A pós-modernidade, um desafio à pregaçao do evangelho

Autor: Isaltino Gomes Coelho Filho
(Apresentada aos pastores do Sul de Minas Gerais, 2002)

INTRODUÇÃO

Uma das questões que tornam mais difícil a missão da Igreja é sua lentidão em ler os tempos. Foi uma advertência de Jesus, que soubéssemos ler os sinais dos tempos. Mas muitas vezes nós nos fechamos em nosso mundo de conceitos, queremos que o mundo nos leia, porém não lemos o mundo. Via de regra, nosso universo é fixista, com a mentalidade de que “Deus falou, tá falado e o mundo tem que ouvir”. Que Deus falou e está falado, é óbvio e não se discute. Mas a forma como nos dirigimos ao mundo é que pesa um pouco. Necessitamos saber como o mundo pensa e qual é a sua perspectiva de vida, para poder comunicar o evangelho de modo eficiente.

Todos nós sabemos que as coisas mudaram e de modo muito rápido nos últimos anos. E esta é outra dificuldade nossa. Geralmente não vanguardeamos. Vamos a reboque das mudanças. As igrejas se prendem ao passado, à sua cultura, à sua visão. E muitas vezes se tornam irrelevantes. Quando pensamos que há igrejas, em pleno 2002, que ainda impedem o ingresso de pessoas calçando tênis, porque o lugar é santo, vemos como se torna difícil comunicar os valores verdadeiros do evangelho numa sociedade que se descarta de valores como troca de roupa. E como a Igreja corre risco de se tornar irrelevante. Aliás, aos olhos do mundo, muitas são, realmente. São um gueto onde se reúnem pessoas diferentes, mas que nenhuma diferença fazem para a vida das pessoas de fora.

As mudanças culturais e de comportamento vêm sendo promovidas pela mídia e nós vamos correndo atrás, queixando-nos e criticando o mundo. Em muitas igrejas temos apenas uma reprodução da vida de cinqüenta anos atrás. E reproduzimos uma cultura sem sentido para o tempo atual. A poetisa Anne Sexton expressou isso em dois versos: “Fincaram pregos nas suas mãos/Depois disto todo mundo passou a usar chapéu” . Cristo morre para transformar a humanidade e a Igreja, como conseqüência, adota regras de indumentária. Nesta poesia, o que ela quis expressar é que muitas coisas que fazemos nada têm a ver com o projeto de Cristo. São mera cultura que sacralizamos e que acabamos perpetuando.

Agrava a situação o fato de que muita gente que está a lidar na pregação do evangelho ao mundo não tem a menor noção do que seja o mundo ao seu redor. Ouviram conceitos que repetem sem refletir. Lêem livros, muitos deles ultrapassados, mas não lêem os sinais dos tempos. E não lêem uma das coisas mais importantes para se ler: gente.

Não é difícil de entender. O universo religioso é fixista, prende-se muito ao ontem. E não tem vontade de aprender. Na realidade, tem enorme relutância em aprender. Nós sabemos, o mundo não sabe. Nós estamos certos, o mundo está errado. Nosso contexto particular é pior, porque uma das características mais acentuadas dos batistas é seu exagerado amor às estruturas, que são passadas, fixistas e, na maior parte das vezes, gastam mais tempo para se perpetuar do que para viabilizar aquilo para que foram criadas. Gastamos mais tempo conosco mesmo do que preparando-nos para o exercício de nossa missão junto ao mundo. Somos pouquíssimos autocríticos e terrivelmente autodefensivos. As estruturas acabam se tornando um fim em si mesmas e aprisionando a idéia para a qual foram criadas. Há um excelente ensaio sobre isto em Anatomia do Poder , de Galbraith. As estruturas religiosas não são exceção. São regra. Muito do que fazemos, muito do nosso esforço, é para discutir temas já discutidos, em questões que não mudaremos, mas que discutimos até para dar a idéia de que queremos mudar. Fui para o Seminário com 19 anos e se falava de reestruturação denominacional. Tenho 30 anos de ministério, caminho para 31, e ainda discutimos reestruturação denominacional. O chapéu nos toma mais tempo que os pregos nas mãos dele.

Juntemos os dois aspectos. De um lado, o pregador ou líder cristão que muitas vezes se julga um produto acabado e perfeito e que por isso mesmo não reflete, não se atualiza e se esconde atrás de uma aura de suficiência. Do outro, acrescentando fardo à situação, o fato de que o pregador tem raízes e fundo batista.

Vivemos num mundo em mudanças drásticas. Dez anos atrás, insinuar a homossexualidade de alguém era uma ofensa inominável. Hoje, quem é heterossexual quase tem que pedir desculpas por isso. Os heróis das entrevistas nos órgãos escritos e nos programas de tevê são homossexuais. Uma revista de circulação nacional dedicou dois números seguidos ao homossexualismo. Um, diretamente. Outro, no bojo de uma reportagem sobre um cantor falecido por complicações decorrentes da AIDS. O tom era de desafio e de virtude. Fala-se do perigo de drogas, mas cantores que morrem por overdose de drogas são mostrados como heróis.

Isto não sucede apenas na área de conceitos, mas também na área de habilidades e do domínio de tecnologia. Muitos adolescentes, hoje, têm mais domínio de informática que a maior parte de seus pais e pastores. Têm acesso a um volume de informações muito maior que estes. Estão à sua frente. Este acesso a fontes de informação via Internet, da qual muitos adultos não dispõem e muitos jovens dispõem, nos coloca em desvantagem. Não é incomum um jovem ter mais dados e saber mais coisas (nem sempre essenciais à vida) que os adultos. Os adultos e as instituições mais complexas, mais rígidas, como a Igreja, estão em dificuldades para assimilar o que acontece. Estão ficando defasados porque nem sempre acompanham as mudanças.

Neste mundo em mudanças, o elemento plasmador de hábitos, a mais importante corrente geradora de cultura, presentemente, é a pós-modernidade. Ela molda o comportamento dos jovens. Na sua maioria, as novelas, os filmes, a cultura social, são padronizados por ela. É o nosso assunto. Não é modismo. Para muita gente desavisada, filosofia e ciências sociais são perda de tempo. Não são. A pós-modernidade se dissemina sub-repticiamente na nossa vida. Quem não a conhece é por seus conceitos enredado. Quem a conhece pode analisar o que sucede ao seu redor. Vamos ver se passamos a conhecê-la um pouco melhor.

