Doutrina referente à salvação

Autor: Samuel Pinheiro, 2006-07-31




Salvação é palavra de profundo significado e de infinito alcance. Muitos têm uma concepção muito pobre da inefável salvação consumada por Jesus, o que às vezes reflecte uma vida espiritual descuidada e negligente, onde falta aquele amor ardente e total por Jesus, e a busca constante de sua comunhão.
Em Efésios 6, quando o apóstolo discorre sobre a armadura de combate do soldado cristão, fala do capacete da salvação (v.17). O capacete cobria totalmente a cabeça, protegendo-a. Isso fala da plenitude do conhecimento e da experiência da salvação.
Salvação não significa apenas livramento da condenação do Inferno. Ela abarca todos os actos e processos redentores e transformadores da parte de Deus para com o homem e o mundo através de Jesus, o Redentor, nesta vida e na outra.
Salvação é o resultado da redenção efectuada por Jesus. Redenção foi o meio que Deus proveu para livrar o homem dos seus pecados. Salvação é o usufruto desse Livramento. No sentido comum e limitado, Salvação significa a obra que Deus realiza instantaneamente no pecador que a Ele se entrega, perdoando-o e regenerando-o. Porém, a Salvação tem sentido e alcance muito mais vasto. Assim considerada, significa o pleno livramento da presença do pecado e suas consequências, o que somente ocorrerá na glória celestial. Nesse sentido, a Salvação alcança também outras esferas além da humana (Cl 1: 20).
A Salvação foi planejada por Deus Pai (Ap. 13: 8 e I Pe. 1: 18-20). Deus Filho consumou-a (Jo 19: 30 e Hb 5: 9). O Espírito Santo aplica-a ao pecador (Jo 3: 5; Tt. 3: 5 e Rm. 8: 2). Tudo por graça (Ef. 2: 8).
Milhares de filhos de Deus são hoje salvos por Jesus, mas ainda não examinaram detalhadamente a sublimidade desta salvação em seus dois sentidos: objectivo e subjectivo. A Salvação que Jesus efectuou no Calvário é tão rica, profunda e grandiosa que somente na outra vida é que começamos a entender de facto o sei infinito alcance. Quando as eras futuras começarem o seu curso na glória celestial, começaremos a compreender as riquezas infinitas desta Salvação em Jesus Cristo (Ef. 2: 7; 3: 8).
Vejamos a salvação em si, do ponto de vista objectivo, considerando Deus como doador e o homem como o recipiendário. Nesse sentido, ela tem três aspectos, todos simultâneos: justificação, regeneração e santificação. Uma pessoa verdadeiramente justificada é também regenerada e santificada.

Justificação

Justificação é um termo judicial. Fala de quebra da Lei (I Jo. 3: 4). Ele é o acto de transformação ou mudança de estado do pecador, perante Deus, operada por Ele mesmo. A justificação tem carácter exterior. Deus é o juiz, Cristo é o advogado e o homem, o réu. A transgressão da Lei de Deus é o pecado cometido.
O resultado da justificação na vida do novo crente é a mudança de posição perante Deus. De condenado que era, o homem passa a justificado. Na justificação, o homem entra em boas relações com Deus quanto às suas leis, pois Ele é justo (Rm. 5: 1; 8: 1-4). A justificação é um acto divino fora do indivíduo, enquanto a regeneração ocorre no interior da criatura.
É muito maravilhoso o modo como Deus providenciou e efectua a nossa justificação. A justiça de Cristo é creditada à nossa conta espiritual (Rm. 3: 24-28). Romanos trata desse assunto de modo completo e majestoso.
Para a nossa justificação: a)Deus, em sua graça, colocou Seu Filho em meu lugar, e, na cruz, transferiu minhas culpas e crimes para ele; b)Jesus morreu voluntariamente por mim; c) Eu preciso aceitar, por fé, este único método divino de justificação do ímpio (Rm. 4: 5), confessando a Jesus como meu Salvador (Rm. 10: 9).
Assim, sem ultrajar sua perfeita justiça, Deus justifica o ímpio (aparentemente um absurdo), substituindo o culpado pelo inocente (Cristo), transferindo minhas culpas para Ele. Deste modo, Deus proveu a justificação para mim e para ti, mediante substituição e transferência, tudo por Cristo. Legalmente, não deveria haver misericórdia para com o culpado. Deveria ele ser punido. Porém, em virtude do sacrifício de Cristo, Deus, o Justo Juiz, faz justiça, perdoando o penitente que a Ele vem com fé. Assim, essa justificação por Jesus só é efectivada na vida do pecador que o aceitar como seu Salvador. Somente aceitando Jesus o pecador entra no plano divino para Sua Salvação.
Vê-se, assim, que, no sentido bíblico, justificar é mais do que perdoar. O perdão remove a condenação do pecado, e a justificação nos declara justos. Um juiz terreno ou chefe de Estado pode perdoar um criminoso, mas não pode colocá-lo nunca em posição igual à daquele que nunca transgrediu a lei. Mas o nosso Deus pode e faz isso. Deus tanto perdoa o pecador, como justifica-o. Isto é, trata-o como se nunca tivesse pecado! Aleluia ao Trino Deus! E tal facto ocorre no momento em que o pecador arrependido aceita Jesus como seu Salvador pessoal. Aqui no mundo, um criminoso nunca mais receberá a consideração de justo por parte dos seus semelhantes, mas Deus declara justo o pecador que Ele justificar. Sim! “Justificado!” – é o veredicto divino. Quem pode agora nos condenar se é Deus quem nos justifica? (Rm. 8: 33-34). Aleluia!
Como é possível um Deus justo justificar um ímpio? (Rm. 4: 5). Já tentámos explicar: substituindo o culpado pelo inocente, o pecador pelo justo, e transferindo a culpa de um para o outro. Foi o que aconteceu no Calvário. Não foram os soldados romanos que levaram Jesus ao Calvário e o ocasionaram sua morte, mas os meus e os teus pecados. Sua vida não foi tomada. Ele a deu como sacrifício para nos redimir.
É evidente que justificar é mais do que perdoar. Pela justificação o crente é declarado justo. A origem da justificação é a graça de Deus (Rm. 3: 24 e Tt. 3: 7). A base da justificação é o sangue de Jesus (Rm. 5: 9). O meio da justificação é a fé que vem por Jesus (Rm. 3: 28; 5: 1).

