Aspectos missionários urbanos de Paulo em Atos dos Apóstolos

Autor: Luís André Bruneto Oliveira

Trabalho apresentado na Faculdade Teológica Sul Americana (www.ftsa.com.br) em Londrina – 2003

RESUMO
O presente trabalho visa inteirar o leitor com as principais estratégias missionárias urbanas de Paulo em Atos dos Apóstolos e depois refletir se essas estratégias continuam ou não eficazes nos dias de hoje. Propus para isso dois capítulos. O primeiro visa descrever toda a ação de Paulo e o que motivava o apóstolo a fazer missão urbana. Dividi este capítulo em duas partes. A primeira parte fala das suas motivações missionárias, ou seja, o que impulsionava o apóstolo a sair pelas principais cidades da época plantando igrejas. A segunda parte descreve suas estratégias de missão urbana de Paulo. Como num exercício em sala de aula, relacionamos juntos com os demais alunos mais de vinte motivações missionárias de Paulo, e seria impossível descrever todas as estratégias em apenas vinte páginas, relacionei apenas cinco das que considero mais importantes.
O segundo capítulo apresenta as reflexões do movimento missionário urbano de Paulo. Também dividi esse capítulo em duas partes, seguindo o raciocínio do primeiro capítulo. Na primeira subdivisão, procuro avaliar se as motivações de Paulo são legítimas nos dias de hoje e como podemos fazer para que elas continuem relevantes. No segundo plano, procurei avaliar se as estratégias que Paulo usou podem ser eficazes na atualidade.

INTRODUÇÃO
A igreja se relaciona diretamente com a vida comunitária. Ela vive junto, ora e atua em comum, onde cada um coopera para o bem de todos e através da construção de uma sociedade cristã e justa se deduz qual é o sentido de ser igreja. A missiologia está sempre presente, levando a comunidade eclesial a atuar de modo a obedecer a ordem de seu Senhor, apontando o sentido de sua existência. A força atual da igreja só será medida quando se puser em prática a missiologia, com todos os elementos que ela supõe.
Deus decidiu precisar de homens e mulheres para realizar isso de proclamar seu Filho. Por isso, os resgata, os chama, os vocaciona, os capacita e os respalda para essa obra. Esse é o papel da igreja: através da ação polarizadora do Espírito Santo levar as boas novas aos que ainda não ouviram. Ou seja, precisamos conhecer a Deus e torná-lo conhecido.
Devemos para isso não medir esforços em aprender com Paulo em Atos dos Apóstolos. Em primeiro plano, analisar profundamente o que motivava o apóstolo a pregar o evangelho de cidade e cidade e as estratégias que ele usou para fazer isso. E desta forma, num segundo momento, teremos uma visão clara para ver se podemos ou não usar essas mesmas motivações e estratégias para a transformação da sociedade vigente através da obra redentora e conciliadora de Jesus Cristo, proclamado com profundidade teológica e fervor missionário.

CAPÍTULO I
ANÁLISE DO MOVIMENTO MISSIONÁRIO URBANO DE PAULO
Ao enviar seu Filho ao mundo “para que todo o que Nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3:16), Deus-Pai inicia o processo de missão do Novo Testamento. Jesus, o Verbo vivo, reage positivamente à decisão paterna, esvaziando-se de si mesmo (Fl 2:7) e assumindo a forma humana, tornando-se o principal missionário da Nova Aliança. Sua vida foi dedicada ao trabalho de ensinar e discipular principalmente 12 homens para a visão missionária que havia brotado no coração do Pai Celeste, sempre no poder do Espírito Santo.
A partir do evento Pentecostes, portanto, a reação dos discípulos a essa vocação de evangelizar, ensinar e discipular o mundo é notória. Com a primeira pregação de Pedro em At 2:14-36, surgiram os primeiros convertidos à fé cristã, que subiu o número dos que criam a aproximadamente três mil pessoas (At 2:41). A partir desse momento, a Comunidade começa organizar-se, sob a direção dos Apóstolos, e contando com a “simpatia de todo o povo” (At 2:47).
A Comunidade dos primeiros dias era bastante singular. Os neófitos, juntamente com os seguidores mais antigos de Jesus, mostravam-se “assíduos ao ensinamento dos apóstolos” (At 2:42 – BJ). Eles vendiam propriedades privadas e depositavam o montante aos pés dos apóstolos, que empregavam o mesmo à medida das necessidades dos membros da comunidade (At 2:45). A palavra no original grego traz “κοινωνία”, expressão traduzida por associação, comunhão, fraternidade, relacionamento íntimo .
Depois de participar do apedrejamento de Estevão, o primeiro mártir da igreja cristã, Paulo juntamente com outros judeus de Jerusalém levantaram-se em uma grande perseguição aos do “Caminho”. Impiedosamente, arrastava homens e mulheres cristãs de seus lares e os encarcerava.
Contudo, os que foram dispersos continuavam a grande obra de expansão da igreja. Filipe prega em Samaria e dado a conversão de muitas pessoas naquela cidade, os apóstolos Pedro e João são enviados para lá pela igreja de Jerusalém.
Paulo ainda continuava na trilha da perseguição e para tanto pediu cartas de autorização ao sumo sacerdote  para ir às sinagogas de Damasco, prender e levar para Jerusalém os irmãos que se encontrassem por lá.
Mas, durante o caminho de Damasco ocorre o mais importante acontecimento da história, do Pentecostes até ao dia de hoje  .
Com a conversão de Paulo o movimento missionário ganhou força. Em Atos 13, o Espírito Santo mostra claramente a missão que Paulo e Barnabé deveriam desempenhar. Com o aval da igreja de Antioquia, os dois saem para a tarefa missionária.
A partir daí Paulo passa para a história, então, como uma combinação de teólogo profundo e missionário fervoroso .
Para analisar o movimento missionário do apóstolo Paulo precisamos responder duas perguntas: o que motivou Paulo nessa tarefa e quais foram as estratégias missionárias que ele usou.

1. Por Trás dos Bastidores – Análise das Motivações Missionárias de Paulo
Paulo estava motivado a evangelizar, plantar igrejas e organizar comunidades, apesar de toda hostilidade e perseguição de seu povo. Era óbvio que algo o movia. Podemos chamar isso de motivações missionárias de Paulo. A pergunta que nos urge é: o que motivava Paulo a pensar em missão?