Estamos vivendo um momento novo na história. Costuma-se dizer que a Idade Contemporânea começou em 1789, com a Revolução Francesa. Sociólogos, filósofos e antropólogos têm declarado que a Idade Contemporânea acabou e que entramos em uma nova Idade, a Pós-Moderna. Está acontecendo uma revolução enorme na maneira de ver o mundo, e isto tem muito a ver com a Igreja. Em 1789, o Iluminismo entronizou a Razão como deusa dos homens.

Entramos no período da razão, uma época racionalista e científica. Na Catedral de Notre Dame, símbolo maior do cristianismo, na França, uma estátua simbolizando a Deusa Razão foi instalada. O cristianismo foi mostrado como sendo apenas uma relíquia cultural. Nos anos sessentas e setentas, vimos, muitas vezes, ataques contundentes ao evangelho e à religião, em nome da ciência e da lógica. A religião era considerada como um absurdo. A razão humana era suficiente para explicar o mundo. Tomando o lugar de Deus no ideário humano, ela poderia nos ajudar a resolver todos os nossos problemas. Nós nos bastávamos. Esta auto-suficiência marcou a modernidade.

Mas em 1989 o mundo foi sacudido de maneira como poucas vezes o fora anteriormente. Caiu o muro de Berlim. Poucas pessoas entenderam que não era apenas um evento, mas uma nova era na história da humanidade. Foi o início do fim do comunismo, o início da agonia do materialismo dialético (embora ainda haja materialistas dialéticos e comunistas nas universidades do Brasil). Foi o fim do maior império mundial de todos os tempos. O mundo começou a mudar mais depressa, ainda. A deusa Razão estava morrendo. O materialismo dialético explicava o mundo e todos problemas humanos pela luta de classes e pela exploração do homem pelo homem. O comunismo pretendia ter a solução para estes problemas: o fim da propriedade privada e o fim da exploração do homem pelo homem. Todas as fases da sociedade, e não apenas a economia, seriam planejadas, tendo o homem como fim. Seria o clímax do uso da razão e da ciência. Toda a vida humana seria planejada. O fim do comunismo mostrou o equívoco de tentar se reduzir a vida humana a fórmulas, e acabou com a idéia de que se pode planejar toda a vida dos homens em todos os níveis. A ciência falhou, o materialismo dialético fracassou, o lugar de Deus nos corações e nas mentes dos homens não foi ocupado pela ideologia. A queda do muro de Berlim mostrou que em vez de potência, os países do bloco comunista eram países de quarto mundo, como a Albânia. Experimentei isto. Fui algumas vezes a Cuba para pregar e lecionar. Na primeira vez, fiquei quinze dias, regressei a Manaus, onde fiquei duas horas e fui para Coari, pregar num congresso de jovens. Coari fica no meio da floresta amazônica. Pesando o que vivi naqueles dias, disse para mim mesmo: “Prefiro Coari a Cuba”. Aliás, em Cuba duas coisas funcionam admiravelmente: a propaganda ideológica e a repressão. Voltando à queda do Muro de Berlim: o homem falhou, mais uma vez. O que seria o clímax da razão acabou sendo uma decepção. A pós-modernidade, que já vinha sendo forjada, acabou se firmando de vez. Segundo Oden, um intelectual cristão, “a era moderna durou exatamente 200 anos – da queda da Bastilha em 1789 à queda do Muro de Berlim em 1989” . Partamos daqui.

1. PÓS-MODERNIDADE, MAIS UM MODISMO?

“É mais um rótulo”, dirá alguém. Não é. É uma atitude cultural assumida por um grupo cada vez maior de pessoas, nas mais diversas áreas da vida humana. É uma mudança de hábitos que está a sepultar aqueles que conhecemos e praticamos. Um conjunto novo de valores na música, na literatura, na arte, nos filmes, nas novelas, no modo de vestir e no trato com as pessoas. Está aí e nós o vivenciamos. Tanto que há certo tipo de pregação evangélica que já se amoldou a ela, como comentaremos depois.

“Até agora não vi nada que justifique este assunto”, dirá alguém desavisado.

Ora, não se prega o evangelho no vazio. Prega-se dentro de um contexto. O nosso contexto é mudancista e é moldado pela pós-modernidade. Como é o mundo para o qual pregamos? Como as pessoas pensam? Pastoreei por 9 anos em Brasília, uma cultura típica, não encontrada no resto do País. Brasília, principalmente no Plano Piloto, é uma ilha da fantasia. Mudei-me para a Amazônia, onde trabalhei por 7 anos. O contexto era completamente diferente.

Somente no meu terceiro mês em Manaus é que começaram a acontecer decisões. Batizei 280 pessoas e organizei duas novas igrejas, em cinco anos. Mas precisei entender a mente do amazonense, para saber como é que deveria pregar para eles. É preciso conhecer para quem pregamos. Ajuda-nos a entender isto a palavra de Paulo em 1Coríntios 9.22: “Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns”. Ele buscava conhecer as pessoas. Quando chegou a Atenas, na Grécia, a terra da Filosofia, não começou a pregar por Moisés, mas pelo nível dos atenienses, a Filosofia. E o seu sermão, apesar da falta de compreensão de alguns comentaristas que dizem ter sido improdutivo, é uma peça de adequação ao momento e à cultura. E não foi improdutivo. Houve conversões, inclusive a do administrador do Areópago, Dionísio. Seria, mais ou menos, como se o Reitor de uma universidade se convertesse.

Agora, na Igreja do Cambuí, tenho outro tipo de pessoas com quem trabalhar. É um bairro rico, de classe média alta. Os freqüentadores são, em sua maioria, pessoas com formação superior, profissionais liberais, empresários, professores universitários, bem como os jovens estão quase todos na universidade. O sistema de trabalho tem que ser completamente diferente, mas também a mente das pessoas é diferente. Além desta questão, Campinas é uma transição entre o interior de S. Paulo, conservador, e a Capital, caldeirão cultural, cheia de mudanças. Não precise reaprender muito porque sou um típico paulista do interior. Mas precisei me readaptar.

Anos atrás, quando eu era diretor da Faculdade Teológica Batista de Brasília, um preletor especialista em evangelização urbana foi falar em nossa capela.

