Autor: Isaltino Gomes Coelho Filho
Isto não é receita de bolo, tipo “siga as instruções que vai dar certo”. Mas deve haver alguns princípios, que ajudem a um casamento a dar certo. Nem sempre o bom sucesso depende de religião. Temos a tendência de espiritualizar todos os problemas da vida. Boa parte, senão a maior parte deles, não depende de Deus, demônios, anjos, encostos, santos, velas e patuás. Há pessoas muito religiosas vivendo mal e pessoas sem religião vivendo bem. Não depende de situação acadêmica ou social. Gente bem casada e gente má casada há em todas as esferas da vida. Na maior parte das vezes, o bom sucesso do casamento depende, simplesmente, de bom senso. Isto há e isto falta também em todas as esferas da vida. Vou seguir, simplesmente, a trilha do bom senso. Não esperem alguma revelação fantástica, que marcará para sempre os anais da terapia conjugal. Coisas simples, das quais já ouviram, mas que nem sempre praticamos.
Relacionamentos de qualquer espécie geram conflitos. Mas o relacionamento conjugal é mais delicado. Atinge-nos no que há de mais pessoal e está dentro de casa. Quando é profissional, estudantil, com vizinhos, há a cessação quando se recolhe em casa. Quando é em casa, não há onde se recolher. A não ser ir para a rua. Quando surgem os conflitos, a tendência mais comum é valer-se do velho expediente de culpar o outro. Faz parte de nosso mecanismo de defesa e é a maneira mais eficiente de dar uma explicação: a outra parte é a problemática. Adão fez isto, no Éden: “a mulher que tu me deste”. A mulher e Deus eram os culpados.
Esta é a melhor maneira de aniquilar um casamento. Manter um casamento é uma árdua tarefa que exige, de ambos os parceiros, um grande investimento amoroso, capacidade de mudança e adaptação e a convicção de que é preciso batalhar para que as coisas dêem certas! Quando apenas um está lutando para manter a relação e a outra parte não liga, a situação é mais difícil. Quando um não quer, dois não brigam. Mas quando um não quer, dois não amam, dois não constróem. Culpar a outra parte ou evadir-se de responsabilidade faz o matrimônio perigar. É tarefa comum aos dois.
Assim sendo, apresento aqui algumas pequenas sugestões que podem ajudar no bom relacionamento conjugal. Evitemos dizer nosso que se cônjuge precisa fazer estas coisas. Pensemos assim; “eu preciso fazer estas coisas”.
1. Saibam distinguir entre o real e o ideal – No começo é tudo tão doce! O período de namoro é encantador. Cada um se orgulha do outro, admira, respeita, elogia, exibe aos outros e tem esperanças de que será assim para sempre. No noivado começam os vestígios de realidade. As pessoas já se sentem mais seguras no relacionamento e não têm necessidade de mascarar tanto. A pessoa real começa a emergir. Ainda assim, o relacionamento sobrevive, e chega ao casamento. Os primeiros dias são de sonho, mas sempre se acorda. Em algumas ocasiões, o que antes encantava começa a irritar. O romantismo se torna escasso e surgem as rusgas. O pior é quando surgem as tão terríveis cobranças! “Você já não é mais o mesmo!”, ou “você era diferente!”.
Muitas vezes o real já aparecia no namoro e no noivado, mas vinha a famosa romantização: “Meu amor vai mudá-lo (a)” ou a racionalização: “Isso é agora, depois de casado, com a responsabilidade, muda”. Vem o casamento, o real triunfa sobre o ideal. O ideal é a forma sonhadora como vemos a pessoa. O real é como ela é. Namoramos o ideal, sonhamos com o ideal, mas casamos com o real. Distinguir entre os dois é extremamente necessário. Quando alguém se frustra, nem sempre a culpa é do outro. Pode ter sido do frustrado, porque viu o que queria e que não existia, e deixou de ver o que não queria mas que existia. O certo é saber que se está casado com aquela pessoa e não com a ideal. Parte da solução de muitas tensões começa aqui, com a aceitação do outro.
2. Não busquem um clone. Aceitem seu cônjuge. Desdobra o ponto anterior. Muitos dos eventuais conflitos são uma conseqüência natural das diferenças entre os parceiros. Cada um é diferente do outro, carregando uma bagagem cultural diferente. São pessoas que levaram anos sendo construídas de uma maneira. Desconstruir e reconstruir não se fazem num dia. E uma questão deve se levantar: é necessário desconstruir? É normal que as pessoas sejam diferentes e que surjam choques. O problema existirá apenas se a convivência das diferenças se tornar absolutamente impossível por questão de valores.
