Autocrítica de um pastor da igreja

Autor: Dom Amaury Castanho – Bispo Diocesano
Procurei justificar, com objetividade, as numerosas razões do preparo da Igreja católica para enfrentar os desafios deste limiar do terceiro milênio. No mesmo artigo acenei, apenas, às minhas preocupações pessoais que acredito compartilhadas por não poucos bispos, presbíteros e fiéis leigos com o pé no chão.
Hoje, numa linha de autocrítica, com a mesma objetividade, desejo compartilhar com os meus leitores as maiores preocupações que tenho quanto ao futuro da Igreja no Brasil. Agradeceria qualquer ponderação dos que discordassem do meu posicionamento. Os 60 anos de minha inserção na vida religiosa e católica brasileira, permitem-me apontar alguns dos maiores problemas internos e externos enfrentados pela Igreja, que tenho procurado servir.
Contradição entre fé e vida – O fervor católico do nosso povo impressiona ao europeus que nos visitam. As nossas igrejas estão sempre lotadas. Milhares de adolescentes e jovens deixam tudo para consagrar-se a Deus. Nossas praças e estágios têm sido pequenas para conter a multidão de carismáticos. Mas é inegável a contradição entre o que 130 milhões de brasileiros crêem e como se comportam. Se é certo que alguns milhões são coerentes com a sua fé, na vida particular, familiar e profissional, não é menos certo que a absoluta maioria dos jovens e adultos católicos, têm critérios e conduta duvidosa. O fervor religioso não consegue levá-los a um comportamento honesto no mundo dos negócios, coerente em sua vida cívico-política e afetivo-sexual…
Dissonâncias internas – Debordou para o grande público o fato de haver, no interior da Igreja, não apenas as naturais tensões de sempre, entre o centro e a periferia da cristandade, mas também profundas divergências entre bispos, padres e leigos. Ficam na superficialidade os que pensam tratar-se de diferenças secundárias. Na realidade, são profundas, porque decorrem de posicionamentos bíblicos, cristológicos e eclesiológicos, com evidentes implicações em caminhos e opções pastorais. Há os ousados, que avançam demais, como há os tímidos, empenhados na manutenção do status quo. A absoluta maioria moderada do episcopado, acima de tudo de Pastores, não consegue ter, na grande mídia, a visibilidade dos que continuam extremados em posições marxistas, socializantes ou integristas. Mais que tensões, humildemente devemos reconhecer haver no interior de nossa Igreja posicionamentos contraditórios entre padres e padres, leigos e leigos…
Perda de espaço e liderança – Uma simples comparação entre a Igreja católica das décadas de 30, 40 e 50 com a atual situação, deixa patente que a Igreja – episcopado, clero e laicato – não tem hoje nem o espaço, nem a liderança já tida na vida nacional. Um exemplo é suficiente, parece-me, para comprová-lo. Hoje, a legislação brasileira contradiz os mais sagrados valores da família, da vida e da justiça social. Campeiam livres o divórcio e o aborto, a contracepção e a violência, a exploração de uns pelos outros, a corrupção na vida pública em todas as esferas do poder. Impressiona a qualquer um a venalidade de muitos, a acelerada desagregação moral de nossa juventude, a desvalorização do casamento…
Falta de rumo nas escolas católicas – A Igreja, cujas escolas no Brasil Colônia e Império formaram gerações, plasmando a nacionalidade, recuou de modo impressionante. Das 80% das escolas que tínhamos, em todos os níveis de ensino, não restaram senão 20% das atuais escolas brasileiras. O Estado acabou abrindo escolas para 70% da população infantil e juvenil, despreocupado com a sua formação integral. E, proh dolor, como se não bastasse, há não poucas escolas católicas de muito bom nível informativo, mas em que a formação religiosa e moral passou para um segundo plano. As nossas 17 Universidades Católicas continuam oferecendo ótimos diplomas, porém, nem de longe estão preparando as lideranças católicas conscientes de que a Igreja e o País carecem…
Perda da opinião pública – Tradicionalmente grande formadora da opinião pública de que depende a política nacional, de 1950 para cá devemos reconhecer que já não temos nem a audiência nem a benevolência da opinião pública brasileira. Os atuais formadores da opinião pública são a grande mídia liberal, permissiva e anticlerical. Perdemos a liderança na formação da opinião pública e o resultado é conhecido de todos: a Igreja está acuada, diariamente é agredida, o Projeto que proclama, os valores do Evangelho, as soluções que aponta, já não inspiram a vida das autoridades e de milhões de brasileiros…
Pluralismo religioso e seitas – Éramos, no fim do século XIX, 98% da população brasileira. Hoje, apenas chegamos a 80%, parece, à espera dos resultados do último Censo. É inegável o rápido avanço das igrejas evangélicas e, entre elas, infelizmente, as de linha pentecostal, antiecumênica. Pululam, por toda parte, seitas, terreiros de macumba, e até mesmo rituais satânicos. Horóscopos, crenças de inspiração oriental e esotérica embalam não poucos brasileiros das classes média e alta…
Teologia da Libertação e CEBs – A Teologia da Libertação, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e outros grupos que nelas se inspiram, ocuparam grande espaço na Igreja do Brasil após a Conferência do Episcopado Latino Americano, realizada em Medellín, Colômbia, em 1968. O que poderia significar um grande passo à frente na ação pastoral de nossa Igreja, acabou sendo, inegavelmente, fonte de grandes tensões e divisões internas. Os nossos teólogos e teólogas da libertação, com destaque para Leonardo Boff, Frei Betto e Ivone Gebara, entraram por descaminhos de uma análise marxista da realidade, abusando de categorias nem científicas nem evangélicas, apontando soluções inaceitáveis para as lamentáveis injustiças sociais do País. CEBs, CPTs, CIMIs e POs entraram, celeremente, por esses descaminhos. O resultado é que, ao mesmo tempo, a Igreja perdeu multidões de pobres e, certamente, inúmeros homens de posse, agredidos por uma opção excludente, antievangélica. Mesmo depois da “Libertatis Conscientia” e “Libertatis Nuntius” dos anos de 84 e 86, nossa Igreja não conseguiu superar essas tensões, freqüentemente transformadas em conflitos e deserções…
E a CNBB? – Organizada em 1950, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) existe para promover a comunhão do episcopado e a Pastoral de Conjunto em nossa Igreja. Realmente, ela o conseguiu em seus primeiros 20 anos. Hoje, tida como das Conferências Episcopais mais bem organizadas do mundo, a CNBB, fortemente influenciada por alguns poucos bispos e numerosos assessores, clérigos e leigos, tenta imprimir a todo episcopado e aos atuantes novos Movimentos eclesiais, uma discutível uniformidade, com inspiração mais ideológica que evangélica…
Tenho a certeza de estar sendo neste artigo porta-voz da maioria silenciosa dos nossos bispos, de inúmeros sacerdotes e leigos sofrendo, desnecessariamente, diante de situações que poderiam ter sido evitadas no passado mais recente e precisam ser urgentemente superadas neste limiar do novo milênio.

fonte: http://www.olutador.org.br/jornais/jornal_3361_1.htm

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