1.1. Paixão por Cristo
A primeira motivação de Paulo era proveniente de um sentimento levado a um alto grau de intensidade, de um amor ardente, de uma inclinação afetiva, de um afeto dominador, um entusiasmo muito vivo por Cristo e sua obra. Este sentimento norteava o ministério de Paulo e o impelia para que levasse adiante as Boas Novas. Podemos descobrir isso através do conteúdo de suas cartas.
Para Paulo, não existia nada no céu ou na terra que nos podia separar do amor de Cristo, e por causa desse amor somos entregues à morte o dia todo (Rm 8:36-39). O que Deus preparou para esses que o amam é incomparável (1 Co 2:9).
A paixão do apóstolo pro Cristo era tão grande que ele chega a amaldiçoar aqueles que não amam O amam (1 Co 16:22). Na carta de Gálatas (2:19-20) Paulo declara que está morto para si mesmo (crucificado com Cristo), e que Cristo vive nele.
Ainda, na carta aos filipenses (1:21-23) faz uma declaração impactante: o viver para ele era Cristo, portanto se morresse ele lucraria, pois estaria com o Senhor. Em 2 Tm 4:8, o apóstolo escreve a respeito da coroa que o espera, e de todos aqueles que amam a vinda do Senhor.
Essa paixão, portanto, incitava o apóstolo a estar sempre no centro da vontade daquele a quem pertencia seu coração.
 
1.2. Paixão pela igreja
Por diversas vezes vemos Paulo tomando as dores de Cristo pela igreja. Podemos entender essa preocupação como um resultado do amor ardente de Paulo por Cristo. O sentimento motivador de Cristo a se entregar pela igreja era o mesmo que Paulo tinha por ele. A entrega, portanto era bilateral: Cristo se entregou pela igreja, e Paulo se entregou por ele.
Na sua segunda carta aos coríntios (12:15) ele mostra que estava disposto a gastar-se  totalmente para o bem da igreja. Essa paixão o levava a não pensar em si, mas demonstrava uma genuína solicitude sob aqueles que ele cuidava. 
As suas epístolas às igrejas eram carregadas de uma preocupação abnegada por tudo o que acontecia dentro dessas comunidades. Ele considerava-os seus filhos, e por isso exortava quando era preciso. Um exemplo muito claro disso é da igreja de Corinto. Essa comunidade foi fundada por Paulo durante a sua segunda viagem missionária. O que gerou a composição de 1 Coríntios foram uma resposta de uma carta enviada pelos próprios coríntios (7:1), e as notícias perturbadoras à respeito da situação da igreja (1:11). Paulo trata dos problemas que incluíam divisões na igreja, imoralidade, e perguntas a respeito de diversas questões.
Alguns textos mostram a preocupação e a afeição de Paulo com as comunidades cristãs provenientes de uma grande paixão: 2 Co 6:13; Ef 3:1; Fl 1:3-5, 4:1-4; Cl 1:3-10, 1 Ts 1:2-10,  5: 12-27; 2 Ts 1:11-12, 3:6-15.
 
1.3. Convicção do seu chamado
A terceira motivação missionária do apóstolo Paulo era a profunda convicção de que ele fora chamado para ser apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de Deus. Isso se expressa na maioria de suas epístolas, nas quais ele recorre à autoridade de seu apostolado para confirmar seu ministério (Rm 1:1, 1 Co 1:1, 2 Co 1:1, Gl 1:1, Ef 1:1, Cl 1:1, 1 Tm 1:1, 2:7; 2 Tm 1:1, 1:11; Tt 1:1). Nas epístolas de Filipenses e Filemom, escritas com Timóteo, Paulo se intitula servo (Fl 1:1) e prisioneiro de Cristo Jesus (Fm 1).
Paulo se considerava um apóstolo como os outros doze que andaram com Jesus durante os três anos e meio de seu ministério terreno. Essa autoridade apostólica vinha do fato dele ter visto o Senhor Jesus em sua viagem a Damasco (1 Co 9:1), e de ser um instrumento para levar o evangelho às pessoas. Ele chega a defender seu apostolado na primeira carta aos Coríntios (10, 11, 12).
Essa convicção de que fora chamado para pregar o evangelho impulsionava Paulo a continuar seu trabalho mesmo diante das muitas pressões e perseguições que sofria (Rm 1: 16-17; Fl 3:12-14; Cl 4:3; 1 Ts 2:2).
 
1.4. Necessidade das pessoas
Outra motivação missionária que constrangia Paulo era a visão que ele tinha de que o mundo necessitava das Boas Novas. Em 1 Tm 2:4, ele diz que o desejo de Deus é que todos as pessoas cheguem ao pleno conhecimento da verdade; e esse era também um desejo do próprio Paulo.
Segundo Lopes , o alvo de Paulo era o mundo, os gentios, o remanescente fiel, o maior número possível de eleitos, onde os pudesse encontrar. Essa visão, impossível de ser medida em números, fazia parte da motivação de Paulo em sair plantando igrejas ao longo de seu ministério.
Ele almejava ganhar o maior número de pessoas (1 Co 9:9), porque entendia a real necessidade do mundo em conhecer a Deus. Em Atenas, ele chega a se comover por ver as pessoas presas pelo pecado (At 17:16). Em Filipos, ele liberta uma moça possessa de um espírito adivinhador, indignado com a exploração que os donos dela realizavam (At 16:16-18). Isso mostra a grande compaixão que ele tinha com as pessoas.

1.5. Convicções teológicas
Depois de sua conversão, Paulo se retirou para a Arábia por algum tempo (Gl 1:16-23). O motivo dessa viagem não aparece em seus escritos e nem em Atos. Mas é possível que Paulo tenha se ausentado para poder pensar em todas as implicações de seu encontro com o Cristo ressurreto na estrada de Damasco . Talvez essa temporada tenha sido uma ocasião para Paulo ajustar suas convicções teológicas judaicas com a revelação que recebera de Cristo. Provavelmente foi nesse período que Paulo tenha sido arrebatado até o terceiro céu, fato que ele menciona apenas uma vez para defender seu ministério apostólico (2 Co 12:2).
Depois desses três anos, ele vai a Jerusalém conhecer o apóstolo Pedro e passa quinze dias com ele. Após esse curto período, se dirige a Damasco e ali inicia seu ministério de pregação das Boas Novas. O fato de Paulo pregar em Damasco irritou tanto os judeus que ele teve que fugir para não ser morto, descendo numa cesta pela muralha da cidade (At 9:25). O importante a notar é que Paulo já voltou “preparado” para pregar o evangelho e assim o fez.
Para Lopes , o que movia toda a ação missionária paulina eram duas convicções teológicas. A primeira é que Paulo tinha certeza que estava vivendo os dias do cumprimento, os fins dos séculos (1 Co 10:11). Em segundo lugar, era que as antigas promessas de Deus encontravam concretização histórica na igreja de Cristo.
Desta forma, podemos concluir que suas motivações missionárias eram carregadas de paixão por Cristo e pela igreja, eram baseadas na certeza de seu chamado como apóstolo, estavam encharcadas com a visão divina acerca da necessidade das pessoas e do mundo, e por fim, tinham como pano de fundo suas convicções teológicas.