Começou perguntando quantos semestres estudávamos de Grego, de Hebraico, de Pregação, etc. Depois perguntou: “E quantos semestres de Brasília vocês estudam?”. Aquilo me deu um clique. Não estudávamos nossa cidade, uma cidade singular, distinta das demais, a cidade onde estávamos a trabalhar! No entanto, não estou falando de conhecer apenas o lugar onde as pessoas estão, mas a mente das pessoas.

Disse o pensador Gastaldi que “educar sem conhecer o homem é como caminhar no deserto sem bússola e sem meta” . É preciso saber quem é a pessoa que se educa. Podemos parafrasear esta declaração. Pregar sem conhecer para quem se prega é caminhar no deserto sem bússola e sem meta. É preciso saber como é a pessoa para quem pregamos. Muitos pregadores têm uma mensagem que serve para qualquer lugar. Estudam a Bíblia, mas não estudam gente.

Para não me delongar mais nesta parte introdutória, faço um breve resumo: estamos vivendo uma nova fase no pensamento da humanidade. Na realidade, é uma revolução cultural que vem se processando, e que afeta todos os níveis da nossa vida. As coisas estão mudando com muita rapidez e muitos de nós não as enxergamos. Nossa visão é micro, centrando-se em pequenos detalhes, quando precisa ser macro, vendo o global, o causador. O que está acontecendo ao mundo?

2. O QUE É PÓS-MODERNIDADE?

Baseando-me numa definição de Grenz e simplificando-a para maior compreensão, digo que a pós-modernidade é uma atitude intelectual que se expressa numa série de expressões culturais que negam os ideais, princípios e valores que constituem o suporte da cultura ocidental moderna. É uma época que está emergindo, substituindo aquela em que estamos inseridos, moldando cada vez mais nossa sociedade. É uma rejeição dos valores em que nós, ministros, fomos criados, valores esses que moldam nossa vida e se constituem no pano de fundo de nossa visão do mundo. Ferreira dos Santos assim a definiu, chamando-a de pós-modernismo: “pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-1950)” . A data e o local de nascimento da pós-modernidade são apontados diversamente por autores. Depende muito de como cada um deles encara um determinado aspecto, vendo-o como o principal. Mas falaremos sobre isto, mais à frente. Fiquemos com uma frase da definição, que é o que nos interessa: pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas.

Está, realmente, acontecendo uma revolução no mundo. Nosso mundo cultural está passando por uma revolução extraordinária. Um pequeno exemplo: no universo cultural da minha Igreja, é cada vez mais comum encontrarmos pessoas que estão juntas há dez, doze anos. Elas não querem casar, mas vivem como casadas e vivem melhor que muita gente casada. Não estou endossando esta atitude. Estou dizendo que ela é comum. Vivi três casos deste, em um ano. E eram as mulheres, nos três casos, que não queriam casar. Muitos ainda não se deram conta disso, desta mudança de hábitos e de visão. Estas coisas estão acontecendo.

E o curioso é que apesar do alarido da mídia, esta mudança, na sociedade, vem de forma silenciosa. Ela não vem por armas, mas em nível de conceitos. A batalha está sendo travada aqui. Valores educacionais, sociais, políticos, morais e religiosos estão sendo contestados e outros estão sendo propostos para seu lugar. Neste sentido, um dos livros mais extraordinários para um pregador do evangelho é o de Capra , em que faz ele uma análise da nossa cultura contemporânea, que é newtoniana e cartesiana, mostra suas falhas, aonde ela nos trouxe, e apresenta uma nova ciência que ele chama de holística. Sua tese é esta: a cultura ocidental contemporânea está num beco sem saída. Junto com o progresso nos trouxe uma série de desmandos. Precisa ser revista e não pode ignorar os desafios que lhe faz a cultura oriental, que, inclusive, pela sua ênfase no homem e não na técnica, precisa ser revalorizada. Ele propõe uma nova cosmovisão.

Podemos dizer que a pós-modernidade são os estertores de uma cultura agonizante. E, ao mesmo tempo, o parto de uma cultura nova. Sua proposta é rever todo o nosso sistema de vida. A linha de Capra, ideólogo do movimento chamado de nova era, segue nesta direção. Creio que isso mostra que precisamos mesmo analisar seriamente a cultura em que vivemos, tanto que está passando como a que está chegando. O ideário de Capra é interessante, mas aceitá-lo trará mais malefícios que benefícios. Precisamos refletir seriamente sobre nossos conceitos, isso sim.

3. UMA VISÃO GLOBAL DE NOSSO CONTEXTO

Do que foi dito até agora, sabemos que estamos em transição, da modernidade para a pós-modernidade. Conheçamos um pouco da modernidade, que é o nosso contexto em que ainda vivemos. Como surgiu ela? Perguntará alguém: “Se a modernidade está cedendo lugar à pós-modernidade, por que gastar tempo com ela?”.

Primeiro, porque é o ambiente em que fomos educados. Segundo, porque é a nossa visão. Terceiro, porque a pós-modernidade é uma reação a ela e se conhece bem a reação quando se conhece a ação.

A modernidade, a época cultural em que estamos inseridos, é produto de quatro revoluções, segundo Gastaldi . Parece-me muito correta a sua análise. São as revoluções científica, política, cultural e a técnica. Podem ser fundidas na análise, comentando juntas a científico e a técnica.

A revolução científico-técnica alterou, mais que todas, a imagem do homem. O homem primitivo sacralizava a natureza (como a umbanda ainda faz). Os fenômenos cósmicos e geológicos, como chuva, seca, eclipse, terremoto, eram produto da alegria ou da zanga dos deuses. O homem daquela época era um homem fatalista. Guilherme de Ockham (c. de 1350) foi quem criou grande desconfiança em relação às verdades de seu tempo e acendeu o estopim para o deslanche do conhecimento humano.

O Renascimento redescobriu as culturas grega e romana e deu ao mundo ocidental as condições de valorização do homem, tornando-o o centro do cosmos. Galileu Galilei (c. de 1540) ampliou a questão. A Igreja, detentora do poder e do saber, começou a ser questionada e a capacidade humana começou a ser reafirmada. Era o cansaço com o fatalismo medieval. Kilpatrick nos conta que ele desafiou o conhecimento anterior, firmemente estabelecido, ao negar que duas bolas de peso diferente cairiam em velocidades diferentes . Segundo ele, cairiam juntas, ao mesmo tempo. Parece uma questão banal, aparentemente irrelevante. Mas, segundo Whitehead, “desde o nascimento de Cristo, jamais tão grande coisa produziu tão pequeno ruído” . Mas era conhecimento assumido e estabelecido como verdade. Subindo ao alto da Torre de Pisa, ele lançou duas bolas de pesos diferentes e elas caíram juntas. Banal, não é? Mas a atitude de Galileu é tida como o início do pensamento científico: don’t tell me; show me (“não me fale, mostre-me”). Não é que o se diz, mas o que se pode provar.

