estivesse preocupado com seus erros de português!…Gloria a Deus por isso.

  3. Que texto! daqueles que faz a gente suspirar, pensar, chorar e se arrepender.A que ponto chegamos, parece que falar de solidariedade e compaixão hoje é um tanto utópico. A igreja precisa urgentemente desensimesmar e voltar a suas origens. Na parábola do bom samaritano, percebemos que a solidariedade de Jesus é movida pela compaixão, Isso quer dizer que o sofrimento dos pobres e oprimidos causava um efeito muito forte em Jesus (compaixão) e a solidariedade era a resposta a esse sofrimento. “Que haja em nós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus”.

  4. Que verdadeiramente o caráter de Cristo seja formado na nossa vida. Que Jesus seja sempre o nosso maior modelo a ser seguido, pois basta ao servo ser como o seu Senhor e o discípulo ser como o seu Mestre. Parabéns pelo artigo.

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