Atestado de loucura: o ministério pastoral como uma onda gigante

Autor: Lécio Dornas




 Partindo para a onda…

Talvez muitos de vocês nunca ouviram nada a respeito, mas o grande lance hoje para quem curte o Surf e os esportes nas águas é o tow-in (literalmente "rebocado para dentro", ou ‘surf rebocado’ como é conhecido aqui no Brasil).

O esporte é uma verdadeira loucura, com uma descarga de adrenalina sem precedentes no histórico do esporte universal. Veja só como é o negócio: um atleta (conhecido como big rider) é levado na carona de um jet ski, ao topo de uma onda gigantesca de onde desce surfando. O esporte é praticado em ondas de cerca de 6 metros e cada surfista que entra numa onda assim, arrisca a vida.

O Brasil já tem vários big riders famosos. Mas merece destaque o pernambucano Carlos Burle, que desceu a maior onda já surfada em Maverick’s, norte da Califónia, EUA, em 2002. Imaginem vocês que este brasileiro de 35 anos (na época com 31 aninhos) foi rebocado pelo seu companheiro Eraldo Gueiros e desceu uma onda de cerca de 22 metros.

O esporte é tão perigoso que um site na internet recentemente divulgou o seguinte: "Os principais riscos aos quais os atletas estão sujeitos é desmaiar por falta de ar e conseqüentemente morrer afogado, cair de mal jeito – nada agradável quando a velocidade alcançada pode chegar até 80 km/h – e deslocar ou quebrar algum membro. Bater no fundo de coral e sofrer lacerações, rodar com o lip (parte superior da onda) e no impacto contra a água, quebrando o pescoço ou qualquer outro osso, são outras ocorrências comuns. Por causa disso tudo, os atletas assinam um termo de responsabilidade antes de entrar no mar. Os mais brincalhões dizem que é o famoso "atestado de loucura" (site do Terra, no ar em 9 de março de 2006).

Você assinaria um atestado desses e se aventuraria na prática de um esporte como este que promete lhe proporcionar muita emoção e indescritíveis experiências emocionais e sabe-se lá de quantas outras naturezas?

Muito bem, mas é exatamente isso que cada pastor faz ao assinar o termo de posse e assumir a liderança de uma igreja local. Normalmente ele é rebocado até aquela posição pelo seu prestígio, por sua reputação, por sua experiência em outros ministérios etc, situações e eventos usados pelo jet ski de Deus para conduzí-lo ao ponto de onde ele vai enfrentar a maior e mais fascinante aventura de toda sua vida: pastorear uma igreja local.

As igrejas, como as ondas do mar, são diferentes umas das outras. De forma que a experiência em outras igrejas ajuda apenas como referencial, pois cada pastorado é uma nova e singular aventura. Há ondas maiores e menores, igrejas também… No mar as maiores são mais perigosas e muito mais desafiadoras; com as igrejas é um pouco diferente, o desafio e os perigos são basicamente os mesmos, embora saibamos que as igrejas grandes e antigas representam um universo menos conhecido por parte de quem as vê de fora, portanto, um perigo maior.

A metáfora do surfista se preparando para ‘pegar’ uma onda, aplicada à liderança da igreja, foi usada por Rick Warren em seu best-seller "Uma igreja com propósitos" : "Pastorear uma igreja em crescimento, tal como surfar, pode parecer fácil para o leigo, mas não é. Requer destreza e competência" (1997, p.19). Em 1995, quando Rick Warren publicou seu livro, o tow-in tinha acabado de ser mostrado ao mundo, através de cenas do filme Endless Summer II, mostrando surfistas sendo rebocados por jet sky a ondas gigantes. O filme é de 1994, provavelmente o ano quando "Purpose-Driven Church" estava sendo escrito. Assim hoje, 11 anos mais tarde, com o tow-in ocupando o lugar de mais nova moda no desafio às ondas, podemos alargar o conceito de Rick Warren e olhar pro pastorado de uma igreja local como uma operação de alto risco, que só não vitima quem está devidamente preparado, suficientemente equipado e satisfatoriamente cercado de todo aparato de segurança disponível.

Não é raro vermos pastores deixando ministérios esmagados, emocionalmente com pescoço quebrado, psicologicamente com membros fraturados e eventualmente, com a fé abalada. Tudo por que assinaram um atestado de loucura sem as devidas precauções.

Neste artigo, o foco é precisamente lançado sobre os cuidados que um pastor precisa ter ao aceitar o desafio de pastorear uma igreja local. É necessário entender que o fato de você ser um pastor e aquela igreja desejar tê-lo como líder, não bastam para garantir o sucesso de um ministério. Veja estas dicas colhidas, não apenas da literatura do gênero, mas também de algumas dezenas de conferências, congressos e seminários que freqüentei no Brasil e no exterior e, sobretudo, da avaliação que tenho feito da minha própria experiência nesses quase vinte anos como pastor sênior de igrejas de porte pequeno, médio e grande, que tive o privilégio de pastorear nos Estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso e, atualmente, Bahia.

