Culto ou entretenimento?

Autor: Lourenço Stelio Rega
“Acabamos transformando o culto numa espécie de ‘missa evangélica’ e num meio de graça centralizado em nossos interesses”

“O culto hoje foi uma bênção.” Frases como esta podem ser ouvidas em toda porta de templo evangélico. Se a pessoa sentiu-se bem, ou foi confortada, então o culto valeu. Parece que estamos muito distantes do que seja um culto segundo a visão do Novo Testamento. Retomando o diálogo de Jesus com a mulher samaritana descrito no Evangelho de João, encontramos a preocupação dela em desejar saber qual o lugar verdadeiro da adoração, se em Samaria ou Jerusalém. Esta era uma das preocupações dos judeus e samaritanos naquela época.

A resposta de Jesus não considerou o centro da pergunta da mulher: “Deus procura verdadeiros adoradores que o adorem em espírito e em verdade”. O foco da adoração sai do espaço e volta-se para a pessoa. Sai do ritual exterior e aponta para o coração do adorador. Afasta-se do cumprimento de obrigações religiosas e segue em direção ao desejo de adorar, como resultado de uma vida de abnegação e lealdade a Deus.

O redirecionamento que Jesus faz ao ato de adorar toca profundamente no ritualismo mecânico e interesseiro vivido naquela época, como mesmo mostra o profeta Isaías: “Este povo se aproxima de mim, com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas tem afastado para longe de mim o seu coração e o seu temor para comigo consiste em mandamentos humanos aprendidos de cor.” A adoração é o cerne da fé cristã, a ponto de Paulo nos ensinar que a dedicação de nossa vida no altar de Deus, como um sacrifício vivo, é um culto racional. Isso é um ato diário de lealdade a Deus em cada decisão que teremos de tomar.

Adorar significa prestar culto, reconhecer que Deus está acima de tudo, prestar-lhe gratidão por seus feitos. A adoração é fruto de uma vida diariamente consagrada e leal a Deus. Adorar é fruto, não produto de alegria ou do sentido de vida. Acabamos, na realidade, transformando o culto numa espécie de “missa evangélica” e num meio de graça centralizado em nossos interesses, na busca de sentimentos agradáveis. Uma coisa é dizer “Vamos ao culto”; outra, é dizer: “Vou adorar”. Culto não é um lugar, mas um estado de espírito. Se Deus busca adoradores que o adorem em espírito e em verdade, o culto depende muito mais de nossa disposição íntima em reconhecer a soberania de Deus do que nosso desejo de atender as demandas de auto-satisfação emocional.

É claro que as emoções estarão presentes no ato do culto, pois, afinal, o ser todo e todo o ser que respira deve louvar a Deus. Mas transformar o culto numa catarse é extrapolar o seu real significado. Se a pessoa precisa de atenção especial na busca de soluções para sua vida, deve buscar um aconselhamento, não o culto.

Quando precisamos de “acessórios” que nos preparem para a adoração, talvez seja por que transformamos a adoração em entretenimento. Se adorar é dar a Deus nosso louvor, nosso reconhecimento de sua grandeza, por que vamos ao templo buscando no culto algo para nós? Quando vamos comprar um presente para uma pessoa, pensamos nela e não em nós. Se o culto pode ser comparado a um presente que damos ao nosso Deus, temos de pensar nele e em como agradá-lo.

Publicado com autorização do autor que é teólogo, educador e escritor.
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