Antigamente, o que estava sendo dito não era questionado. Ele questionou o saber constituído e criou a cultura moderna, a cultura em que a verdade não é questão de autoridade, mas de comprovação. Nasce com esta atitude de Galileu o homem moderno, que pode ser mostrado assim: não é o que a Igreja diz, o que Aristóteles (cuja autoridade era indiscutível) diz, mas o que se pode provar. Para se entender isto, leve-se em conta um trecho de livro de Umberto Eco, com as palavras do Pe. Emanuele, numa criação do autor, mostrando o choque entre a Igreja e Galileu:

Já deves ter ouvido falar daquele Astrônomo florentino que para explicar o Universo usou o telescópio, hypérbole dos olhos, e com o telescópio viu aquilo que os olhos somente imaginavam. Tenho em alta conta os Instrumentos Mechanicos usados para entender, como se costuma dizer hoje, a Cousa Extensa. Mas, pra entender a Cousa Pensante ou a nossa maneira de conhecer o Mundo, não podemos senão usar outro telescópio, o mesmo já utilizado por Aristóteles, e que não é tubo nem lente, mas Trama de Palavras, Idéia Perspicaz, porque é apenas o dom da Artificiosa Eloqüência, que nos permite entender este Universo.

O homem pré-moderno tinha sua mente condicionada pelo peso da autoridade.

Um exemplo: quando Galileu disse que o Sol tinha manchas, isto causou uma grande celeuma. O Sol não podia ter manchas. Era o astro-rei, um símbolo de Cristo. Um padre, escrevendo a outro, comentou: “Não se preocupe, isto não é verdade. Li Aristóteles todo, por três vezes, ele não faz referências alguma a manchas no Sol”. O mundo pré-moderno era o mundo dominado pelo obscurantismo. Não se podia pensar, mas apenas repetir o que já fora dito. O homem moderno crê no que se pode provar, não no que se alega. Esta é a nossa cultura, a das provas, a das evidências. Esta é a revolução científica: crer no que se pode provar. Mais uma vez, citando Kilpatrick:

Se o mundo moderno possui alguma superioridade, não é graças ao poder da dialética, mas sim ao princípio que Galileu introduziu ao demonstrar que o pensamento, para ser aceitável, precisa ser comprovado em suas conseqüências práticas .

A ciência pede provas. A autoridade como ponto final de argumentação foi sepultada. Isto foi um golpe profundo para a religião. É por isto que o neopentecostalismo e o baixo-pentecostalismo, creio que intuitivamente, apelam para o experiencialismo. Dá peso de autoridade acima do “está escrito”. Mas voltando à mudança cultural, a Ciência deixou de ser subordinada à Filosofia e ficou subordinada à Matemática e à Física. Tornou-se precisa e não mais especulativa, e ficou autônoma da Igreja. Para se ter uma idéia do que isto significou, basta que nos lembremos do filme “O Nome da Rosa”, da obra do mesmo nome de Humberto Eco. O discurso do bibliotecário Jorge, após se desencadear o processo de inquisição no convento, é bem esclarecedor: a função daquele convento é reproduzir a cultura existente e não pesquisar, para descobrir coisas novas. A crítica contra William de Baskerville, muito bem interpretado por Sean Connery, é pela sua incapacidade de aceitar a autoridade do inquisidor, estando este errado. William está certo, mas deve ceder diante da autoridade do inquisidor. A autoridade triunfa sobre a verdade, é o ensino do episódio. Esta foi a cultura pré-científica, pré-iluminista e pré-Galileu. Infelizmente é a cultura de muita gente, ainda hoje. Imaginem pregar com a cultura pré-moderna para a mente pós-moderna.

A revolução industrial mudou os hábitos humanos para sempre. A máquina começou a substituir o homem. A produção deixou de ser em nível de subsistência para se tornar em objeto de consumo. Surgiram, em conseqüência, o capitalismo e a burguesia. O feudalismo começou a declinar. O lucro se tornou o alvo maior da vida. A propriedade privada surgiu como um apanágio, substituindo o conceito de que o Estado e a Igreja eram os senhores tanto da terra como da vidas das pessoas. O quantitativo, o mensurável, e o que pode ser expresso em linguagem matemática tornaram-se o fundamental no trabalho e até mesmo na vida. O conhecimento tornou-se pragmático, ou seja, em termos de utilidade. Até mesmo as pesquisas científicas são medidas em termo de lucro. A pergunta não é mais a do saber descompromissado, “o que é?”, mas sim a do saber utilitário “para que serve?” ou sua variante, ” quanto rende?”.

A tecnologia voltou-se para a microeletrônica e a corrida se tornou necessária para superar os adversários. A robotização elimina empregos e o mercado mundial se tornou dominado por grandes conglomerados econômicos.

A revolução cultural foi gerada pelo Iluminismo, que Kant definiu como “a maturidade da humanidade”. A razão humana era a nossa faculdade mais importante. O Iluminismo surgiu, como diz Valle, “em torno da idéia de progresso da humanidade através do uso da razão, ou mais exatamente, da razão empírico-analítica” . Ou seja, como produto do pensamento de Galileu e de Newton. E produziu o “século das luzes”. É preciso falar um pouco do Iluminismo. Vamos defini-lo:

Foi um movimento político, cultural e filosófico. Autores iluministas, como Voltaire, Diderot, Rousseau e Montesquieu defendiam a lógica e o raciocínio como base do conhecimento da natureza, do progresso e da compreensão entre os homens… A ciência ocupava-se em desvendar os mistérios do mundo. Aplicando-se o raciocínio e à lógica, qualquer desses mistérios acabava por vir à luz. Veio daí a denominação Século das Luzes, como ficou conhecido esse período.

Sua crença, que hoje se reconhece como ingênua, era de que o conhecimento é exato, objetivo e intrinsecamente bom. O progresso era inevitável e a ciência, aliada à educação, nos traria o milênio. O progresso humano traria a redenção da humanidade. Victor Hugo assim o metaforizou:

O homem pode dizer sem mentira: reconquisto o Éden e termino a Torre de Babel. Nada existe sem mim. A natureza não faz mais que ensaiar e eu termino a obra. Terra: eu sou teu rei.

