Autor: Samuel Antunes
É hoje unanimemente aceite a importância da família quer para o desenvolvimento e estabilidade dos seus membros, quer mesmo para o desenvolvimento das sociedades onde ela se insere.
Esta afirmação pode parecer contraditória face ao número crescente de divórcios e à aparente fragmentação das estruturas familiares nos nossos dias. No entanto, o crescimento do número de divórcios, não põe em causa essa importância, bem pelo contrário, na maioria dos casos, vem corroborar esta indiscutível verdade: a família é o suporte do desenvolvimento individual e grupal dos seus membros e um dos principais sustentáculos para o desenvolvimento das sociedades.
Concebo a família como um sistema aberto (que se insere num sistema mais amplo – a sociedade), cuja dinâmica, procura satisfazer as necessidades dos seus membros, sejam elas, físicas, psicológicas, sociais e/ou espirituais. A riqueza das interacções e experiências que a caracterizam (quer a nível individual quer a nível social), mais do que a satisfação das necessidades básicas (de alimentação, segurança, conforto e educação), proporciona uma descoberta fundamental, a descoberta do encontro, do outro, do afecto e do amor. Deste modo e na diversidade de vivências, que vão da alegria à tristeza, do riso ao choro, das tensões e conflitos à reconciliação e ao perdão, solidifica-se e estrutura-se o respeito mútuo e o sentimento de ser aceite.
Não tenho dúvidas de que a experiência básica de aceitação, de afecto e de respeito, é determinante na construção da autoconfiança, da auto-imagem e da personalidade da criança. Mas não é demais lembrar, que essa experiência, para além de essencial ao desenvolvimento harmoniosos da criança, é igualmente válida e útil para os progenitores e que o afecto não é apenas dirigido aos filhos por parte dos pais, é reciproco dos filhos para com os pais e entre os próprios pais.
Gosto de pensar na família como uma escola de vida (educar é preparar para viver de forma saudável, madura e autónoma na idade adulta) que proporciona experiências que servem de suporte à descoberta do mundo e da realidade da vida, mas também a formação que molda o carácter e o desenvolvimento da personalidade. Nesta formação estão implicadas três grandes dimensões, a psicológica, a social e a espiritual.
Formação psicológica
A principal responsabilidade dos pais, é educar os seus filhos para que se tornem adultos maduros, equilibrados, independentes e autónomos. Maduros para enfrentarem de forma realista os revezes próprios de cada fase da vida, sem fugirem à frustração através de estratégias imatura (drogas, álcool, negação, etc.), sendo capazes de retirar dessas situações, a aprendizagem e a maturação que elas podem proporcionar. Equilibrados para tomarem decisões ponderadas e reflectidas, para lidarem com as emoções de forma controlada e não impulsiva, procurando encontrar em cada momento, a resposta mais ajustada para cada situação. Independentes para ajuizarem com imparcialidade e objectividade as situações com que se deparam, agindo de acordo com as suas convicções, sem se deixarem dominar pelo medo ou pela manipulação de outros e sem qualquer tipo de dependências, para além da divina. Autónomos, na tomada de decisões, capazes de encontrar pelos seus próprios meios, as soluções para os problemas e situações com que se deparam.
Ao processo educativo, que passa inevitavelmente pelo desenvolvimento cognitivo e emocional, não é alheia a influência dos pais como referência e modelo de identificação. Os pais não poderão fugir ao facto de que serão sempre uma referência (positiva ou negativa) para os seus filhos, isto é, o comportamento dos pais face às múltiplas situações que caracterizam o processo educativo, têm mais impacto na formação da personalidade dos seus filhos, do que as palavras ou boas intenções que possam demonstrar.
Atrevo-me a dizer, que a herança mais significativa que os pais legam aos seus filhos, se prende com convicções, comportamentos, crenças, valores morais, sociais, religiosos e políticos, entre outros, e que posteriormente se vêm a revelar estar na base dos comportamentos e atitudes destes. Ou seja, a relevância do legado dos progenitores, prende-se muito mais com a forma como os pais viveram e conduziram as suas vidas, com as posições que tomaram, com a coragem que revelaram na defesa das suas opiniões e pontos de vista, com os padrões de vida que defenderam, em suma, com o exemplo que deixaram.