2. Estratégias Missionárias de Paulo: Análise das Viagens Missionárias
A partir de Atos 13, quando acontece seu comissionamento pessoal e de Barnabé pela igreja de Antioquia, Paulo realiza três viagens missionárias pregando em várias cidades importantes.
O objetivo desse tópico é analisar alguns princípios tocantes de suas estratégias de missão nas cidades. A estratégia missionária de Paulo tinha como base a sua própria experiência de conversão e regeneração. Sua mensagem era a de reconciliação com Deus por meio de Jesus Cristo. Suas pregações sempre tocavam no assunto de ser uma nova criatura em Cristo.
As estratégias de Paulo ultrapassavam as paredes da igreja e iam de encontro a sociedade daquela época: seus governos, instituições e religiões. Paulo penetrou no mundo romano altamente urbanizado com estratégias em sua mente.

2.1 Pregação do Evangelho no poder do Espírito Santo
Uma marca peculiar da estratégia de missão de Paulo foi a pregação do Evangelho no poder do Espírito Santo. Paulo estava disposto a levar o evangelho por onde quer que fosse em toda sua integridade, embora fosse condenado e perseguido por isso. Em Éfeso, ele abre o coração para os presbíteros da igreja e revela as perseguições provenientes de anunciar e ensinar o evangelho (At 20:17-38). Em Roma, quando estava preso por causa da Nova Doutrina numa casa que alugara e esperando julgamento, não cessava de pregar e ensinar (At 28:30-31).
Contudo, a base para Paulo fazer isso era o próprio Espírito Santo. O apóstolo estava cheio do Espírito (At 13:9, 52; 19:2-6), e realizava toda obra no Seu poder. Foi o próprio Espírito que o vocacionou para a tarefa missionária (At 13:2), o enviou (13:4), o capacitou (13:9), o sustentou (13:52). Deus, através de seu Espírito, cuidava (At 20:23) e direcionava todo o ministério de Paulo, guiando-o a ponto de dizer onde pregar ou não (At 16:6-7).
 
2.2. Plantação de igrejas
Paulo foi um plantador de novas igrejas. Entretanto, Paulo não plantou igrejas por todo canto que passou, mas escolhia a dedo quais cidades valiam a pena este investimento. Aparentemente, Paulo parecia não querer perder tempo com cidades menos importantes. Ele escolhia cuidadosamente centros estratégicos e planejava como seria a proclamação da mensagem de salvação. Ele fez isso em cidades importantes como Listra, Antioquia da Pisídia , Filipos , Tessalônica , Atenas , Corinto , Éfeso  e Roma, a principal cidade de todo império.
O motivo dessa escolha, Jorge H. Barro  explica bem:
Não há dúvida de que uma das estratégias da missão de Paulo era os centros urbanos. Paulo escolhia as cidades mais urbanizadas, influentes e estratégicas a partir das quais as boas novas do Reino poderiam se espalhar. As cidades que Paulo entrou eram centros de administração romana, sob a influência grega e judaica, além de serem importantes centros culturais, sociais e comerciais. Quando passava pelos centros romanos, procurava proteção legal do governo e ainda usava um modo de influenciá-los para a aceitação do evangelho.
Segundo Nicodemus Lopes , Paulo centralizou suas atividades em importantes centros urbanos, considerado por ele estratégicos. A cidade de Tessalônica tornou-se a base missionária para a província da Macedônia; Corinto a base para a província da Acaia; e Éfeso, a sua base para a Ásia proconsular.

2.3 Formação de Liderança
Contudo, Paulo não parou por aí. Além de fundar novas comunidades, ele não deseja abandoná-las. Por isso ele trabalhava na formação de uma liderança que poderia substituí-lo quando fosse embora. Como seu ministério era um constante movimento, ele achou melhor discipular pessoas escolhidas por ele mesmo para serem os líderes dessas comunidades na sua ausência.
À medida que Paulo pregava o evangelho e discipulava novos líderes locais para a continuidade do trabalho, a comunidade local se fortalecia.
Exemplos assim são vistos com Priscila e Áquila, Timóteo, Silas, Barnabé e Tito, todos preparados por Paulo que assumiram funções de dirigir diversas comunidades pela Ásia e Europa.
É de se notar que os seus discípulos seguiram os seus passos nessa formação de liderança. Priscila e Áquila tomaram Apolo consigo e expuseram o caminho de Deus (At 18:23-26), que se tornou depois líder da igreja de Corinto (1 Co 3:3-6).