A busca de um clone é muito forte, porque se o outro for igual, aceitará tudo. A concordância pode existir, é excelente quando existe, mas deve suceder porque os dois olham pelo mesmo binóculo. Não porque um convenceu ou venceu o outro a ser igual a si. Na realidade, as diferenças são necessárias. Ouvimos dizer “os opostos se atraem”. Não é verdade. Opostos sadios se repelem. Interpretou-se mal a questão, que é esta: os diferentes se complementam. Na cruz, Jesus não confiou sua mãe a seus irmãos (sendo o primogênito, o pai estando morto, ele era responsável pela mãe) mas a João, que nem parente era. Maria precisava de um braço forte. João era. Tanto que seu apelido, não muito lisonjeiro, era “filho do trovão”. No fim da vida, o “filho do trovão” se tornou o “apóstolo do amor”. Maria precisava de um filho como João, já que os irmãos de Jesus ainda não eram convertidos. João precisava de uma figura terna e amorosa. Dois opostos que se complementaram. Ele serviu de apoio para ela. Ela o ajudou a mudar seu temperamento. Buscar um carbono pode privar a pessoa de ser enriquecida pela outra. Meacir e eu éramos muito diferentes no início. Temos mudado, ao longo dos 31 anos de casados. Acho que eu ganhei, mas cada um de nós contribuiu com alguma coisa para a vida do outro. Não se deve querer um clone. Deve se buscar um complementador. Um dos problemas mais fortes em um casamento sucede quando uma parte não traz crescimento para a vida do outro. Deve haver diferenças e estas devem ajudar.
3. Não culpem. Mesmo que a outra parte esteja completamente errada, lançar isto em rosto é pouco produtivo. Devemos ter em conta que há uma diferença entre argumentar e acusar. Devemos esperar o momento, usar os argumentos, mas não acusar. Lembremo-nos de Provérbios 15.1: “A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira”. Uma boa pergunta para si mesmo é: “O que desejo: resolver o problema ou ganhar a discussão?”. Muitos querem o triunfo e não resolução. Para estas pessoas, casamento é uma eterna competição com o cônjuge, para impor suas idéias, seu estilo de vida, sua concepção de valores. Casamento é uma sociedade, e não uma competição. Os esforços devem ser para um bem comum e não para domínio. Pode até vir a dominar, mas vai arruinar a vida do outro, a sua e a dos filhos. Estar a culpar o outro é uma das melhores maneiras de aniquilar o casamento. Não culpemos. Busquemos soluções. Lembremos que quanto mais uma pessoa é criticada mais ela se amua, se revolta e se fecha. É pouco provável que alguém mude suas atitudes somente por ser criticado. Há ocasiões em que a pessoa reconhece suas falhas, deseja mudar, não consegue. Críticas a empurram mais para baixo e a desestruturam. Entender e ajudar a mudar pode ser mais produtivo, se não for feito com a empáfia de quem sabe que como tudo deve ser.
4. Não discutam pelo passado. Tenho observado que boa parte das discussões dos casais é por coisas passadas. Há um problema hoje, começa-se a falar sobre ele, mas elementos já vencidos são recuperados e trazidos à discussão. O que passou já se passou. Passado é vencido. Até mesmo quando as circunstâncias atuais são reprodução do passado, não recupere o que já foi. Cuide agora. Lembremos da palavra de Jesus: “Basta a cada dia o seu mal”. Há pessoas que cuidam dos males de hoje, ruminam os de ontem e agonizam na perspectiva dos de amanhã. Acabam tornando sua vida miserável. E a dos outros também.
Dirá alguém que não consegue esquecer o que houve no passado. Isto é sinal de que tem boa memória e não precisará tomar remédios para melhorá-la. Ouvimos muito a expressão “perdoar é esquecer”. Até mesmo muita coisa que ouvimos na igreja diz isto. “Se você perdoou, tem que esquecer”. Isto cria uma neurose, porque a pessoa não consegue esquecer. Quando lembra, se sente culpada. Afinal, perdoou, mas não consegue esquecer! Perdoar não é esquecer. Perdoar é tratar de maneira diferente. Podemos nos lembrar dos eventos, mas seu impacto sobre nós, agora, é diferente. O passado pode vir à tona, mas devemos tratá-lo de outra maneira. Se, a cada momento em que fatos ressurgem na memória a pessoa sente emoções negativas, isto é sinal de que ainda não assimilou a situação. Precisa de uma cura de suas recordações. Por isso que trazê-las à baila não será sábio. Quem age assim sempre estará envenenada pelo passado negativo. Evitar isto é muito necessário. Ou se trata de outra maneira o que passou, ou se evite trazê-lo à cena, novamente. Discutir pelo passado é duplamente estressante porque se gasta energia no que não pode ser modificado e se deixa de usá-la em algo construtivo.
5. Definam bem as divergências – Quando um casal diverge, os dois devem se perguntar se estão divergindo por algo específico ou genérico. É uma questão localizada ou é o mundo? Quando é algo específico, tudo bem, vale a pena. Mas se for o mundo, é melhor parar logo. Não se vai a lugar algum. Há casais que já criaram um estado de beligerância permanente e sempre se colocam em campos opostos. Se um disser “sua mãe é linda”, o outro será capaz de responder “não, minha mãe é horrorosa”, porque não sabe como viver em concordância. Esta deterioração de relacionamentos sucedeu pelo hábito de divergir. Este é um dos momentos mais graves. O casal deixou o fosso se aprofundar tanto que não sabe mais como se relacionar. Devemos nos lembrar que, como dito anteriormente, divergências são normais em todos os relacionamentos. Mas quando se tornam a regra de conduta, algo está errado. Ou se conserta ou o casamento está correndo risco, se, na realidade, não se acabou e se mantém apenas uma fachada.