Regeneração

Regeneração é um termo relacionado à família. Tem a ver com a nossa inclusão na família divina. É o acto interior operando na alma, pelo Espírito Santo. É a nova vida em Cristo, o novo nascimento. Sendo regenerado pelo Espírito Santo, o crente é filho de Deus. O lado externo da regeneração é a conversão, isto é, aquilo que o mundo vê ou percebe. Conversão é a mudança externa da pessoa, seu procedimento resultante da regeneração, a qual é a mudança interna na alma. A regeneração é a causa a conversão o efeito. Há um sentido em que a conversão não é total /Mt. 18: 3; Lc. 22: 32; Tg. 5: 19).
O que ocasiona a regeneração não é a justificação, mas a comunicação da vida de Cristo. A justificação é imputada; a regeneração é comunicada. Justificação tem a ver com o pecado; regeneração, com a natureza. Justificação é algo feito a nosso favor; regeneração é algo operado em nós.
O resultado da regeneração é a mudança de condição – de servo do pecado e do Diabo para filho de Deus (Jo. 1: 12, 13; 3: 3; Tt. 3: 5). Pela regeneração o crente é declarado filho de Deus.
Santificação é um acto divino que também ocorre dentro do homem, reflectindo logo o seu exterior. Daí a diferença entre santidade – um estado – e justiça – santidade prática, de vida (Lucas 1: 75 ). Na operação divina da conversão, a santidade de Cristo passa a ser a nossa santidade (Cl. 2: 10; I Co. 2: 30; Hb. 10: 10,14 e Rm. 8: 2 ). Os seus méritos são creditados na nossa conta. Estamos tratando da santificação posicional em Cristo, não da santificação progressiva, no viver diário do crente, como mostrada em II Co. 7: 1 e Ap. 22; 1.
O resultado da santificação, operada na conversão, é a mudança de vida.
A Salvação considerada sob estes três aspectos simultâneos é perfeita. É a salvação no sentido objectivo. Estamos em Cristo (II Co. 5: 17 e João 14: 4). Nunca seremos mais salvos do que somos agora. Cristo não fará mais nada para salvar-nos além do que já fez. Já fez tudo o que era preciso e possível. Aí está o perigo do pecador rejeitar a Cristo, pois não haverá outro plano divino de salvação. O actual é eterno (II Tm. 1:9 e Ef. 3: 11). Nem mais outro sacrifício expiatório terá lugar, pois o Jesus foi perfeito e completo (Hb.9: 26; 10: 10,12). Pela santificação em Cristo, o crente é declarado santo. Por ela o crente entra em boas relações com Deus quanto à sua natureza, pois Ele é santo (I Pedro 1: 16 e Tm. 2: 21).
Estas três bênçãos – justificação, regeneração e santificação – são simultâneas, no sentido objectivo. As três constituem a plena salvação em Cristo (II Co. 5: 17).