O Renascimento descobriu valores culturais e o Iluminismo os divulgou. O homem foi posto como centro do mundo. Passou a se crer na bondade inerente do homem. O progresso estava se alastrando, e a educação e a ciência se tornaram mais comuns e então se entende esta visão romântica. Estávamos caminhando para o paraíso terreno. Mas o mais grave de tudo é que o Iluminismo e o newtonianismo criaram uma visão mecanicista do mundo. Este passou a ser visto como um relógio, explicado pela Matemática. Em outras palavras, as leis do universo podiam ser observadas e entendidas. O mundo podia ser compreendido e matematizado, explicado pela Matemática, por leis fixas e imutáveis. Nesta interpretação cultural, Deus se tornou o Grande Relojoeiro que deu corda ao mundo e se ausentou. Mais tarde, o Relojoeiro passou a ser desnecessário. O relógio podia ser bem administrado pelos seus usuários e ele mesmo passou a ser explicado como um acaso, produto das leis naturais.

Como conseqüência, o saber se tornou fragmentado, surgindo a especialização. A Medicina é o maior exemplo. O clínico geral vai cedendo cada vez mais espaço para o oftalmologista, o pneumatologista, o ortopedista que cuida do pé direito e o ortopedista que cuida do pé esquerdo. Na área social também sucedeu algo semelhante: ter uma visão global do mundo se tornou cada vez mais difícil. Com isso, o mundo se tornou mais complexo e ininteligível, em seu aspecto não físico. Mas conferiu uma aura de especialista infalível ao homem das ciências. O homem de ciências, o médico, por exemplo, passa a fazer afirmações teológicas, sem qualquer lastro filosófico. Antigamente o homem vestido de preto, o sacerdote, era respeitado por deter o poder. Hoje é o homem de branco. Ele sabe e os outros não sabem. As coisas se tornam mais complexas na sua linguagem, para lhe dar uma aura de confiabilidade. Não é “dor de cabeça”. É “cefaléia”. A Teologia e o saber filosófico se tornaram irrelevantes, cedendo lugar para a técnica e passamos a ter um mundo cada vez mais sem alma e sem sensibilidade. Curiosamente, hoje, os maiores desafios à visão de Newton vêm da própria Física. Capra, por exemplo, é um físico e propõe uma volta aos valores do espírito.

Mas, tentando resumir este ponto, posso dizer que a modernidade, a época em que fomos criados, compreende o processo de secularização da cultura ocidental (a cultura oriental está engessada há séculos). A pós-modernidade é o abandono da própria cultura. O que vale é o agora. O traço mais forte da modernidade era a crença de que o mundo e o homem poderiam ser explicados pela razão. A pós-modernidade tem como traço mais forte o desinteresse em explicar tanto o homem como o mundo. Viva a vida!

4. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DE NOSSA ÉPOCA

Nossa época, aquela em fomos criados e que está passando, é produto de uma série de acontecimentos históricos que se conjugaram e a produziram. Quais as conseqüências disso?

A revolução industrial, embora trazendo benefícios incalculáveis, como a popularização de bens de consumo, trouxe alguns problemas muito sérios que nos afetam. Entre eles podemos citar:

O lucro como motor essencial do progresso – Há aspectos positivos aqui, mas os que são negativos avultam. O valor de qualquer bem, investimento ou produto é medido pelo lucro. Isso desumanizou nossa época. As pessoas não são o valor último. Veja-se o caso dos planos de saúde, que cobram taxas elevadas, mas enchem os contratos de cláusulas-armadilhas que ludibriam o consumidor. Se o que o cliente precisa trouxer prejuízo para a empresa de saúde, ele vai ficar na mão. A Ciência mesma ficou presa do lucro, muitas vezes. Disse-me um amigo, professor em universidades de Odontologia, inclusive do Exterior, em uma conversa sobre vacina contra a cárie, que esta não seria interessante, do ponto de vista econômico. Que, se viesse a ser descoberta, seria mais interessante que fosse descartada. Vinte anos atrás, outro amigo, profissional da área petrolífera, comentou que já havia um substituto para o petróleo, em forma de pastilha que se dissolveria em um recipiente, produzindo um gás que funcionaria como combustível, mas que fora engavetado o projeto. O que aconteceria com as companhias petrolíferas, com os milhões em ações, com os países produtores de petróleo e que vivem apenas de sua venda? O que aconteceria no Oriente Médio, que já é um caldeirão turbulento?

A concorrência passou a ser a lei suprema da economia – Isto é bom, por um lado, porque estabelece o domínio da competência. Mas trouxe problemas também. Uma espécie de canibalismo econômico se estabeleceu nas relações empresariais. A cooperação visando o bem comum da humanidade é uma utopia. O homem não é mais a finalidade da ciência ou da economia. É apenas um consumidor. O valor das pessoas está na sua capacidade de produção e na possibilidade do seu consumo. Ninguém ajuda ninguém. Prevalece a lei das selvas. A dignidade intrínseca do ser humano tem sido esquecida.

A propriedade privada é um direito absoluto – No contexto surgido, foi uma grande novidade. As terras e os bens não eram apenas da Igreja ou dos nobres. Poderiam ser compradas e não poderiam ser tomadas, sem mais nem menos, por estes dois. Seu domínio deixou de ser natural e passou a ser legal. Mas muitos dos explorados tornaram-se exploradores. Assim é que o latifúndio da nobreza e da Igreja se tornou um latifúndio da nova classe burguesa que surgiu. Quem tem dinheiro consegue fazer mais dinheiro. “Dinheiro chama dinheiro” se tornou uma frase comum no cenário capitalista. Quem não tem, infelizmente, aplica-se a ele, sem fazer exegese bíblica, as palavras de Jesus, “até o que tem lhe será tirado”. O resultado é que há hoje mais exploradores que no passado.

O quantificável se tornou o mais importante em nossa cultura. O que se mede tem valor. O que não se pode quantificar passou a ser irrelevante. Valores sérios do passado, valores espirituais e morais, perderam o significado. A mentalidade pragmática e utilitarista tomou foros de padrão. Vivemos sob o signo da eficácia, do lucro e da quantificação. Quanto você desconta para INSS? E quanto receberá ao se aposentar? Velho não é produtivo. É tolerado, portanto. O valor do ser humano reside em sua força de trabalho, em sua capacidade de produzir para as forças dominantes, sejam as empresas, seja o Estado, sejam as igrejas (igreja não quer pastor velho).