Formação social
Nesta perspectiva de que a família é uma escola de vida, há uma importante dimensão, que se inicia e desenvolve no seio da família, é a dimensão do relacionamento interpessoal. A família, pelo tipo de relações e interacções que gera, estrutura o sentimento de pertença, que para além de reforçar o sentimento de ser aceite, permite à criança lidar com possíveis situações de rejeição e/ou de abandono.
Esta vivência de aceitação no seio familiar prepara a criança para uma realidade social, por vezes difícil e até cruel. Se os relacionamentos no seio familiar forem de qualidade e fortalecidos pela autenticidade e pela tolerância, será mais fácil para os seus membros, enfrentarem os desafios que a realidade social lhes coloca.
Podemos então dizer, que a família permite descobrir o calor afectivo, a amizade que se traduz em comportamentos de ajuda, compreensão e tolerância, a aceitação incondicional que dá sentido à palavra perdão e a comunicação na base da verdade e da autenticidade, que dá sentido, ao diálogo, à intimidade e à confiança mútua.
É também na família que a criança descobre a disciplina e a correcção, que o erro pode ser tolerado de forma construtiva, e que o acto de disciplinar, aqui percebido como uma forma cuidadosa de corrigir o erro, significa ensinar o melhor caminho, ou a melhor maneira de controlar os desvios e/ou os riscos (Prov. 22:6; Efésios 6:4).
Para que esta dinâmica aconteça de forma positiva, é indispensável uma comunicação autêntica e um diálogo aberto, através do qual pais e filhos, esposa e esposo, constróem relacionamentos fortes uns com os outros e um clima onde é possível a partilha e a exteriorização da subjectividade individual.
A formação espiritual
A formação espiritual não se limita à transmissão de valores religiosos e à aquisição de hábitos devocionais, é sobretudo a experiência de levar o outro a conhecer Deus, a descobri-Lo e a estabelecer com Ele uma relação de intimidade (ver artigo Relação com Deus in Liderança Hoje n.º1 ano II). Mas também a de assumir a espiritualidade, como uma dimensão essencial do Homem, que se materializa naturalmente, numa relação próxima com o seu Criador.
Considerando que o processo de formação do carácter e da personalidade, acontece num contínuo de crescimento e desenvolvimento, a família assume um papel central ao longo do mesmo, quer na transmissão dos valores essenciais que devem nortear a existência dos seus membros, quer através de uma vivência pautada por valores cristãos e por uma filosofia de vida que se radica na Palavra de Deus (Deut. 6:4-9).
Hoje, mais do que nunca esta função da família se torna pertinente. Numa sociedade em plena crise de valores, desorientada entre a opção da guerra ou da paz, urge uma cultura onde a vida humana tem valor e a paz tem significado. Para tal é necessário que o cristianismo deixe de ser confundido com um sistema moral e ganhe a estatura de resposta, para os problemas do Homem. Mas como conseguir isso na família?
Ao dismistifcar a imagem de Deus, tornando-O próximo e acessível às crianças, a família desenvolve a via para que Deus se torne real e faça parte das suas vidas. Para isso contribui o clima de adoração a Deus e a celebração da Sua soberania em cada lar.
Não poderia deixar de referir um outro aspecto igualmente importante neste processo formativo, refere-se à responsabilidade dos pais no fortalecimento da relação da sua família com a comunidade de famílias que a igreja representa e que a transforma na família das famílias.
Apesar de exigente, este é talvez um dos desafios mais extraordinários que como pais poderemos assumir, o de influenciarmos hoje, não apenas a vida familiar dos nossos filhos, mas também a das gerações subsequentes cujas vidas familiares não veremos, mas cuja marca levarão consigo, por causa da forma como hoje vivermos na nossa família.
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