"Deus, em tua graça, transforma o nosso país"

Autor: Conselho Mundial de Igrejas




DOCUMENTO FINAL

A IX Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas à luz da realidade brasileira
I – Em busca da unidade sob a graça de Deus
Nos dias 01 a 03 de agosto de 2006, cerca de 90 pessoas, representando as igrejas membros do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), organismos, igrejas e membros fraternos, representações regionais do CONIC, institutos de formação teológica, além de convidados/as reuniram-se em Guarulhos, São Paulo, no seminário que teve como tema “Deus, em tua graça, transforma o nosso país”, sob a inspiração da IX Assembléia do CMI. O encontro foi marcado por um clima de alegria, de unidade e solidariedade evangélicas na caminhada ecumênica, intensa oração e reflexão sobre a conjuntura atual do movimento ecumênico, particularmente no Brasil. O objetivo do seminário foi refletir sobre a IX Assembléia do CMI à luz da realidade brasileira.
Foto: Paulo Hebmüller

II – A rica experiência da IX Assembléia
A IX Assembléia do CMI, realizada em fevereiro de 2006, em Porto Alegre, RS, foi uma experiência de profunda comunhão espiritual, um espaço de encontro, de intercâmbio, de reflexão e de diálogo vividos por uma parte significativa da família cristã. O fato de ter sido a primeira assembléia desse organismo realizada em terras latino-americanas, reforçou uma das características da reflexão e ação ecumênicas do CMI: a contextualidade. Os elementos que marcam a presença cristã no continente se fizeram presentes durante a assembléia: a fé, a alegria, a música, a festa, a cor, o ritmo, o calor, as divisões sócio-econômicas, a história de povos colonizados, escravizados, as culturas e religiões silenciadas, as teologias que brotam do engajamento na luta contra toda forma de sofrimento e de exclusão. Diversas questões foram explicitadas nas atividades vinculadas à IX Assembléia, nos documentos por ela emanados, nas políticas aprovadas para os próximos sete anos, buscando a reconfiguração do movimento ecumênico, estreitando e aprofundando as relações do CMI com as igrejas membros, ampliando as relações com igrejas não membros (Católica Romana, Pentecostais, Fórum Cristão Global), investindo na formação ecumênica, reforçando as parcerias, evitando a duplicação de esforços/atividades e reafirmando a voz e o testemunho proféticos do CMI no mundo.
Compreende-se a importância de igrejas latino-americanas serem membros do CMI (atualmente são 27 igrejas latino-americanas, das quais cinco são brasileiras). Destaca-se que a IX Assembléia deu espaço importante à América Latina na atual composição da liderança do organismo, tendo como moderador do Comitê Central o pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil Walter Altmann, cinco latino-americanos membros do Comitê Central e uma integrante no Colégio de Presidentes do CMI, a pastora Ofelia Ortega.
O CMI também enfrenta dificuldades e crises. Externamente, há uma histórica oposição e fortes atitudes anti-ecumênicas; distanciamento bastante generalizado do movimento pentecostal e das igrejas independentes em franco crescimento. Internamente, o CMI enfrenta divergências de ordem teológica e prática como, por exemplo, quanto à eucaristia, à ordenação de mulheres e ao diálogo com religiões não-cristãs. Além disso, a séria crise financeira dificulta a realização da agenda ecumênica. Não obstante, o CMI ainda é considerado por historiadores da Igreja, teólogos e pastoralistas a mais importante expressão do movimento ecumênico mundial e a mais importante organização religiosa surgida no século XX.