2.4 Contextualização missiológica
O que Jorge H. Barro  chama de flexibilidade missiológica, prefiro chamar de contextualização missiológica, entendendo essa ser, numa situação de comunicação, características extralingüísticas que determinam a produção lingüística, como, por exemplo, o grau de formalidade ou de intimidade entre os falantes .
A estratégia missionária paulina era determinada pela necessidade e pelo contexto local que o apóstolo se encontrava. Paulo precisava se contextualizar com seus três públicos-alvo: judaico, romano e grego. É interessante notar que enquanto estava na cidade, ele analisava o novo ambiente, procurando descobrir elementos-chave que criariam pontes para a evangelização local. Podemos notar isso em Antioquia da Pisídia, quando ele foi num sábado à sinagoga, pressupondo-se que já estava observando a cidade há algum tempo (At 13:14); em Filipos, quando permaneceu alguns dias inserido no contexto local antes de ir num sábado à sinagoga para pregar (At 16:12-13); em Atenas, enquanto esperava seus companheiros, investigava toda a cidade e se revoltava com a idolatria, motivo que o impelia a pregar na sinagoga e na praça (At 17:16). Depois essa investigação se tornou preciosa quando pregava no Aerópago (At 17:22-23).
Paulo estabelecia também um contato conveniente com as sinagogas das cidades onde passava. Como era conhecido pelo povo judeu como um aluno do mestre Gamaliel e como a base do cristianismo é o judaísmo, Paulo utilizava desses recursos para pregar a Palavra de Deus nas sinagogas dessas cidades, persuadindo judeus e constituindo assim um elo entre a antiga e a nova religião.
Paulo fixava essas pontes como uma forma de abrir as portas dos demais segmentos da sociedade em que pregava, estabelecendo nas sinagogas contatos com os líderes religiosos locais e também com pessoas de grande influência na sociedade que ele estava inserido.
Entretanto, Paulo não ficava somente nas sinagogas. Como seu desejo ardente era levar o evangelho a todas as pessoas possíveis, ele se dirigia a grandes concentrações de pessoas para poder realizar sua obra. As estratégias de Paulo ultrapassavam as paredes da sinagoga e iam de encontro à sociedade daquela época.
Paulo pregou a mensagem de conversão e regeneração baseadas em sua própria experiência nos lugares onde via necessidade e onde era convidado. Em Antioquia da Pisídia, pregou primeiro na sinagoga dois sábados seguidos e depois pregou fora dela para a multidão que afluía para ouvi-lo (At 13:14,44,49). Em Icônio, entrou na sinagoga e pregou ali durante muito tempo (At 14:1,3). Em Listra e Derbe anunciavam o evangelho, provavelmente nas ruas e nas casas daqueles que criam (At 14:6-8).
Já na segunda viagem missionária, quando chegam em Filipos, isso se confirma, e Paulo vai num sábado a um lugar de oração perto de um rio, onde haviam mulheres (At 16:13). Em Tessalônica pregou por três sábados na sinagoga (At 17:1-4). Em Beréia, pregou na sinagoga também (At 17:10). Já em Atenas, Paulo prega primeiro no Aerópago (At 17: 18ss.). Em Corinto pregava na sinagoga todos os sábados (At 18:4).
Na terceira viagem missionária ele prega durante três meses na sinagoga de Éfeso (At 19:8).

2.5 Retaguarda da igreja de Antioquia
Antioquia da Síria é a mais importante cidade da história primitiva do cristianismo, depois de Jerusalém. Nessa cidade foi estabelecida a primeira igreja gentílica (At 11:20-21), e foi ali também, que pela primeira vez, se chamaram cristãos os discípulos de Jesus Cristo (At 11:26). A igreja foi fundada por cristãos que tiveram que sair de Jerusalém após a morte de Estevão. Os apóstolos, vendo que o trabalho prosperava naquele lugar, enviaram Barnabé para ajudá-los (At 11:22).
Paulo, depois da fuga cinematográfica de Damasco (At 9:25), é enviado para Jerusalém, Cesaréia de depois para Tarso. Barnabé, um dos primeiros de Jerusalém a crer na conversão de Paulo, vai buscá-lo em Tarso e leva-o para Antioquia para auxiliá-lo na tarefa de ensinar a igreja (At 11:25-26). Em Atos 13, há o comissionamento dos dois pela igreja para obra missionária.
Depois da primeira e segunda viagens missionárias, Paulo retorna à igreja que o havia enviado pra relatar tudo o que tinha feito no tempo que ficou fora (At 14:26-27; 18:22-23). Já na terceira viagem missionária, Paulo é preso em Jerusalém, mas podemos entender que assim como aconteceu com as duas primeiras, seu desejo era de relatar aos irmãos o que havia acontecido nessa viagem. Paulo considerava isso importante estratégia em seu ministério.
Sua ligação com a igreja de Antioquia era grande. A sua “casa” oferecia apoio espiritual e moral (At 13:3). A questão financeira, muito embora não apareça explicita dessa forma, provavelmente existia, pois o apóstolo viajava com o aval da referida comunidade.

CAPÍTULO II
REFLEXÕES DO MOVIMENTO MISSIONÁRIO URBANO DE PAULO

Depois de toda essa carga de informações preciosas precisamos parar para refletir como anda a ação missionária da igreja nos dias de hoje.
É notório que boa parte da igreja cristã não tem uma definição clara sobre missão. O conceito é penumbroso em muitas comunidades. Persiste nos nossos dias a visão romanceada das missões transculturais dos séculos XIX e XX. E exatamente por essa falta de definição e  compreensão a igreja padece em realizar os mandamentos de seu Senhor.
De acordo com David J. Bosch , a palavra “missão” é entendida hoje como:
Referia-se a: (a) mandar missionários a um território designado, (b)as atividades realizadas pelos missionários, (c) uma área geográfica receptora da atividade missionária, (d) uma agência missionária, (e) o mundo não-cristão ou “campo missionário”, ou (f) a sede pela qual os missionários trabalhavam em seu lugar de atividade. Em um contexto ligeiramente distinto, o termo poderia referi-se também a (g) uma congregação local sem pastor próprio, mas dependente do apoio de uma igreja mais antiga e estabelecida, ou (h) uma série de cultos especiais cujo propósito era aprofundar a fé cristã ou propagá-la geralmente em um contexto nominalmente cristão.
Missão é muito mais que isso. Essa compreensão é de uma nocividade sem igual. Ela extermina qualquer noção prática sobre missão, reduzindo todo o conceito real. É preciso entender missão como a propagação da fé, a expansão do Reino de Deus, a conversão das pessoas e a fundação de novas comunidades .
E só a partir dessa compreensão real do conceito “missão” que a igreja pode ser eficaz em sua tarefa. Não é fácil. Mudar velhos hábitos e conceitos nas mentes das pessoas é mais difícil que construir sozinho um prédio. Contudo, olhando para o ministério de Paulo, e vendo que ele mesmo enfrentou os velhos hábitos e conceitos das pessoas (Gl 2:11-21), somos encorajados a tentar mudá-los, para a sobrevivência de nossas comunidades.