Então, antes de dizer sim a um convite e antes de assinar o termo de posse, que é o nosso atestado de loucura, reflita sobre estas dicas de pastor para pastores:

1. Deixe Deus ser o seu rebocador!

No tow-in, tudo começa com a escolha de um bom rebocador. Um atleta experiente parte para uma onda gigante no jet sky conduzido por uma pessoa de inteira confiança e de grande afinidade.
 
Ao assumir o pastorado de uma igreja, não pule na garupa de qualquer jet sky para ser rebocado ao pastorado de uma igreja local. Cuidado, muito cuidado, com as manobras, os jeitinhos, as "amizades", os interesses denominacionais etc. Só aceite ser rebocado pelo Senhor que te chamou e te sustenta no seu ministério. "Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério." (I Timóteo 1:12 – RA).

Quando Deus é o seu rebocador, você pode assinar com tranqüilidade o termo de responsabilidade e enfrentar a onda gigante do seu novo ministério. Você será abençoado.

2. Tamanho não é documento, olho na missão!

Não se deixar impressionar e muito menos se intimidar com o tamanho da onda é outro segredo do sucesso no tow-in. É claro que o medo está presente, na verdade o medo até exerce o papel de manter o surfista alerta e ligado em tudo à sua volta, mas a questão toda não é o tamanho da onda, mas sim o estado do mar. Perceba que, por maior que seja a onda, será sempre uma gota quando comparada ao mar. Por isso o surfista deve concentrar-se em sua missão de surfar na onda e sair dela na hora certa, em segurança.

Ao assumir a liderança pastoral de uma igreja local, mantenha-se no foco no cumprimento de sua missão, pastorear o rebanho de Deus de forma a conduzi-lo a um crescimento saudável. Lembre-se que sua tarefa não é fazer as coisas sozinho mas sim equipar as pessoas da igreja para que ela realizem o ministério: "Foi Ele quem deu dons às pessoas. Ele escolheu alguns para serem apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e ainda outros para pastores e mestres da Igreja. Ele fez isso para preparar o povo de Deus para o serviço cristão, a fim de construir o corpo de Cristo." (Efésios 4:11, 12 – NTLH).

3. Prepare-se e equipe-se adequadamente!

Surfar numa onda de 6, 10 ou até 20 metros de altura, não é brincadeira e não pode ser levado na brincadeira. Não adianta nada querer ou sonhar em surfar uma super onda se você não se preparar para isso. Os grandes atletas das ondas chegaram lá depois de uma trajetória de treinamentos, cursos, participações em campeonatos menores; tiveram que aprender os mistérios do mar e os segredos das ondas, precisaram criar intimidade com aquelas ondas. Também precisam de equipamentos, que vão desde aqueles acessórios básicos até ferramentas mais específicas selecionadas a partir de cada realidade a ser enfrentada. Querer surfar grandes ondas sem estar preparado física, emocional e psicologicamente pode acabar em desgraça.

Não é diferente no ministério pastoral, onde o obreiro precisa estar preparado física, emocional, psicológica, acadêmica e espiritualmente. A falta de preparo adequado numa dessas dimensões pode colocar a perder todo o sonho de um pastorado promissor. Ao assumir o pastorado de uma igreja local, tenha a consciência de que você precisa cuidar de sua saúde, do seu corpo, pois o desgaste é muito grande no exercício do pastorado. Mas o equilíbrio psicológico e emocional precisa ser nutrido e a qualidade da vida espiritual deve ser a mais elevada.

Quanto ao equipamento, as ferramentas são as mais variadas, procure conhecer as estratégias e os recursos disponíveis. Atente para as experiências de outras culturas e realidades, aprenda o que está dando certo em todos os lugares, leia a respeito de novos modelos, filosofias de ministérios e sobre tudo o que tiver a ver com a igreja local. Seja um ‘devorador’ de livros e de artigos. Procure agregar à sua formação acadêmica treinamentos e capacitações que possam ser úteis no seu ministério, seja um eterno aprendiz. "Até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro." (Efésios 4:13, 14 – RA)

4. Não se descuide da segurança!

Segurança é a regra número um no tow-in. Em alguns lugares, como em algumas ilhas do Hawai, o tow-in só pode ser praticado por atletas que primeiro se submetem a um treinamento, onde significativa parte é dedicada ao aspecto da segurança. Há questões ligadas ao condicionamento físico, ao preparo para lidar com situações de perigo, aparato de segurança compatível com a periculosidade da manobra. Enfim, se o atleta se descuidar de sua segurança, pode se tornar vítima de seu esporte amado.

O exercício do ministério pastoral também requer do obreiro que se cerque de medidas preventivas que lhe garantam a segurança necessária para liderar e abençoar seu rebanho como pastor.