III – Igrejas e movimento ecumênico no Brasil à luz da IX Assembléia
A pujança bem como as crises por que passa o CMI refletem-se no contexto eclesial e ecumênico no Brasil. Há, por um lado, um Conselho Nacional de Igrejas – CONIC, que reúne as igrejas cristãs que integram o CMI e conta com a participação – como co-fundadora – da Igreja Católica Apostólica Romana. O CONIC, que agora amplia a sua ação através de conselhos regionais e solidifica sua representatividade diante da sociedade brasileira e de órgãos governamentais para “DEUS, EM TUA GRAÇA, TRANSFORMA O NOSSO PAÍS” 2
tratar de questões de relevância social, é uma genuína manifestação da graça de Deus às igrejas brasileiras e ao movimento ecumênico. Por outro lado, o movimento ecumênico brasileiro atravessa crises semelhantes às que se manifestam no CMI. Cristalizam-se posições anti-ecumênicas no interior das igrejas membros; há dificuldade de diálogo com os movimentos pentecostais e neo-pentecostais; cresce a dificuldade financeira para a realização de programas ecumênicos.
Essas dificuldades agravam-se por fatores externos ao movimento ecumênico, como o fato da mídia construir uma imagem pública das igrejas que, em geral, não corresponde ao que elas, de fato, são; o material usado na catequese das diversas igrejas não reflete o espírito e a orientação ecumênica que estas mesmas igrejas possuem; a formação teológica em alguns institutos de teologia das igrejas é carente da dimensão ecumênica ou a setoriza em disciplinas e temas; a construção de teologias amparadas em fontes que nem sempre enfatizam o espírito do diálogo ecumênico.
Nesse contexto, urge alimentar a convicção ecumênica por práticas de acolhida mútua entre as igrejas membros, sobretudo em momentos fortes como concílios, assembléias, sínodos, etc.; é preciso fomentar a partilha de informações; exercitar a linguagem do respeito entre as igrejas e a prática da escuta permanente; reconhecer culpas e buscar o perdão mutuamente; rever elaborações teológicas de caráter excludente ou de afirmação de superioridade, sobretudo nas formulações eclesiológicas; estimular o intercâmbio entre os organismos ecumênicos de dimensão continental.
Particularmente no âmbito da formação teológico-pastoral e espiritual, dever-se-ia explicitar a dimensão ecumênica como um elemento essencial. Poderá contribuir para isso a inclusão nos programas de formação teológica das igrejas o estudo das quatro grandes tradições cristãs: ortodoxa, católica romana, da reforma e pentecostal. O recurso apenas a fontes confessionais recentes nem sempre é a melhor base para a caminhada ecumênica. As igrejas poderão melhor se encontrar no retorno às fontes comuns, como a Escritura e a Tradição dos primeiros séculos. Além disso, as igrejas deveriam acentuar a espiritualidade e as tradições celebrativas (litúrgicas), considerando-as como um importante celeiro de estímulos ecumênicos. No campo prático, há que se incentivar a ação conjunta das igrejas no meio social, considerando o fato de que o movimento ecumênico latino-americano nasceu de lutas concretas cujas causas, não obstante todos os esforços e boa vontade, persistem, como a pobreza, a injustiça e as inúmeras formas de exclusão.

IV – O desafio do diálogo inter-religioso para as igrejas e o movimento ecumênico
A IX Assembléia do CMI colocou-se diante do desafio de refletir sobre o fato inegável e irrevogável da pluralidade religiosa. O que representa o pluralismo para as igrejas e o movimento ecumênico? Há premente necessidade de diálogo entre as religiões como forma de superar as estreitezas de pensamento e de atitude que caracterizam o mundo hoje. Urge também um compromisso comum para alcançar uma coexistência pacífica e solidária, no respeito da dignidade e dos direitos. As religiões devem estreitar laços de cooperação para contribuir na construção de uma cultura de paz.
Embora vivamos em um país majoritariamente cristão (cerca de 90% da população professa a fé cristã), estudos demonstraram que o sincretismo é uma “DEUS, EM TUA GRAÇA, TRANSFORMA O NOSSO PAÍS” 3
característica do universo religioso brasileiro e, mais recentemente, estatísticas indicam que ocorre aí uma enorme mobilidade e ampliação. A busca por formas de convivência que superem a percepção do outro e da sua crença como ameaça ou obstáculo a ser vencido conduz ao diálogo.
O diálogo é dimensão irrenunciável da existência humana. A identidade, pessoal e coletiva, é forjada justamente na dinâmica do encontro com o outro, com o diferente. Portanto, o diálogo é encontro marcado pela promessa de mútuo reconhecimento e recíproco enriquecimento.
O diálogo entre as religiões deverá, então, ter como eixos centrais os seguintes elementos: humildade (abrir mão da auto-suficiência, conscientizar-se da contingência e vulnerabilidade da própria tradição religiosa); acolhida ao valor da alteridade (a dádiva insuperável da diferença); fidelidade e radicalização de elementos da própria tradição; busca comum da verdade; atitude de compaixão diante do ser humano e do planeta; espiritualidade como forma de interiorizar a necessária cortesia espiritual que deve orientar o diálogo.