1. Repensando as Motivações Missionárias Paulinas para hoje
Será que as mesmas motivações de Paulo serviriam para quem quer enfrentar a grande tarefa missionária que temos hoje?
O mundo hoje se tornou urbano. No Brasil, 81,23% das pessoas estão morando em áreas urbanas (IBGE – censo 2000). Nos Estados Unidos, esse contingente já chegou a 90% da população. O número de mega-cidades (com mais de 10 milhões de habitantes) chegará à 26 até 2015, e nesse mesmo ano a ONU alerta que cerca de 4 bilhões de pessoas morarão em conglomerados urbanos .
Numa reunião de pastores de uma determinada cidade, um deles indagou porque o povo não ia à igreja. Sabemos que muitas respostas poderiam ser dadas para essa pergunta. Mas creio que a principal razão é que não atendemos as necessidades reais das pessoas. Nossa ação, como igreja, se restringe à mensagens irrelevantes e alienantes.
Uma missão voltada para as necessidades das pessoas pode fazer muita diferença. Ela deve-se desenvolver num ministério para as pessoas. No episódio da transfiguração (Lc 9: 28-36), onde os discípulos queriam ficar na montanha, o Mestre relembrou que é junto do povo que teriam que estar. Devemos estar prontos ao mesmo tempo para orar no monte e depois descer para junto do povo. Estar junto do povo nos faz ver a realidade que as pessoas estão inseridas e descobrir quais são suas reais necessidades.
Existem três desafios que precisamos visualizar e analisar para realizar esta “missão urbana para a realidade”. O primeiro é o pluralismo cultural constitutivo da sociedade urbana contemporânea. O mundo urbano traz pessoas dos mais diversos cantos e com culturas próprias, dentro até do mesmo país. Isso faz com que a cidade se torne uma aglomeração de diversificadas culturas, e conseqüentemente havendo um sincretismo cultural próprio em cada comunidade.
O segundo desafio nasce do caráter multi-religioso e secular. As pessoas não se importam mais com a “religião da família”, mas com aquilo que pode trazer vantagens ou alívios pessoais. Na vida urbana, o importante é o bem estar, mesmo que pra isso seja necessário abandonar alguns princípios herdados ou aprendidos.
O terceiro desafio surge das tremendas desigualdades de que são objetos muitos que vivem hoje nos espaços urbanos. Um desafio para vivermos na cidade em paz, justiça e solidariedade, sem nenhum tipo de exclusão social, econômica, religiosa, racial, cultural etc..
Diante dos desafios precisamos tomar posições certas para realizar uma “missão urbana para a realidade”. A primeira posição é de uma pastoral comunitária acompanhada de uma teologia transformadora da cultura. A segunda posição é de uma pedagogia dessa teologia. Não adianta saber somente os conteúdos dela, é necessário inculcá-las. Para isso é necessária uma pedagogia  que responda às necessidades das pessoas da cidade. Em terceiro lugar é necessária uma práxis voltada para as pessoas, tendo como sujeito primeiro a comunidade eclesial. Essa comunidade sarada e preparada para apregoar as três posições acima se torna o agente de pastoral que o mundo necessita.
É possível então pensarmos nas motivações missionárias de Paulo para realizar essa tarefa? Será que essas motivações seriam relevantes diante das dificuldades que encontramos no contexto que vivemos?

1.1  Paixão por Cristo?
Será possível falar em um amor abnegado, ardente e num entusiasmo grande por Cristo nos dias de hoje? Creio que mais do que tudo hoje, a igreja precisa resgatar esse primeiro amor por Cristo. Aliás, somos exortados pelo próprio Cristo a isso (Ap 2:4-5).
Quando somos dominados por essa paixão por Cristo, somos levados a pensar nas coisas lá do alto, a ver as coisas como Cristo via, a ter a mente de Cristo e agir como Ele agia. O amor ardente por Jesus nos leva a ter um amor ardente pelas pessoas. O mesmo amor que Cristo tinha. É desse amor ardente que Paulo vivia (Gl 2:20). Suas ações eram movidas por Ele, e por isso Paulo deixava de pensar em si mesmo para realizar a obra do que o havia vocacionado (Fl 1:21-24).
Precisamos resgatar essa paixão por Jesus para podermos realizar a obra para qual fomos chamados. Sem essa paixão, somos tentados a abandonar o barco antes mesmo dele desatracar. Com os olhos fitos em Cristo, nossos anseios e vontades são colocados de lado, e procuramos fazer a Sua Vontade, que é boa, perfeita e agradável (Rm 12:2).

1.2 Paixão pela Igreja?
No dia da minha conversão, uma pessoa chegou até mim e disse em meu ouvido: “este” – a igreja – “é o melhor lugar do mundo.” Como todo neófito acreditei cegamente. Contudo, com o passar do tempo, e conhecendo mais profundamente como funcionava a igreja, percebi que não era bem assim. As decepções que sofri com as pessoas da igreja me levaram a pensar que a mesma não era tudo aquilo que eu havia ouvido.
Até aprender que não existe instituição humana perfeita foram longos anos. Estes anos foram difíceis, mas depois pude compreender que aquele meu amigo estava dizendo a respeito da noiva de Cristo, da igreja universal e não da instituição.
Reconheço o valor da instituição e até pertenço a uma, mas não quero falar aqui do amor por ela. Deixo isso com outros apaixonados pela história. O que realmente me interessa é o amor pela Noiva de Cristo.
Quando a paixão por Cristo toma nosso coração, somos tomados também pela paixão por sua Noiva, seu Corpo. Cristo amou tanto a igreja que se entregou por ela (Ef 5:2,25). Quando nos entregamos à paixão por Cristo, obviamente nos entregamos à paixão pela igreja. Estamos dispostos a morrer tanto por um quanto pelo outro.
Isso motivou Paulo. Ele compreendeu que amava a Cristo acima de todas as coisas, e esse amor o levou a amar a igreja de uma forma imensurável.  As pessoas de nossas comunidades precisam viver esse amor ardente. Tanto por Cristo quanto pela igreja.

