Autor: Ronaldo Lidório
Fomos positivamente bombardeados nestas três últimas décadas pela missiologia do avanço final onde Ralph Winter defendia uma abordagem em massa em direção aos 13.000 povos não alcançados da terra sendo seguido por movimentos mundiais como o AD 2000 que propuseram “uma igreja para cada povo e o evangelho para cada pessoa até o ano 2000” onde foram listados inicialmente mais de 10.000 grupos sem uma igreja com pelo menos 100 membros. Logo depois missiólogos como Patrick Johnstone conseguiram fragmentar o estudo identificando menos de 4.000 etnias totalmente não alcançadas enquanto a World Mission International em uma avaliação recente estima que apenas 2.227 grupos e subgrupos étnicos não possuam hoje uma igreja presente entre eles. As estatísticas mostram um incrível avanço missionário nestes últimos 30 anos.
Sem dúvida não podemos questionar o avanço da Igreja Evangélica que entre 1999 e 2000 obteve um índice de 6.1 por cento em termos de crescimento global sendo assim o maior índice de crescimento entre as principais religiões mundiais, incluindo o Islã . Também não podemos minimizar o avanço das Missões que se puseram a encontrar, estudar e catalogar os grupos ainda não alcançados pelo evangelho fazendo-nos saber quem eles são, onde estão, quantos são e quais as principais barreiras para alcançá-los.
É preciso, entretanto, compreender que ao mesmo tempo em que antigas barreiras foram derrubadas outras novas tem se formado pois não vivemos em um mundo estático e precisamos de uma missiologia mais ágil do que precisávamos 10 anos atrás. Também algumas antigas barreiras não têm dado sinal de mudanças. Permita-me citar 4 novas fronteiras com as quais, creio, lidaremos nestas próximas duas ou três décadas.
A redoma de resistência entre os não alcançados
Vemos que os povos que foram alcançados dentre os 13.000 inicialmente propostos por Winter e McGavran seguiram a regra da menor resistência, e esta é uma regra normal. Ou seja, em regiões onde haviam três grupos não alcançados, houve penetração missionária nos dois que demonstravam menor resistência, seja geográfica, política, religiosa, lingüística, cultural ou espiritual. O mais resistente ficava para um segundo momento. Em linguagem simples poderíamos afirmar que filtramos estes 13.000 povos não alcançados e portanto o que temos em nossas mãos neste início de milênio não são simplesmente outros 2.000 PNAs (Povos Não Alcançados) mas sim justamente os 2.000 mais resistentes em toda a história do Cristianismo. Consequentemente precisamos agora de maior preparo missiológico, cultural e lingüístico que os missionários há 50 anos atrás. Também precisaremos de nova motivação e pioneirismo e sobretudo da graça de Deus. Poderíamos chamar esta primeira fronteira de redoma de resistência.
Tomemos os grupos nômades como exemplo. Se olharmos de perto o avanço missionário entre eles perceberemos que 90% deu-se entre os chamados seminômades que apresentavam maior tolerância à abordagem missionária e, de acordo com o Dr. David Philips da WEC International (Missão AMEM), há ainda mais de 150 grupos nômades totalmente não alcançados no mundo. Atingimos, em regra, os menos resistentes. Menor resistência funciona em geral como uma lista de oportunidades no mundo missionário. Desta forma creio que precisaremos de mais graça divina, energia humana , força missionária, apoio eclesiástico e tempo em potencial para alcançar estes próximos 2.000 PNAs do que jamais foi exigido no passado.
O desdobramento étnico entre os isolados
O desdobramento étnico é uma expectativa existente em boa parte da antropologia mundial, mesmo os não cristãos. Parte do pressuposto de que a maioria destes 2.000 grupos étnicos não alcançados nunca foram mapeados antropologicamente fazendo com que haja uma grande possibilidade de que cada nome nesta lista corresponda a bem mais do que apenas uma etnia. Comumente encontramos uma nação étnica onde diversas tribos, falando dialetos similares e possuindo coexistência cultural, dividem o mesmo território. Assim aconteceu com os Frafras no noroeste africano quando se descobriu que não formavam apenas um povo mas sim dois grupos distintos lingüistica e culturalmente. O segundo se intitulava Kassena. Os Natuis da Papua Nova Guiné, tidos como um só grupo por pelo menos 1 século, mostraram-se como 7 diferentes etnias vivendo em relativa harmonia e compartilhando o mesmo território. Os chamados Maku na Amazônia representam 4 etnias distintas. Alcançar um não pressupoe alcançar todos.