Filosofia, arte, poesia, literatura, essas coisas não têm valor em nosso tempo. Não se come flor. O que tem valor é a informática, a técnica. Essa desvalorização do humano em detrimento das idéias e das técnicas se vê na história recente do Brasil, palco de experiências econômicas desastradas feitas por técnicos da área. Sem exceção, em todos os planos econômicos dos governos recentes, o Estado ganhou e o povo perdeu.
Encerrando este tópico, pode-se dizer que a revolução industrial, de tantos benefícios, desumanizou a sociedade. Coisificou o homem. E idolatrou a máquina. Uma frase do pensador austríaco, Karl Kraus, cabe bem aqui: “As máquinas estão se tornando cada vez mais complicadas e os cérebros cada vez mais primitivos” . Mais poder e mais valor às máquinas e menos valor ao humano.

A revolução cultural trouxe, como reflexo mais profundo em nosso contexto, o processo de secularização. Isto merece consideração especial de nossa parte porque nos afeta diretamente. Foi o golpe mais duro desferido ao campo religioso, pois baniu a religião para um canto, tirando-a da vida real. As afirmações teológicas não podem ser verificadas, pertencem ao domínio da opinião e não ao da prova. Tudo passou a ser explicado cientificamente e ficamos sem espaço para conceitos religiosos. Orar para chover? Mas a chuva vem como conseqüência de causas naturais e não de oração!

Em conseqüência, a Igreja deixou de ser uma instituição detentora de poder e se tornou um recanto de vivência pessoal. A religião passou a ser intimizada, vivida em nível de sensações e sentimentos, e não mais vivida em nível de história, de fazer acontecer. E um dos problemas mais sérios da intimização da fé é a diminuição da ética, tanto a de aspecto moral quanto a de aspecto social. A religião perde sua objetividade e se torna matéria de sentimentos. Esta perda da ética é lamentável. Todos sabemos que os bastidores da religião institucionalizada não são flor que se cheire.

Outra questão a considerar: a secularização minimizou e ridicularizou a religiosidade, mas não a baniu da vida humana. Dotado de uma centelha espiritual, criado à imagem e semelhança de Deus, o homem sentiu falta do sagrado. Assim, a religiosidade se vingou da secularização, retornando, até mesmo de maneira agressiva, em forma de superstições grosseiras como cristais, pirâmides, gnomos, numerologia, florais de Bach, etc. São duas conseqüências danosas para a fé crista. De um lado, sua contestação veemente, porque a fé cristã pretende ser uma cosmovisão (e só pode ser vista como uma cosmovisão) e no secularismo não há espaço para tal. De outro, um avanço extraordinário do paganismo passado, retornando com o aval da ciência, que não pode tolerar uma cosmovisão. A fé cristã se vê acuada entre dois inimigos. Um, que a declara retrógrada. Outro, retrógrado, que busca se impor sobre ela com foros de antigüidade, de milenaridade, de sabedoria dos ancestrais, como se a fé cristã tivesse nascido ontem.

Uma grave conseqüência em tudo isto é que o individualismo tomou corpo e afastou as pessoas das preocupações sociais. Isso se vê até no ambiente evangélico. Os anos sessentas foram anos de discussões sobre a ação social das igrejas. Havia uma preocupação enorme com a pobreza e com a política. A ênfase dominante hoje é dada pela teologia da prosperidade. As pessoas estão preocupadas com cura, saúde, riqueza, resolução dos seus problemas e pouco com a transformação do mundo. Para se trabalhar com os jovens é preciso ter isto em mente. Os cinqüentões podem, sem maldade, mas objetivamente, fazer uma comparação entre a mocidade de sua época e a de hoje. No passado havia preocupação social. Minha geração foi às ruas protestar contra o regime militar, apanhou do Exército nas ruas, tinha vontade de transformar o mundo, enamorou-se do comunismo porque via nexo no que ele dizia (embora nunca concretizasse o que dizia). O comunismo foi a grande e a maior frustração da geração pós-moderna. Em vez de criar riqueza, criou miséria. Em vez de trazer liberdade, criou um dos sistemas mais repressivos que a humanidade conheceu. Só mesmo a cegueira ideológica para não reconhecer isto. Como conseqüência, a geração de hoje é sem ideais, é a chamada geração shopping, cuja preocupação é o consumo, o tênis da moda, a camisa da grife badalada e a freqüência às lanchonetes de nomes americanos para a famosa sucata alimentar: sanduíche e refrigerante. É uma geração pragmática, de resultados, e não idealista. Que pensa localmente em vez de globalmente. Uma geração economicamente rica, com mais bens e posses que a minha, mas de conteúdo muito pobre. Uma geração obesa de corpo, pelos excessos alimentares, e esquelética de conteúdo, pela falta de sentido. Fútil mesmo. Porque, quando se perdem os ideais, a vida se empobrece. Uma Xuxa, uma Adriana Galisteu e aquele gordinho que tem um programa tolíssimo, com boliche humano e galalaus brincando com carrinhos de brinquedo, nunca emplacariam nos anos sessentas.

Em termos de culto, de vida na igreja, podemos dizer o seguinte: as pessoas irão por um mês a uma corrente de cultos para receberem riquezas, mas não terão ânimo para uma vigília de oração para conversão dos perdidos. A própria igreja evangélica se tornou pós-moderna. Ela se preocupa consigo mesma e não com o mundo perdido.