Salvação na experiência humana

Quando falamos de salvação na experiência humana, estamos falando da salvação no sentido subjectivo. O homem como recipiendário e Deus como o doador. É a salvação vista na experiência humana. Considerada a salvação sob este aspecto, ela tem três tempos: no passado, justificação; no presente, santificação; no futuro, glorificação.
a) No passado – justificação: É a salvação da condenação do pecado. O crente foi salvo da condenação do pecado. A Bíblia descreve este facto como acto passado (Rm. 5:1 e I Co. 6: 11). Justificação é o que Deus fez por nós. O crente foi justificado uma só vez. Daí em diante o que ocorrerá é a purificação ( I Jo. 1: 9 e João 13: 10).
b) No presente – santificação: É a salvação do domínio e influência do pecado. Santificação bíblica significa basicamente separação para uso e posse de Deus. Uma boa definição é a de Paulo em Actos 27: 23: “… do Senhor, de quem sou e a quem sirvo”. Santificação não é apenas a pessoa pertencer a Deus, mas também servi-lo. Se o leitor é um santo de Deus, certamente está servindo a Deus. Há muita santificação por aí que pode ser tudo, menos bíblica.
A santificação posicional deve tornar-se experimental no viver diário do crente. A santificação é primeiramente interna, isto é, pureza interior, purificação do pecado, reflectindo isso no nosso exterior, traduzido em separação do pecado e dedicação a Deus. É um termo ligado ao culto a Deus e consagração ao seu serviço, conforme se vê no livro de Levítico, através de pessoas e coisas, sacerdotes, templo, objectos etc. Quem pensa ser santo deve ser separado do mal e dedicado a Deus para seu uso (II Tm. 2: 21 ). A santificação, como acabamos de ver, tem um lado posicional e outro prático: um santo viver.
A justiça é comparada a um vestido (Jó 29: 14 e Is. 59: 17). Mas o corpo, que recebe esse vestido, como deve estar? É razoável usar um vestido limpo num corpo sujo?
A santificação é o que Deus faz em nós. Nesse sentido, a salvação é progressiva. Uma criança nova é perfeita, mas não é adulta. Uma frutinha é também perfeita ao formar-se, mas não é madura (Ef. 4: 13). Tendo sido justificado, o crente progride e prossegue para a perfeição, de que em seguida nos ocuparemos. Portanto, ao estudarmos a santificação precisamos vê-la quanto à posição do crente em Jesus Cristo, e quanto ao estado do crente em si mesmo.
c) No futuro – glorificação: Será a salvação da presença do pecado em nossa vida. A glorificação é a inteira conformação com Jesus Cristo (Rm. 8: 23 e I Jo.3: 2). É a perfeição do crente. Na glorificação, a salvação envolverá o corpo físico, então glorificado. Estaremos ressuscitados. Estaremos no céu (Rm. 13: 11; II Co. 5: 2,4; Fp. 2: 12 e Hb. 9:2). Será redenção do corpo (Rm. 8: 23).
A glorificação será o que Deus fará connosco.

Condições para a salvação

A salvação é uma obra inteiramente independente de nossas obras, esforços e méritos. Contudo, o homem tem certas condições a cumprir. Essas condições são a fé, o arrependimento e a confissão. Fé é a confiança em Deus. Ela se ocupa com Deus, assim como a arrependimento ocupa-se com o pecado e o remorso. A fé divisa a misericórdia divina, quando se toma a mão para receber a salvação (Ef. 2; 8). O arrependimento honra a Lei de Deus. Mas, tanto a fé como o arrependimento vêm graciosamente de Deus, para que o homem não tenha de que gloriar-se (Actos 5: 31; Rm. 2:4; 12:3; 10: 17; At. 11: 18; Fp. 2: 13; II Tm. 2: 25; Ez. 36: 27 e Jr. 31: 13). Bem disse o profeta Isaías que Jeová é a nossa salvação (Is. 12: 2).
A fé e o arrependimento devem acompanhar o crente em toda a sua vida. O primeiro é indispensável ao recebimento das bênçãos; ao segundo fá-lo zeloso para pureza. O crente que sabe arrepender-se e humilhar-se aos pés do Senhor é um grande vencedor. Quanto á fé, notemos uma coisa: ela somente opera através do amor (Gl. 5:6; Ef. 6: 23; II Tm. 1: 13 e I Tm. 5:8). Há por aí os que se dizem cheios de fé, porém sem qualquer dose de amor divino. É uma anomalia, uma decepção, uma negação da verdade (I Co. 13: 2).
No tocante à salvação, confissão significa confessar publicamente a Cristo como Salvador. Após crer com o coração (Rm. 10: 10 a), é preciso confessar ou declarar que agora é crente (Rm. 10: 9-10). Crer Nele sem confessá-Lo é flagrante covardia; confessá-Lo sem Nele crer é hipocrisia.
Expliquemos: a salvação é uma dádiva ou presente de Deus para nós /Ef. 2: 8; Tt. 3: 3 e Rm. 6: 23). Suponhamos que alguém te ofereça um grande e rico presente, porém as tuas mãos estão ocupadas com uma porção de objectos inúteis e sem valor, e não queres largar essas coisas para receber esse presente, recusando-o assim. O mesmo acontece a Deus e sua salvação. Mas, suponhamos que tu largas tudo e aceitas o presente. Nada mereces pelo facto de estenderes a mão para receber o presente, mas, ao fazeres assim, satisfazes a condição para receber essa dádiva. O mesmo se dá em relação à salvação.

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