O fenômeno do desdobramento étnico entre grupos isolados ainda não mapeados antropologicamente atingiu 70% dentre os que foram estudados cientificamente nos últimos 50 anos tendo uma média de desdobramento de 4.2 de acordo com o departamento de antropologia da London University, ou seja, em 70% dos grupos isolados que sofreram uma abordagem antropológica nas últimas 5 décadas, cada um escondia, em média, outros 3. É possível portanto que os nossos 2.000 PNAs tornem-se na verdade algo em torno de 5.000 a 8.000 grupos e subgrupos étnicos. Ainda há um bom caminho a andar.
A incapacidade de evangelização local por igrejas locais
Outra nova fronteira com a qual deveremos lidar nestas próximas duas décadas é a da incapacidade de evangelização local por igrejas locais. Devemos lembrar que nem todos os países do mundo experimentam um bom crescimento da Igreja Evangélica como o Brasil, Coréia e Nigéria. Segundo David Barrett há mais de 4.000 grupos étnicos no mundo somando um total superior a 1 bilhão de pessoas onde a Igreja local não se mostra forte o suficiente para alcançar seu próprio povo. Também é alarmante vermos que o número de pessoas nascidas em países não cristãos é de 48 milhões por ano de acordo com a Global Report Magazine.
É preciso repassar estes 4.000 grupos por uma nova avaliação de avanço missionário, caso contrário terminaremos estas próximas duas décadas com um número expressivo de etnias onde o evangelho, já exposto a eles, permanece desconhecido pela maioria. Seriam eles realmente alcançados ?
A vasta diversidade lingüística entre grupos minoritários
Dentre as 6.528 línguas vivas no mundo possuímos a Bíblia completa em 366, o Novo Testamento completo em 928 e outras 918 línguas com grandes porções, ou seja, a Palavra está expressivamente presente em 2.212 línguas. Entretanto, de acordo com a Wycliffe Bible Translators há 4.000 línguas que não possuem sequer uma porção da Palavra sendo que 70% destas são definidas como minoritárias. Aqui lidamos com um fato da cultura cristã: tem se tornado cada vez mais difícil arregimentar força missionária para alcançar grupos étnicos minoritários, especialmente aqueles que contam com menos de 300 pessoas. De acordo com o Ethnologue, 4.000 das 6.528 línguas existentes são faladas por apenas 6% da população mundial e é aí que o nosso desafio está localizado.
Outro aspecto que deve ser lembrado quando tratamos da tradução da Palavra é que vivemos em um mundo onde ainda 2 bilhões de pessoas não conseguem ler ou escrever seja por falta de alfabetização ou por pertencerem a grupos ágrafos. Isto significa que não poderiam ler a Palavra mesmo se a tivessem em sua própria língua.
Considerando que um número cada vez menor de missionários tem tido o tempo e estrutura suficientes para trabalhar na tradução bíblica ao mesmo tempo que desenvolvem um programa de alfabetização, corremos um outro risco: terminarmos as próximas três décadas com porções da Palavra traduzidas para a maioria das línguas mundiais ao mesmo tempo em que o índice de leitores nestas línguas diminui sensivelmente. Se isto ocorresse teríamos mais Bíblia traduzida e menos leitores em potencial nas próximas 2.500 línguas mais necessitadas do evangelho. Este já é um fato infelizmente visto em países como Guiné Bissau e Costa do Marfim.
Conclusão
Nesta entrada de milênio fomos mais uma vez bombardeados por um crescente número de propostas missiológicas visando apressar a conclusão do alcance do mundo que ainda desconhece o evangelho. Muitas foram novas idéias, novas propostas ou novas estratégias. David Hesselgrave alerta-nos dizendo que “nem todo novo pensamento é dirigido pelo Espírito. Nem tudo o que é novo é necessariamente bom. A Bíblia é antiga, o Evangelho é antigo e a Grande Comissão é antiga…”. Na verdade ele defende que neste imenso mar de necessidades no mundo não alcançado precisamos entender que “o evangelho dá a direção… pois a Palavra precede a nossa visão”
O desafio que temos pela frente estatisticamente pode ser descrito como 2.000 PNAs que poderão ser fragmentados em um número até três vezes maior, mais de 4.000 línguas e dialetos sem porções da Palavra, cerca de 150 grupos nômades sem presença missionária, 103 tribos não alcançadas em nosso próprio país e 72% de todos os grupos intocados pelo evangelho vivendo em países com fortes limitações políticas e religiosas. É portanto parte da nossa missão conhecer tais barreiras, estudá-las e transpô-las conhecendo os tempos e discernindo as épocas para a glória de Deus.
Faça um comentário