5. A PÓS-MODERNIDADE PROPRIAMENTE DITA

Grenz declara que a pós-modernidade surgiu no dia 15.7.1972, às 15:32, com um projeto de arquitetura moderna, nos Estados Unidos . A pretensão é absurdamente ridícula, típica de norte-americano que presume que tudo de importante nasce em seu país. Nem se pode levar a sério tal afirmação, de tão tola que é. As raízes culturais da pós-modernidade remontam aos movimentos estudantis de 1968, na França. Na realidade, as mudanças culturais vêm mesmo é da velha Europa. O refluxo chegou até o Brasil, com a contestação estudantil ao regime militar instalado no País desde 1964. Mas os contextos eram diferentes. Aqui foram de ordem política. Lá, ordem cultural, de cansaço com a maneira antiga de ver o mundo. Também não se pode ignorar a força do movimento hippie, nos anos sessentas. Eles contribuíram grandemente para as mudanças culturais a seguir. Desprezando a tecnologia, buscando uma vida mais rural, pondo de lado o materialismo e a ganância da cultura capitalista, os hippies, com seu bordão de “paz e amor” foram o estopim do pós-modernismo. É necessária uma análise mais séria, menos passional, deste movimento. Seu envolvimento com drogas levou os conservadores a estigmatizarem-no como destrutivo. Para os evangélicos, na sua visão maniqueísta do homem, eram demoníacos. Para os simpatizantes, o movimento ainda é pintado com cores românticas. Desapaixonadamente, pode-se dizer que foi uma reação a um modo de vida mundano, grosseiramente materialista e dominado por estruturas que subjugam o homem e lhe põem um traje para envergar sem que ele possa questionar. Foi uma reação de jovens ao estilo de vida de seus pais.

A rigor, a pós-modernidade é uma reação à modernidade. O milênio por esta prometido não chegou. O crescimento econômico não beneficiou a maioria, mas aos que beneficiou, trouxe uma profunda crise existencial, por incrível que pareça. Mas é até bíblico. “Eis que esta foi a iniqüidade de Sodoma, tua irmã: Soberba, fartura de pão, e próspera ociosidade teve ela e suas filhas; mas nunca fortaleceu a mão do pobre e do necessitado” (Ez 16.49). A riqueza sem o lastro cristão traz a ganância, e o viver em função de bens traz a indiferença para com os necessitados. Surge a ociosidade, mãe de todos os vícios e irmã de muitas frustrações. Pobre não tem tempo de ter crise existencial. Tem que sobreviver.

Abastados têm tempo para frustração e tédio. E caem neles. Dinheiro não enche a alma de significado.

Os filhos do século das luzes, bafejados pela cultura iluminista, viram duas guerras mundiais, viram o massacre de seis milhões de judeus, viram nascer e puseram sua esperança no marxismo e descobriram, desapontados, que dele surgiu uma das mais cruéis ditaduras da história, viram um capitalismo desumano e muita hipocrisia religiosa. Viram Ruanda e Angola. Viram o massacre da Praça da Paz. A mudança histórica prometida não surgiu. O paraíso não chegou. A Náusea, de Sartre, ilustra bem o sentimento de revolta e indignação surgido em muitas mentes. O mecanicismo de Newton não se fez sentir na área social. As coisas não funcionaram tão ordeiramente, tão matematicamente, como se esperava. O homem moderno se sentiu desorientado. Poucas palavras podem se aplicar tão bem à sua situação como um trecho de uma música de Chico Buarque de Holanda: “eu nem sei pra onde eu vou, mas continuo indo”. Falando em música, John Lennon estava enganado: o sonho acabou. Nada deu certo. A pós-modernidade é uma reação contra as promessas não cumpridas. O mundo se tornou pior. Como bem disse o teólogo Metz, “a ciência não pode produzir um único gesto de amor”. A fé na tecnologia produziu indiferença e cinismo. O homem foi esquecido, o humano foi desprezado.

O mito do futuro melhor se esboroou. Ele era a base da modernidade. A pós-modernidade é uma reação contra ela. E começou a nascer não na construção de uma casa, como ingenuamente declara Grenz. Mas começou a nascer quando se viu a impossibilidade de se mudar o mundo. Marx achava que não se devia mais interpretar o mundo e sim transformá-lo. Os pós-modernistas descobriram que é impossível fazê-lo. Podem até não negar as teses de Marx, mas negam sua solução. Na realidade, o mundo, para eles, não tem solução. Por isso, Faus declarou muito bem que a pós-modernidade não se limita unicamente a suceder no tempo a modernidade, mas reage ( e de forma bem dura) contra ela. Por isso, é mais antimodernidade do que pósmodernidade .

Vimos que uma das conseqüências da modernidade foi a secularização. A modernidade colocou a técnica no lugar de Deus. Colocou suas esperanças na educação do ser humano. Chegou a confundir, muitas vezes, capacitação tecnológica com educação. O regime militar brasileiro, por exemplo, acabou com o curso clássico e com o ensino de Filosofia e Ciências Sociais e nos deu os cursos profissionalizantes. O Brasil necessitava, urgentemente, de tecnologia, para entrar numa fase de desenvolvimento. A utopia humana, afinal de contas, viria pela Ciência e pela técnica. Educar era capacitar tecnologicamente. A pós-modernidade modificou, mais uma vez, o cenário humano. Perdeu a utopia.

Perdeu os ideais. Sacralizou o fático (de fato) e renunciou a combater ou mudar as injustiças sociais. Bem o diz Gondim: “A maior denúncia que se faz aos filhos da pós-modernidade é que abandonaram o ideal e renderam-se ao consumismo” . A pós-modernidade assimilou as injustiças sociais, deu-as como irremediáveis.

Então, cada um na sua, cada um que aproveite o que puder. Só que, com este lema, o mundo se torna cada vez menos habitável, menos humano, e cada vez mais selvagem. Guardadas as proporções, pode-se dizer que a pós-modernidade é um neo-existencialismo, mas mais cínico que este. Duas frases de Sartre podem ilustrar bem a época em que vivemos, a época pós-moderna: “o inferno são os outros” e “o homem é uma bolha vazia no mar do nada”. Então, cada um na sua, cada um que se vire por si. A diferença é que, tomando carona numa idéia de Faus, no existencialismo, havia a preocupação com “a insustentável leveza do ser”, que Milan Kundera expressou bem no romance deste nome. Na pós-modernidade há a “insustentável leveza do real” (não a nossa moeda, mas o que é). O mundo é assim e sempre será assim. Para quê lutar? Vamos viver.

6. BLADE RUNNER, O CAÇADOR DE ANDRÓIDES, SÍMBOLO DO PÓS-MODERNO

Lyon , em feliz abordagem, nos mostra o filme Blade Runner, o caçador de andróides como uma amostra do que seja a pós-modernidade. Na realidade, o filme é bem emblemático do movimento. Os andróides são seres quase-pessoas, produzidos pela bioengenharia. Vivem fora do mundo e são chamados de “replicantes”. Eles vêem à Terra para lutar contra a empresa que os criou. Sua queixa é que têm apenas quatro anos de vida e querem mais. Querem ser equiparados aos humanos, dos quais são réplicas perfeitas. O caçador de andróides é Deckard, cuja função é seguir suas pistas e eliminá-los. Os replicantes não são robôs. São um simulacro de gente. Eles têm uma vida rápida, curta e muito agitada. Os testes para determinar se são gente ou andróides são variados. A andróide pela qual Deckard se apaixona é Raquel. Ela apresenta uma foto da mãe, o que o leva a supor que é uma pessoa. Uma máquina que tem família. E Deckard, o herói do filme, é um humano solitário. São as contradições do mundo pós-moderno.

