Autor: Sérgio de Gouvêa Franco
Oração: Envia o teu Espírito de amor para a minha vida, amém.
1. Preparação para o Encontro com Deus
Costumamos manter diante de Deus a aparência de um sucesso que efetivamente não temos. Mantemos a aparência de que somos melhores profissionais do que somos, melhores pais ou filhos do que somos, melhores cristãos do que somos. Fingimos diante de Deus. Queria começar este prédica com um momento de intimidade com Deus no qual podemos romper com esta ilusão. Para romper com esta ilusão de sucesso precisamos de confissão. Precisamos admitir diante de Deus exatamente o que somos. A confissão pode produzir grande alívio, porque paramos de dizer a Deus, aos outros e a nós mesmos aquilo que não é verdade. Concordamos com a verdade, concordamos com a realidade, concordamos com Deus. “Se dissermos que não temos pecado a nos mesmos nos enganamos.” I Jo 1. 8.
Queria convidar a todos a um momento de confissão diante de Deus. Convido a todos a dizer algo assim:
– Senhor eu não dou conta de meus problemas, dos meus pecados, da vida pessoal, profissional e comunitária.
– Senhor Deus eu não dou conta de minha própria vida.
Uma confissão radical diante de Deus pode produzir grande alívio e grande cura espiritual e emocional. “Se confessarmos os nossos pecados ele é fiel e justo para perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” I Jo 1. 9.
Para nos encorajar neste momento de confissão, quero ressaltar dois versos do diálogo entre Jesus e a mulher samaritana. Jesus tinha pedido um pouco de água a esta mulher samaritana. Lembram-se da história? Jesus disse a ela:
Se você soubesse quem é que esta te pedindo água, você pediria e ele te daria a água viva. (Jo 4.10).
Para receber água viva é preciso reconhecer a presença de Jesus entre nós e é preciso declarar a sede: Senhor, estou com sede. Você poderia pedir sinceramente algo a Jesus hoje? Você poderia reconhecer sinceramente o que na sua vida anda mal, o que não anda bem? Ou vai continuar fingindo que tudo vai bem?
Depois de mais uns passos no diálogo com Jesus, a mulher finalmente ganha coragem para pedir e diz a Jesus:
– Senhor, dá-me desta água.
Será que você poderia fazer uma confissão real de seus fracassos, limites e pecados hoje. E então receber o perdão radical de Deus e sua ajuda verdadeira, sua água viva? Quem é que está cheio de sua própria vida nesta manhã? Quem quer dizer isto a Jesus agora?
Vamos ter um momento de silêncio diante de Deus, dizendo quem somos e clamando por sua água viva, reconhecendo que estamos sedentos. Vamos nos apresentar diante dele como realmente somos e como realmente estamos, sem qualquer retoque.
(Silêncio e depois ficar em pé para entregar sua vida e oração a Deus.)
Ler Salmo 23. Isto a título de preparação para a mensagem
2. Leitura do Texto Bíblico: I Jo 4. 13 a 21.
3. Introdução
Tenho impressão que o medo aumentou muito no planeta depois dos ataques terroristas de 11 de setembro último. Que acham? Os psicoterapeutas que observam o mundo de um lugar privilegiado no que se refere aos sentimentos íntimos das pessoas dão conta disto. Há um certo senso de irrealidade que tomou o ar. Quem acreditaria se alguém dissesse há 6 meses atrás que dois aviões seriam lançados sobre as duas grandes torres de Nova York? Há um medo generalizado de que coisas ruins podem acontecer em qualquer parte a qualquer pessoa e que não se pode fazer muito para evitar isto. Não é mesmo? As pessoas preferem não sair de casa, preferem não viajar e cresceu a desconfiança entre os seres humanos. As companhias aéreas e de turismo estão enfrentando problemas reais em toda parte do planeta.
Claro que o medo têm raízes muito mais profundas no ser humano, anteriores a este episódio de 11 de novembro. Parece que o episódio de 11 de novembro apenas pôs em descoberto nossa fragilidade humana. Somos seres do medo, consciente ou inconsciente. Tememos a morte, tememos o abandono, a doença, o desamor, a rejeição, a limitação e a pobreza – pequenas mortes que antecipam a morte final. Quando estamos conscientes do medo percebemos claramente quão vulneráveis e desamparados somos. Quando não estamos conscientes de nosso medo, ele produz sintomas no corpo, nas relações humanas e no trabalho.
De qualquer forma a Bíblia tem muito a dizer sobre o medo. Vamos examinar apenas este texto de I João.
4. Definição de Medo
Uma definição inicial de medo seria o sentimento que surge diante das ameaças da vida. Mas esta definição é bem incompleta porque uma pessoa corajosa pode permanecer sem medo mesmo em situações difíceis. E é claro que o inverso também é verdade. Parece que a noção do que perigoso é muito diferente para uma pessoa corajosa e para uma pessoa atemorizada. Alguém se apavora com um pequeno ataque, com um floco de neve que cai sobre sua cabeça e outro enfrenta um exército sem temor. Talvez nós devêssemos ir introduzindo uma distinção entre os medos com mais base na realidade e os medos que poderiam ser considerados exagerados ou até fantasiosos.