1.3 Convicção do chamado?
Em todas as partes do mundo, as pessoas têm cada dia mais pensado em religião. O último censo brasileiro afirma um crescimento dos evangélicos espantoso, chegando a duas dezenas de milhões de pessoas, e para os mais otimistas três dezenas. Por isso, dentro desse crescimento era de se esperar que existissem vocações religiosas, mas o que se vê é uma grande carência delas.
O meio católico romano não fica atrás. Observando grande deficiência na área vocacional, a igreja romana resolveu investir pesado nessa área. O Papa João Paulo II, escrevendo aos brasileiros envolvidos em despertar vocações relata a preocupação da igreja romana nesse sentido:
Há um toque de despertar de homens e de mulheres para o transcendente, que os chama a “participar responsavelmente na missão da Igreja de levar o Evangelho de Cristo, qual fonte de esperança para o homem e de renovação para a sociedade” . Mesmo assim, permanece viva a preocupação da Igreja pela carência de vocações sacerdotais e religiosas, que não acompanham as necessidades do povo fiel em contínuo crescimento. 
Poderíamos usar essa frase de João Paulo II, para expressar nossa preocupação legítima com a carência de vocações que estamos vivendo. Há uma busca pelo sagrado, mas uma necessidade de vocações.
E quando surge vocações? Como tratamos delas? A missionária Antonia Leonora van der Meer  passou por uma experiência bem interessante:
Fui convidada para falar sobre missões numa igreja bem viva e dinâmica. A família que me hospedou não se cansava de ouvir minhas experiências missionárias. Até que, de repente, a filha que estava para terminar o curso de medicina começou a mostrar que estava seriamente considerando a possibilidade de servir na obra missionária. O ambiente mudou totalmente: “Isso seria uma loucura!”
Muitos cristãos ainda consideram o missionário basicamente um maluco. Como é que uma pessoa de boa formação ou com responsabilidades dentro da família abandona tudo e todos para embrenhar-se em alguma selva entre povos tribais ou para confrontar situações de alto risco em países resistentes, onde há falta de segurança e de confortos básicos?  “Missionários solteiros, tudo bem” (desde que não seja meu irmão ou minha filha), mas um casal com filhos é o cúmulo do absurdo! É claro que Deus não pediria uma coisa dessas para seus filhos!” É o pensamento de muitos. 
É verdade. Não sei qual seria minha reação se minha filha me dissesse que está se sentindo chamada por Deus para ser missionária na África, China ou mesmo entre uma das tribos urbanas brasileiras hoje. Esse sentimento de proteção, falta de confiança da igreja naqueles a quem Deus vocaciona e falta de apoio tem minado muitas vocações.  Nossa região eclesiástica tem passado por um momento distinto. De cinco anos pra cá surgiram muitas vocações. Todos aqueles que foram chamados tinham (ou têm) o desejo de serem pastores ou pastoras. Mas devido à crise financeira que assola o país, não temos como sustentar adequadamente cada seminarista. Oferecemos duas alternativas: ou se espera mais um pouco para o envio à instituição teológica ou se associe a uma igreja para que seu sustento seja complementado.
A segunda opção normalmente é a mais optada. Mas isso gera uma carga de problemas. Um desses seminaristas, depois de quase dois anos estudando, estava em dúvida quanto ao seu chamado. Conversando e orando, cheguei com ele à causa do problema: financeira. O rapaz, que no início de seus estudos tinha convicção de que fora chamado por Deus, agora estava com seus ânimos arrefecidos depois de passar por várias situações delicadas na área econômica.
São dois lados da moeda. Num, oramos para que Deus mande trabalhadores para a sua seara. No outro, não cuidamos devidamente daqueles que Deus manda.

1.4 Necessidade das pessoas?
Os tempos que estamos vivendo têm sido marcados por muitas dificuldades: guerrilhas urbanas, violência sem controle, brutalidade, fome, miséria, drogas, impunidade, corrupção, desamor, tragédias, desigualdade social, pais se levantando contra filhos e filhos contra pais. A lista é imensa e parece não ter fim.
Temos sentido hoje, mais do que nunca, que o mundo precisa de Deus. E Deus decidiu precisar de servos. Somos seus servos para tentar levar a mensagem das boas novas ao mundo que vivemos, pois só ela é capaz de transformar a atual conjuntura. As necessidades das pessoas e de toda a criação de Deus, deve nos impulsionar a levar essa mensagem de salvação e vida.
Alberto Antoniazzi nos diz que:
A questão é oferecer condições às pessoas de fazer uma experiência de Cristo. Neste sentido, não basta reforçar a instituição ou dar mais publicidade à sua mensagem. Deve-se levar à experiência salvífica, a qual só se realiza no contexto da comunidade cristã, do povo de Deus.
Pois o encontro com o Cristo vivo se dá hoje, como no início, através do encontro com seus discípulos. O encontro se dá na comunidade eclesial, enquanto ela assume sua vocação de tornar visível o Reino de Cristo na história. Jesus, o Cristo glorificado, está presente lá onde os seus discípulos se reúnem em seu nome. Mas esta presença se torna exigência de que os discípulos acolham como Ele acolheu, amem como Ele amou, sirvam como Ele serviu, perdoem como Ele perdoou, curem as enfermidades do corpo e do espírito como Ele curou, encontrem sua felicidade nas bem-aventuranças, anunciem aos pobres e oprimidos o tempo da libertação e da graça, tempo de graça que o próximo Jubileu do ano 2000 nos convida a tornar mais claramente manifesto  .
Precisamos investir na proclamação da mensagem de Cristo que vá de encontro às necessidades das pessoas. Isso não significa mudar o conteúdo da mensagem, mas mudar a forma de proclamá-la, a linguagem.

1.5 Convicções teológicas?
Por último, creio que uma das motivações que podemos aprender com Paulo é sobre suas convicções teológicas. Curioso notar que Paulo não se deixava levar pelos ventos doutrinários de sua época e combateu vários deles.
Uma das maiores dificuldades hoje em dia é que têm se adaptado a teologia à realidade e não a linguagem. Isso é um sério problema. O apóstolo Paulo exorta para que não cedermos a qualquer vento de doutrina (Ef 4:14). Quando Paulo e Silas foram enviados a pregar em Beréia, aquelas pessoas que ouviram a mensagem foram consideradas mais nobres que os tessalonicenses, porque de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim (At 17:10-11).
Precisamos estar firmados em nossas convicções, adaptando a linguagem ao contexto que estamos inseridos, para que a palavra proclamada possa, de fato, transformar vidas.

2. Implicações para o Movimento Missionário Atual: Aprendendo com Paulo em Atos dos Apóstolos
Será que, depois de quase dois mil anos, as estratégias missionárias de Paulo podem ajudar o movimento missionário atual? É possível desenvolvermos estratégias missionárias atuais baseadas nas estratégias de Paulo? Se possível, como fazer?
Da mesma forma do capítulo anterior, quando olhamos para as motivações paulinas, vamos nos reportar às mesmas estratégias de Paulo para tentar responder essas perguntas.