V – Chamado à unidade
Ecumenismo é fundamentalmente uma paixão; não nasce de um vago desejo das igrejas, mas do âmago da fé: “(…) Que todos sejam um para que o mundo creia.” (Jo 17.21). Esta paixão é mais forte do que eventuais percalços, porque é carregada pela Promessa. Esta consciência, interpelando as comunidades cristãs, sobretudo a partir de três horizontes, missão, solidariedade e reflexão teológica, confluiu na constituição do Conselho Mundial de Igrejas.
A IX Assembléia do CMI convoca a expressarmos visivelmente a unidade a partir dos elementos que já nos são comuns com vistas à plena comunhão da Igreja de Jesus Cristo. Esta comunhão se expressa “(…) na confissão comum da fé apostólica, uma vida sacramental em comum, à qual temos acesso no batismo único e celebramos juntos numa só comunidade eucarística: uma vida em comum em que os membros e ministérios se reconhecem e se reconciliam mutuamente; uma missão comum como testemunho do Evangelho e da graça de Deus e a serviço de toda a criação.”
As igrejas envolvidas no movimento ecumênico são desafiadas a “reconhecer âmbitos de renovação em suas próprias vidas e novas oportunidades para aprofundar suas relações com igrejas de outras tradições”. Urge, então, que cada uma das nossas igrejas responda às seguintes questões:
– Em que medida se pode discernir a expressão fiel da fé apostólica em nossa igreja, em sua própria vida, oração e testemunho, bem como nas outras igrejas?
– Em que medida nossa igreja percebe a fidelidade a Cristo na fé das outras igrejas?
– Nossa igreja reconhece um modelo comum de iniciação cristã, baseado no batismo, na vida das igrejas? Por que nossa igreja crê que é necessário, aceitável ou impossível partilhar a Ceia do Senhor com outras igrejas?
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– De que maneiras nossa igreja pode partilhar da espiritualidade de outras igrejas?
– De que forma nossa igreja irá se unir às outras igrejas para fazer frente aos problemas implantados pelas hegemonias sociais e políticas, à opressão, à pobreza e à violência?
– Até que ponto nossa igreja participará com outras igrejas de uma missão apostólica?
– Em que grau nossa igreja partilha com as outras a formação religiosa e a educação teológica das demais?
– Em que medida nossa igreja pode se unir em oração com outras igrejas?

VI – Conclusão
As/os participantes do seminário insistiram na necessidade de maior integração das igrejas membros do CONIC, através da formação e espiritualidade ecumênicas dos membros de nossas igrejas, a serem construídas por meio dos seguintes instrumentos:
– maior divulgação e empenho na organização da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos;
– recepção e divulgação dos documentos ecumênicos;
– revisão do currículo dos institutos teológicos, introduzindo o ecumenismo como dimensão transversal da formação teológica e espiritual;
– favorecer a atuação de professores de diferentes igrejas na disciplina e/ou na abordagem de questões ecumênicas nos institutos de teologia;
– incentivo à formação de multiplicadores/as ecumênicos através de cursos, retiros ecumênicos e elaboração de subsídios em linguagem popular;
– retomada da Década para a Superação da Violência;
– investimento na formação ecumênica da juventude;
– adoção de uma política de ampliação da ação do CONIC, valorizando as representações e núcleos regionais;
– incentivar e promover ações voltadas para o diálogo na perspectiva das relações de gênero;
– promoção do diálogo e da cooperação inter-religiosa para uma cultura de paz.
As/os participantes acreditam que estas iniciativas podem promover uma cultura dialogal e fortalecer a identidade das igrejas no Brasil.

Guarulhos, SP, 03 de agosto de 2006
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