De qualquer forma, medos mais realistas ou mais fantasiosos, não importa tanto, todos os medos nos põem a sofrer. Quando lemos o verso 4.18 de I João encontramos esta relação entre o medo e o tormento, entre medo e angústia. A tradução da palavra grega kólasis poderia ser além de tormento, angústia ou inferno: o medo produz o inferno na vida de quem teme. O medo nos põe no inferno, nos deixa angustiados. A palavra angustia tem uma origem latina que quer dizer aperto. A angústia aponta para a dificuldade de se movimentar, de sair do lugar e até de respirar. Angina e angústia têm a mesma origem etimológica. O medo produz este horror que pode impedir alguém de dormir ou de comer ou inversamente que faz a pessoa dormir demais e comer demais. Vários sinais corporais – somatizações, podem ocorrer frente ao medo. Aperto no peito, paralisação da respiração, tremores, sudorese, gagueira, descontroles dos esfíncteres e em casos mais graves danos reais à pele e a vários órgãos do corpo. Talvez você conheça alguém tenha sofrido um ataque de pânico, ou de angústia.
O medo não produz apenas efeitos físicos, ele produz efeitos emocionais e sociais. Há uma tendência a se fechar e se proteger dos outros e das circunstancias. Há uma tendência de fugir das dificuldades. O medo mata em geral o prazer, salvo nas condições masoquistas. Há medos que estão completamente dentro da dinâmica psíquica: não tem uma correlação clara com a realidade exterior. Assim se forma uma psicologia do medo e até uma cultura do medo. Esta psicologia do medo tende a exagerar a dimensão dos ataques e dos riscos. Esta cultura do medo tem produzido efeitos devastadores entre nós. Esta cultura do medo e horror tem profundas raízes psicológicas, históricas, sociais e espirituais que agora se fortaleceram e criaram uma árvore frondosa entre nós. O que o texto de I João sugere é que há um outro estilo de viver. Vamos ver como é isto.
5. O Verso 4.18. e 4.16 a 21
Poderíamos nos perguntar sobre a origem deste temor e medo que nos faz sofrer tantas angustias. Poderíamos nos perguntar sobre a origem destes sentimentos que transformam tudo ou quase tudo em ataque. Vamos recorrer ao texto bíblico lido para encontrar uma das origens profundas do medo e do terror e finalmente desta psicologia e cultura do terror.
Gostaria de ler o verso 4.18, outra vez. Ler em grego. Deixe-me fazer uma tradução um pouco mais livre. A fobia não pode subsistir no amor. O verdadeiro amor lança com força e determinação o medo para fora, porque o medo gera angústia. Aquele que tem medo não se aperfeiçoa na lógica do amor.
O medo, portanto, tem a ver com dificuldades na dinâmica do amor. O medo é um filho das perturbações do amor. O medo é filho da inibição do amor. O que o texto está sugerindo é que em oposição à lógica do medo e sua cultura de retraimento existe a cultura de amor que estimula os relacionamentos e insufla a confiança.
A fobia é resultado de uma experiência deficiente com o amor que nos predispõe a pensar de um modo rebaixado acerca de nós mesmos e dos demais. Fico sempre muito impressionado com o fato de que no consultório e no aconselhamento pastoral há um sentimento muito recorrente entre os membros de Igreja de que Deus não os ama. Não se sentem amados. E porque não se sentem amados não tem a suficiente força para lançar com força de suas vidas o medo. A fobia não pode subsistir junto com a experiência do amor.
Vamos ler novamente o verso 16. O verso aponta para a etiologia desta psicologia e cultura do medo. Trata-se da dúvida sobre o amor de Deus. “Nós conhecemos o amor de Deus. Nós cremos no amor de Deus – diz o texto”. Eu pergunto com franqueza: você conhece o amor de Deus? Você crê no amor de Deus? Você crê na definição de Deus aqui expressa: Ele é amor? Ou pensa em Deus como um carrasco que inspira mais o medo do que a confiança. Ou você pensa em Deus como experimentou o seu pai agressivo, ou sua mãe displicente. Você o poder curador do amor de Deus? Ou você está cheio de medo que paralisa e aprisiona. Eu creio na possibilidade descrita aqui e em outros lugares do NT de experimentar o amor de Deus que nos transforma profundamente. Eu já vi isto acontecer em mim mesmo e em outras pessoas.
Vocês sabem dos efeitos de não conhecer e não crer no amor de Deus? Vocês sabem dos efeitos de não se saber amado, não sabem? Quando não nos sentimos amados nos tornamos paranóicos, perdemos a confiança e a graça, passamos a prisioneiros da cultura do medo e do horror. O medo extrai de nós o pior. O amor extrai de nós o melhor. Quando nos sentimos rejeitados parece que não há estimulo positivo que nos possa fazer mover. Uma comunidade cristã verdadeira estimula o amor que põe as pessoas na áurea da graça.