Algumas medidas o protegem como não tomar decisões isolado, não agir desconsiderando quem está junto, levar em conta a opinião de quem está te ajudando a remar no mesmo barco. Também é oportuno ficar ligado às armadilhas que o inimigo arma o tempo todo; quer nas finanças, ou no relacionamento com o sexo oposto; quer no trato com o poder, ou no lidar com a vaidade. Muito cuidado! Cada um tem seu ponto franco e o diabo acaba descobrindo… ali ele ataca ferozmente. Monte guarda e cerque-se de segurança. Já vi muitos caindo que, no passado, criticaram e caluniaram quem caiu. Quando você tomar conhecimento que um outro pastor caiu em qualquer área de sua vida, ore por ele, ajude-o se puder; caso não possa, interceda por ele. Aprenda com a queda dos outros e tome providências para que o inimigo não faça de você a próxima vítima. "Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque, fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes." (I Timóteo 4:16 – RA) e ainda "Eu trato o meu corpo duramente e o obrigo a ser completamente controlado para que, depois de ter chamado outros para entrarem na luta, eu mesmo não venha a ser eliminado dela." (I Coríntios 9:27 – NTLH).

5. Não tente caminhar sozinho!

O tow-in é um esporte impossível de ser praticado sozinho. O atleta de tow-in precisa desenvolver uma parceria com um outro atleta que o rebocará no jet sky até o topo da onda. É uma relação de confiança e de muita proximidade. Um acaba ‘lendo os pensamentos’ do outro, a sintonia vai ficando cada vez mais fina e quanto maior for a confiança um no outro, maiores são as chances de sucesso. Se a pessoa que atuar como rebocador for um estranho, a manobra será totalmente prejudicada.

A idéia de companheirismo e de mentoria no exercício do ministério pastoral tem sido muito difundida em nossos dias. Graças a Deus hoje se dá muita ênfase nessa necessidade de que o pastor tem de ter alguém com quem contar no seu ministério e para quem contar os seus mistérios. É claro que existe muito pietismo e muita compreensão errada e exagerada do que vem a ser mentoria; mas o fato é que é um verdadeiro desatino querer levar sozinho toda carga emocional de um pastorado.

Marcos Wunderlich é Consultor, palestrante, atua principalmente em Capacitação, Instrumentação e Implantação de Coaching e Mentoring em empresas e organizações, aliado aos processos de Gestão e Liderança de Alta Performance. Num artigo recente publicado na WEB (confira o artigo, no ar em 10 de março de 2006), ele citou uma definição de mentoria cunhada pelo americano Jack Carew: "Mentoria é o ato de despertar as grandes possibilidades que existem nas pessoas". Ser mentor não é vigiar o outro, tampouco subjugá-lo, mas sim despertar o outro para as suas potencialidades e valores; é fazê-lo ver onde pode chegar e deixá-lo fazer as própria escolhas e tomar as própria decisões, acompanhando-o de forma a garantir-lhe apoio e auxilio sincero e verdadeiro. Wunderlich comenta, no mesmo artigo, que "Tornar-se Mentor significa tornar-se um amigo do Mentorado, num relacionamento que pode se estender por longo prazo (…). A Mentoria não é terapia, mas uma forma de autodesenvolvimento a partir das orientações do Mentor."

Ao assumir a liderança pastoral de um igreja local, eleja um parceiro de oração e compartilhamento, faça dele o seu mentor e se lance nessa tarefa de melhorar a cada dia em cada área de sua vida. Deixar-se mentorear é declarar amor por você mesmo, é querer o próprio bem. "…toma contigo Marcos e traze-o, pois me é útil para o ministério." (II Timóteo 4:11).

Chegando à praia…

Não resta a menor dúvida de que, de fato, assumir a liderança pastoral de uma igreja local é assinar um atestado de loucura. Porém, lembremos que "aquilo que parece ser a loucura de Deus é mais sábio do que a sabedoria humana, e aquilo que parece ser a fraqueza de Deus é mais forte do que a força humana". (I Coríntios 1:25 – RA). E ainda que "Para envergonhar os sábios, Deus escolheu aquilo que o mundo acha que é loucura; e, para envergonhar os poderosos, ele escolheu o que o mundo acha fraco." (I Coríntios 1:27 – RA).

Deus vai usar a loucura do Evangelho, através da loucura de ministérios pastorais locais comprometidos com os valores do Seu reino em nosso querido Brasil. Para tanto, não tenha receio de colocar em prática as estratégias e as idéias que o Senhor colocar em seu coração. Não sacralize os métodos e nunca canonize as estratégias, pois a graça e a sabedoria de Deus não são uniformes, mas sim multiformes (I Pedro 4:10 e Efésios 3:10).

Deixe Deus rebocar você para as ondas enormes e maravilhosas, desafiadoras e cheias de oportunidades e de bênçãos, como você jamais conseguirá imaginar. Esta é minha versão pessoal de Jeremias 33:33 "Clama a mim, e responder-te-ei e anunciar-te-ei coisas grandes e firmes, que não sabes."

Lécio Dornas é teólogo, educador, escritor, facilitador de programas de formação de docentes e de líderes e Pastor Sênior da Igreja Batista Dois de Julho, em Salvador – BA.

Fonte: Lideranca.org (SEPAL)

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