Por isto, tenhamos cuidado. Se surgem discussões por ninharia e a qualquer momento, o casal está fazendo o casamento dar errado. isto é grave. O estado de beligerância contínua é para refletir seriamente. Ou dão uma guinada radical ou tenham coragem de perguntar: “Por que ainda insistimos nisto?”. Cuidado com divergências por tudo.
6. Havendo discussões, evitem golpes baixos. Não se trata de golpes abaixo da linha da cintura, como no boxe. São de outro tipo. Todos nós sabemos quais são os golpes baixos e como usá-los para causar mais danos. São aqueles que mais machucam. Há pessoas que são bem treinadas nesta situação. Uma pergunta que se deve fazer é esta: “O que quero: acertar alguns pontos ou causar o maior dano possível ao outro?”. Já se errou em ver o cônjuge como adversário. Erra-se mais ainda ao buscar infligir danos ao outro. Quer-se acertar a situação ou ganhar uma guerra? Será bom ter em mente que é mais importante chegar a um acordo que triunfar em dada ocasião. Pode-se vencer uma batalha, e no fim perder a guerra pela manutenção do casamento.
7. Reconheçam o inimigo número um. Não é o outro. Nosso maior inimigo somos nós mesmos. Emprestei a uma pessoa um livro intitulado Seus pontos fracos. Disse-lhe que não precisei ler o livro, porque só tenho um ponto fraco. Ante o espanto da pessoa, disse-lhe: “Eu todo”. Vamos definir o que está sendo dito. O maior inimigo no casamento é o egoísmo. A esposa quer continuar sendo a dondoca, a bonequinha preferida do papai, mas agora quer ser assim vista pelo esposo. É bom paparicar a mulher. Mulher paparicada é um bom investimento. Faz bem para os dois, mas a vida real deve ser encarada. O rapaz quer ser o queridinho da mamãe, bem tratado em todos os momentos. Como os filhos costumam pensar, quer todos os privilégios, mas nem sempre quer responsabilidade. O que está acontecendo? Os dois se colocaram no centro do casamento. Viram o casamento como uma oportunidade de receber do outro. Atenção, afeto, zelo, seja o que for. A pessoa entrou no casamento para ter suas necessidades emocionais preenchidas, mas não para uma parceria. Um bom casamento é aquele em que a pessoa tem suas necessidades emocionais preenchidas. Mas o outro também existe, também tem necessidades emocionais. É uma parceria. Evitar colocar-se no centro do mundo é fundamental. Os sintomas desta patologia são frases tipo “Eu quero”, “deve ser assim”, “faça assim”, etc.
Muitas vezes aconselho um casal e. ao ouvir uma das partes, vejo que ela me quer não como seu conselheiro, mas como seu aliado, seu advogado de defesa e promotor da outra parte. A pessoa é egoísta. Quer vencer e não acertar. É o egoísmo que nos leva a esta situação de nos colocar no centro e desejar que tudo se conforme a nós. Isto é uma forma de narcisismo, doença muito comum nas pessoas. O narcisista é apaixonado por si mesmo. No seu viver não há espaço para outros. Ele se ama demais e não sobra amor para ninguém. Evite isto.
8. Mantenham uma atitude positiva. Isto não é ter pensamento positivo. Falei de atitude. Significa preparar-se e fazer. Significa ter o desejo de investir no casamento. Muita gente hoje se casa com esta idéia em mente: “Se não der certo, a gente se separa”. A frase teve um uso infeliz. Veio do governo desastrado de José Sarney, mas aqui tem muito valor: “Tem que dar certo”. Não é loteria. Se não tem convicção a pessoa não deve entrar. Se entrou, deve fazer de tudo para dar certo. Deve ter isto em mente: que pode dar certo e que ela vai fazer de tudo para dar certo. Uma atitude de quem ver as coisas resolvidas, o passo acertado, as relações em bom nível. Por pior que estejam as coisas, deve haver o esforço para melhorar. Só em caso extremo, último e absoluto, é que deve deixar de investir. Mas enquanto for possível deve se lutar para tal.
Mais coisas poderiam ser ditas. Estas bastam por hoje. Presumo que ainda vão me convidar para falar ou para substituir alguém. Se gastar tudo agora, mais tarde nada tenho para dizer. Mas o que aqui está pode nos ajudar a refletirmos. Um mau casamento é um inferno, tenho visto isto. Mas um bom casamento é um pedaço do céu aqui na terra. Também tenho visto isto. E, o que é melhor, tenho provado isto. Lutemos para que nossos casamentos dêem certo.
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