O verso 17 diz que quando estamos na dinâmica do amor não temos medo de sermos julgados, mantemos a confiança mesmo em situações de cobrança, reclamação e stress. De forma que o medo e a culpa são irmãos. Na lógica do medo entra a culpa e depois a violência. Freud relata em um de seus livros que descobriu que um dos motores da delinqüência juvenil é a culpa. Porque o adolescente se sente culpado é que ele passa a delinqüência. E não o contrário, a culpa não é resultado da delinqüência, mas a causa. Então, esta lógica e cultura do medo vão criando um ambiente onde o resultado é a violência, o ódio e a miséria. Mas o verso diz que porque confiamos no amor de Deus quando chegar a hora do julgamento, nós vamos manter a confiança. Isto não é arrogância. Não é pretensão. É confiança no amor de Deus. Quando uma criança confia em seus pais, mantém a noção de seu valor mesmo tendo cometido erros. Assim é conosco matemos a confiança por causa do amor de Deus por nós.
Então o que se opõe a esta cultura do medo e do horror é a cultura do amor de Deus. Começamos recebendo livremente e gratuitamente o seu amor, isto nos faz sentir melhor sobre nós mesmos. Jogamos o medo fora e a desconfiança e praticamos o amor ao próximo. Trata-se de uma lógica de expansão psíquica e social. O fim desta lógica, o trecho destaca, é amor real ao próximo e a si mesmo. (Talvez você queira comentar a lógica do medo e a lógica do amor.)
6. Medo e Amor
Poderíamos colocar as coisas aqui da seguinte maneira: o medo tem a ver com a culpa e com perturbações na experiência do amor. A cultura do amor descrita em I João fala em ser amado e perdoado por Deus, que implica em amor ao próximo e a si mesmo.
Quando alguém não se sente suficientemente amado, se sente culpado e com medo se fecha e ataca. Crianças que não se sentem amadas vão ficando isoladas e estranhas e finalmente violentas. Adultos também. Isto não quer dizer que devemos confundir amor verdadeiro com um amor culpado que não estabelece limites ou disciplina. Não é isto, trata-se de um amor que ajuda aos filhos aos adultos a desenvolverem plenamente o seu potencial, com coragem, liberdade e também disciplina.
7. A Vida Comunitária Estimula a Cultura do Amor
Na vida comunitária realmente cristã há recursos que nos ajudam a superar o medo. Em situações de pânico freqüentemente o caminho para superar o medo é encontrar um líder forte que como um pai nos garanta o destino em uma instituição que vai se fechando e se alienando cada vez mais. A vida verdadeiramente comunitária encontra outro caminho. Não há este infantilismo diante do medo. Não há esta dependência neurótica de um líder colocado no lugar do salvador. O líder não se transforma em um grande paizão que livra magicamente dos perigos. Nestas instituições que o medo é combatido assim o custo para o líder e para os demais membros é alto. O que se pede em troca desta proteção é uma despersonalização generalizada. Todos se tornam meio falsos e irreais. Nestas instituições onde o medo é combatido de modo infantil, o próprio líder que combate o medo pode se transforma também ele mesmo em uma nova fonte de medo: todos temem os males que ele pode cometer.
A vida comunitária realmente cristã encontra outro caminho para vencer o medo. Ela estimula e pratica a cultura do amor. O medo é combatido pelo combate sistemático ao isolamento sem, contudo, destruir a singularidade de cada membro da comunidade, cada membro do corpo de Cristo. O que se estimula é uma ação séria e responsável de cada um a cerca de si mesmo e do próximo. Os membros da comunidade são estimulados a usarem toda a sua energia para a devoção a Deus e para o respeito ao próximo. O ambiente é de simplicidade e de alegria, de responsabilidade e honraria para com o outro, especialmente para com o necessitado. Trata-se de uma comunidade que valoriza a lógica do amor e não a do medo e da dominação. Quando o membro se sente responsável pelo próximo há uma diminuição dos níveis do medo dentro da comunidade. Trata-se de um produto direto da ação do Espírito Santo dentro da Comunidade.
O papel do líder é um papel de estimulação desta lógica do amor. Ele não é um protetor paizão, quanto é um protetor deste ideal de comunidade. Os indivíduos da comunidade não transmitem as suas responsabilidades para o líder. Eles continuam responsáveis por si e pelo próximo. Este clima comunitário combate a despersonalização dos líderes e de todos os membros. A vida comunitária estimula a cada membro que cumpra plenamente sua vocação pessoal e cristã, exercitando ao máximo seus dons, talentos e ministérios em um clima de respeito, simplicidade e alegria. A vida comunitária associa liberdade e compromisso, simplicidade e amor, combatendo assim o espírito de medo e culpa que aterroriza ao ser humano. Esta vida comunitária milita contra o medo. O modelo é de uma família amorosa, sem relações infantilizantes. Sem relações que produzam medo entre os seus membros. Como diz o apóstolo João onde está o amor, a fobia não pode existir. Pelo contrário, o amor lança com um movimento vigoroso todo o medo. Que seja assim entre nós, a exemplo de Cristo nosso Salvador, amém. Filhinhos, dizia João: amemos uns aos outros como Cristo nos amou.
Fonte: http://www.cppc.org.br/boletim34.htm
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