2.1 Pregação do Evangelho no poder do Espírito Santo
Porque será que a pregação atual não tem sido tão eficaz quanto nos dias da igreja primitiva? Sei que existem várias respostas para essa pergunta, mas quero me deter na pregação, pois, como invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? (Rm 10:14).
Sem o poder do Espírito Santo é impossível sermos eficazes na pregação do Evangelho. Sem o Espírito, o que falamos se torna ensaio moral, discurso político, desabafo de frustrações emocionais, parlatório.
O Espírito é aquele que nutre, que dá vida à mensagem. Através do Espírito é que ela pode e consegue transformar corações de pedra em corações de carne (Ez 36:26).
Na realidade, essa primeira estratégia missionária de Paulo, se podemos chamar assim, era fruto de um íntimo relacionamento com Deus, demonstrado em sua vida, na sobriedade de suas cartas, na seriedade de seu ministério e na autoridade que ele possuía. Paulo procurava sempre estar no centro da vontade de Deus, revelada a ele através do Espírito Santo.
Precisamos ver os dois fatos lado a lado: Escrituras e poder de Deus.
Quanto às Escrituras, somos tendentes a substituí-la por qualquer outra sabedoria, pelas tradições. Mas, não podemos substituir a palavra de Deus por nada. Precisamos nos deixar dominar pelo poder da palavra de Cristo. A Palavra de Deus é articulada pelo Espírito Santo. O próprio Senhor Jesus a usou para validar sua autoridade de Filho de Deus (Lc 4:17-19).
Quanto ao poder de Deus nós o conhecemos nas pequenas e nas grandes coisas: na criação, na salvação, na vida. Deus é poder. Em várias ocasiões da história, o ser humano quis mostrar que tinha mais poder que Deus: no Éden, na Torre de Babel, no Titanic, no Zeppelin. Somos sustentados diariamente pelo poder de Deus.
Conhecer as Escrituras sem o poder de Deus nos torna doutores da lei. Conhecer o poder de Deus sem as Escrituras faze-nos cristãos superficiais.
Para pregarmos eficazmente o evangelho na atualidade é necessário haver este equilíbrio: Escrituras e poder de Deus.
 
2.2. Plantação de Igrejas
Paulo tinha consciência da importância dos neo-conversos estarem em lugares específicos para comungarem sua fé. Por isso, os organizava em igrejas, em comunidades locais. O propósito de Paulo era promover os meios pelos quais eles fossem edificados, instruídos, celebrassem a Ceia, cultuassem a Deus e se envolvessem no próprio projeto de expansão do cristianismo.  
Atualmente, a evangelização também é feita, mas é possível que o princípio de Paulo não seja repetido. Não existe com tanto afinco a idéia de plantar novas igrejas. Corre um estranho pensamento que uma igreja nova só é plantada com pesados subsídios e de líderes de igrejas maiores. Por isso, ao invés de sair plantando igrejas novas em todo canto da cidade, é melhor investir nas reuniões nos lares, ou células. Não há o pesado investimento como haveria no caso de plantar uma nova igreja; não precisa dos líderes, é só treinar os crentes; o suposto problema da falta de comunhão entre os membros é resolvido.
Mas só quem viveu nos dois lados sabe que existe muita diferença entre uma igreja grande com células e uma igreja pequena. Meu objetivo não é criticar o movimento de igrejas em células nem o crescimento das igrejas. Creio que a primeira é uma boa idéia e a segunda é resultado da obediência ao mandamento de Cristo.
O fato é que precisamos pensar em plantar novas igrejas como uma importante estratégia missionária. Precisamos perder o medo de desmembrar grandes igrejas em pequenas comunidades onde é possível viver com mais afinco a comunhão e o aprendizado da Palavra.

2.3 Formação de Liderança
Uma das estratégias missionárias de Paulo era investir na formação de novas lideranças. Nas igrejas que fundou Paulo procurou deixar uma liderança bem estruturada – presbíteros – a quem encarregava do rebanho (At 14:21-23), e depois de algum tempo voltava para supervisioná-los (At 15:36; 16:4-5; 18:23). 
Nas estratégias missionárias modernas isso tem sido praticado com resultados muito positivos. Entendeu-se que é melhor investir na formação de novos líderes locais do que sustentar por anos um missionário na mesma função. O que precisa, contudo, é olhar altruistamente essa nova liderança e empreender mais em sua formação. De fato, não adianta somente suscitar a liderança, é preciso que ela seja bem formada.
Paulo pensava nesse investimento na liderança, e por isso mesmo levava consigo, num discipulado diário pessoas que seriam os líderes da igreja num futuro próximo.
Uma das importantes estratégias missionárias é investir na liderança, para que ela seja cada vez melhor preparada para propagar o Reino de Deus na terra.

2.4 Contextualização missiológica
Em 1974, durante o Congresso sobre a Evangelização Mundial, ocorrido em Lausanne, Renné Padilha foi duramente criticado
porque disse que o evangelho que alguns missionários europeus e norte-americanos exportaram foi um “cristianismo cultural”, uma mensagem cristã distorcida pela cultura materialista e consumista do Ocidente. Foi doloroso ouvi-lo dizer isto, mas naturalmente ele estava totalmente certo. Todos nós precisamos sujeitar o nosso evangelho a um escrutínio mais crítico e, numa situação transcultural, evangelistas visitantes precisam humildemente buscar ajuda dos cristãos locais para discernir as distorções culturais de sua mensagem. 
Naturalmente, o apóstolo Paulo fazia isso. Ele tinha em mente quem seriam os receptores de sua mensagem e sabia quais eram seus costumes culturais, e adaptou a linguagem do evangelho às necessidades do povo a quem ele se dirigia.
Hoje em dia fica difícil falar de cultura de um país. Existem costumes que são comuns a todos os habitantes de uma nação, mas a maioria deles pertence a uma outra subcultura, com suas características, linguagem, usos e costumes próprios. Dentro de nosso país, por exemplo, as características culturais, os fonemas, roupas, costumes mudam em 500 quilômetros.
É necessário, portanto, haver uma contextualização, ou seja, entender os principais aspectos de uma cultura que queremos alcançar e adaptar-nos a ela, procurando levar assim a mensagem do evangelho.

2.5 Retaguarda da igreja
O apóstolo dos gentios tinha a igreja de Antioquia como o seu suporte durante suas viagens missionárias. Onde quer que Paulo fosse ele tinha o aval da igreja e com certeza suas orações. Quando Paulo retornava para a igreja trazendo seu relatório da viagem, era ouvido com muita expectativa e isso alegrava os irmãos de Antioquia (At 14:26-27; 18:22-23).
Mas existe outra irresponsabilidade ou loucura injustificável e pecaminosa que nossas igrejas têm praticado. Enviam o missionário com a bênção da igreja, que se orgulha em divulgar que sustenta “X” missionários. Mas, de repente, surge um projeto de construção ou outra necessidade urgente que demanda toda a atenção.
Ora, o missionário é pessoa de fé. Deus cuida dele — e a igreja abandona seus missionários no campo. Será que o pastor também não é homem de fé? Por que, então, tal atitude inconseqüente? O missionário enfrenta dificuldades, às vezes problemas de saúde, falta de recursos básicos, falta de explicações e comunicação, dívidas. Como resultado, surge uma profunda crise. Às vezes trata-se de uma pessoa que se adaptou bem ao campo, progrediu no estudo da língua nacional, relacionou-se bem com os nacionais e acaba sendo derrotada por esse abandono! Gostamos de falar em guerra espiritual, mas abandonamos nossa tropa de elite, nossos comandos no campo de batalha, sem orientação, sem recursos, às vezes feridos, sem qualquer cuidado! Nenhum exército humano faria isso. Outra manifestação dessa inconsistência acontece no momento em que o missionário põe os pés de volta no Brasil: Voltou do campo? Deixou de ser missionário. Acabou o sustento! — um tremendo contraste com empresas e governos, que enviam funcionários para servir em outras culturas ou situações de risco, e sempre oferecem uma série de compensações. Mas, no caso dos nossos missionários, se o sustento não acaba por completo, geralmente diminui consideravelmente, afinal “o missionário é uma pessoa simples, chamada para sofrer”…
(…) Uma igreja com coração missionário recebe bem seu missionário que vem de férias e o ajuda a conseguir moradia, cuidados de saúde, apoio pastoral, um lugar para descansar. Muitas igrejas ainda não têm essa visão. Assim, muitos missionários voltam ainda mais arrebentados para o campo. 
È preciso portanto que haja da igreja que envia seus missionários quer sejam num outro país ou outra cultura, um apoio moral, financeiro, espiritual adequado para que os que são enviados possam ser firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor (1 Co 15:58).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como pudemos perceber, tanto as motivações quanto as estratégias de missão urbana de Paulo são de suma importância para a o início ou continuidade de qualquer trabalho eclesial, e não só o que envolva missão urbana.
O que é preciso nos dias de hoje? Falta, em um primeiro momento, uma real paixão por Cristo e por sua obra. Ao mesmo tempo em que vemos um mundo carente de amor, a igreja padece na transmissão desse, porque não tem uma experiência real e profunda com seu Noivo. O amor pela obra parece, muitas vezes, superar o amor pelo Cristo ressurreto. Troca-se a fonte do amor pela conseqüência desse.
E paixão pela igreja de Cristo? Paulo por muitas vezes tomou as dores de Cristo pela igreja. Essa era uma preocupação do apóstolo resultado  do grande amor por Cristo. Paulo deu sua vida em prol da igreja porque se viu na obrigação de seguir os passos de Jesus. Paulo era um verdadeiro interessado por tudo o que acontecia dentro da igreja, onde quer que fosse. O que acontece atualmente é que nos fechamos em “guetos” eclesiais, e o resto não é da minha conta. Copiamos o que grandes igrejas têm de bom, desde o boletim até a programação dos jovens, mas sequer olhamos para as necessidades uns dos outros. Dia a dia a igreja de Cristo se torna mais sectarista e partidária: só entra na minha igreja se batizar nas águas, de novo e por aí vai.
De um outro lado, dá-se mais importância para as programações da igreja do que para a família. Nesse ponto, a igreja (entenda-se “quatro paredes”, instituição) se torna uma pedra de tropeço para a família, ou como escutei num desses dias: “venho pra igreja pra fugir do meu marido e dos meus filhos”.
As conversas dos líderes denominacionais, então se torna uma competição: quantos membros sua igreja têm, quanto você ganha, quem vai pregar aonde, quantos convites você recebeu, quantos doutores têm sua igreja e daí por diante. Conversas assim nos deixa calejados e cada vez mais insensíveis aos problemas das pessoas.
E o que a paixão pela igreja de Cristo tem a ver com isso tudo? Tem tudo a ver. Quando somos verdadeiros apaixonados pela igreja, tomamos suas dores e fazemos de tudo para tentar apresentá-la a Cristo da melhor maneira possível.  Nós nos tornamos instrumentos na mão do Mestre para operar na igreja a plástica necessária para que ela seja sem mácula, ruga, ou coisa semelhante.
Acerca do chamado existem dois lados: os que verdadeiramente são vocacionados e que estão na obra por causa de seu amor por Cristo e os aventureiros, aqueles que estão buscando status dentro de um determinado segmento na sociedade. Não sei se é capaz de existir status em ser servo, escravo.
O chamado para a obra deve ser carregado de paixão também em realizar a vontade daquele que o vocacionou. Essa paixão estimula, incita a continuar no trabalho mesmo diante das dificuldades e perseguições. O próprio apóstolo Paulo, escrevendo para um pastor nos garantiu que todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos (2 Tm 3:12). Será que ele não falava da vocação? Com certeza que sim!
É preciso olhar as vocações que nascem com bons olhos e sem forçá-las devemos rogar ao Senhor da Seara que manda mais e mais trabalhadores para o seu campo, pois já está na hora da colheita. O mundo está necessitado de homens e mulheres que façam a diferença, que estejam dispostos a testemunharem viva e verdadeiramente Cristo. O mundo urbano, violento, cinzento e com suas mazelas é alvo do amor de Deus. E como instrumentos desse amor precisamos pedir ao Pai Celeste que nos ajude em nossa miopia espiritual, para que enxerguemos as pessoas.
Por último, precisamos ser firmes naquilo que cremos. Nossas convicções teológicas devem estar baseadas na Palavra de Deus que é nossa regra única e infalível de fé e prática. Contudo, o que encontramos hoje são convicções baseadas no tradicionalismo, no “eu acho”, nas pressuposições familiares e nos interesses pessoais, e por isso vemos “avivamentos” sem frutos, ou seja, só “bronze que soa” ou “címbalo que retine”.
Na realidade, falta firmeza doutrinária e teológica quando muitos são levados principalmente pelo pragmatismo americanizado. A frase que está na mente de tantos é: “se deu certo lá, vai dar aqui”. Logo no início de seu ensaio, Augustus Nicodemus Lopes  dá um exemplo que é possível uma igreja crescer sem que isso tenha algo a ver com a doutrina bíblica correta.
Devemos sim, voltar nossos olhos para o Criador e sua Palavra, que pode nos dar direções de como fazermos as coisas bem por aqui. O maior interessado que a igreja esteja cheia de pessoas salvas e curadas é o próprio Deus.
Por fim, Assim como Paulo teve uma experiência no caminho de Damasco, todos nós temos também, guardadas as proporções. Nossas experiências com Deus servem de estímulo e nossos estudos servem de base a qualquer obra que nos propomos a fazer.
As motivações legítimas e as estratégias de Paulo para que ele realizasse a obra missionária também direciona nossos corações para a tarefa que nos é proposta, mediante o mandato do Mestre.

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* o autor é Pastor da IPI de Pirapozinho – SP
Mestrando da FTSA

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