O cenário em que o filme se processa é uma cidade em ruínas. Tudo que era imponente agora está demolido. O cenário é de absoluta decadência. A tecnologia é de ponta, está em seu grau mais elevado, mas a vida é triste. Montes de lixo entulham as ruas. Há uma garoa cinzenta constante que quase torna o filme em preto e branco. As ruínas da cidade mostram colunas gregas, romanas, dragões chineses, pirâmides egípcias e cartazes de Coca-Cola. Toda a cultura humana se faz presente e toda ela está em ruína. O próprio tema musical do filme é melancólico.

Em que ele é um símbolo da pós-modernidade? A tecnologia se sobrepõe à humanidade. Os homens criaram máquinas que os substituem e que são suas inimigas. Os replicantes querem ser gente, mas a prova de sua vida é uma fotografia, claramente construída, forjada, artificial. A mensagem do filme é clara: o mundo científico é uma ilusão e o progresso humano está em ruínas. A cidade onde o filme acontece não é identificada. Pode ser qualquer uma, qualquer cidade populosa do mundo industrial. Afinal a vida é igual em todos os lugares, sem qualquer traço de pessoalidade. Há transporte a oitenta metros de altura do solo, mas o ambiente é de desintegração e caos. O filme mostra que a tecnologia não redimiu o mundo. Pelo contrário, arruinou-o. O herói se apaixona por uma máquina, semi-humana. Até o personagem principal está desorientado, é alguém iludido. As máquinas ocupam o lugar das pessoas e a cultura produzida em milênios está em ruínas. O mundo físico é caótico, mas o enredo também é.

7. CARACTERÍSTICAS DO PÓS-MODERNISMO QUE MAIS NOS AFETAM
Com esta visão de Blade Runner, podemos caminhar um pouco pela pós-modernidade. Alistemos, agora, algumas características do que é este movimento. Vejamos nelas as marcas de caráter que muitos dos adolescentes e jovens que recebemos nas igrejas trazem consigo. E como elas nos afetam, em nosso testemunho de Jesus Cristo.

1º) O colapso das crenças. Quer seja a fé, quer seja o crer na educação, quer seja o aceitar a cultura até então afirmada, há uma descrença em tudo que se afirmou até então. Não crêem que seja verdade que o estudo pode melhorar a vida das pessoas e o mundo. Há desinteresse pela herança passada. Tudo é visto como não funcional, como não resultável, não produtor de bons resultados. Um Ronaldinho, que mal consegue fazer uma sentença gramatical articulada, ganha muito mais que um cientista. E sem jogar futebol há muito tempo! É mesmo um fenômeno. Vive da mídia. Vale mesmo a pena estudar? Mas voltando à questão das crenças: não há um conjunto de valores. O que se faz é desmantelar as regras e as estruturas.

2º) A busca de novidades exóticas. Numa música espanhola se ilustra isso muito bem: “Cada noite um rolo novo. Ontem o ioga, o tarô, a meditação. Hoje o álcool e a droga. Amanhã a aeróbica e a reencarnação” (Cómo decirte, como cóntarte). No dia em que digitava esta parte, 8 de abril, na televisão se passava uma reportagem sobre o consumo de uma droga chamada ecstasy, em festas de jovens. Normalmente as novidades são contra o estabelecido, e as drogas, muito mais. Veja como a mídia cria mitos, cria conceitos, projeta sempre o que é contra os estabelecido. Um exemplo é a exaltação do Islã em uma novela recente, da Globo. Os evangélicos, enquanto isso, são ridicularizados. Esta atitude surge por causa dos dois itens seguintes.

3º) A descrença nas instituições. As instituições sociais falharam em seu propósito de prover um mundo melhor. Os governos, a família, a escola, todos eles falharam. O jovem não crê na declaração romântica do educador de que está formando mente e educando para o futuro. Não vê o professor encarar a profissão como um sacerdócio, mas como um ganha-pão. Não vê a escola como um lugar agradável nem crê no seu discurso de que estudando a pessoa pode ter oportunidades. Há milhares com diploma na mão e subempregados. Também não crê nas igrejas porque os escândalos são muitos. A igreja dos anos noventas não produz homens e mulheres santos, mas pessoas preocupadas com dinheiro. O vulto mais importante que a igreja evangélica dos anos sessentas legou à humanidade foi o pastor batista Martin Luther King Jr, Prêmio Nobel da Paz. A igreja evangélica dos anos oitentas apresentou ao mundo o bispo anglicano Desmond Tutu, que também recebeu o Prêmio Nobel da Paz. A igreja evangélica dos anos noventas é mais conhecida por Edir Macedo que por qualquer outro personagem. Este não ganhará nenhum Nobel. Para o homem pós-moderno, os governos não são honestos nem a classe política é íntegra. A família, via de regra, é um inferno na sua vida doméstica cotidiana. Isso se vê na legião de meninos de rua que fogem de casa e preferem um estilo de mendicância, superior ao que têm em casa. A autoridade nunca é bem vista. É sinônimo de opressão.

As pessoas desejam ser livres. É o desdobramento do existencialismo, como foi mostrado num filme dos anos sessentas, Cada um vive como quer. As pessoas são senhoras de suas vidas, sem convenções, sem compromissos e sem autoridade. E as igrejas evangélicas são, hoje, mais instituição do que comunhão. O aspecto institucional e uma maior importância à ordem e à lei do que à vida nos colocam em desvantagem. Os regulamentos e o “está errado” falam mais alto que a celebração da vida.

Falando em existencialismo, sua relação com a pós-modernidade pode ser descrita nem duas pichações em uma igreja, na França. O existencialista pichou assim: “Deus morreu. Viva Marx”. O pós-moderno pichou por baixo: “Marx também morreu. E eu estou gravemente enfermo”. Depois de termos visto “a morte de Deus” para o homem poder se afirmar (tese central do existencialismo), vemos agora a morte do homem. Cabem bem, aqui, as palavras de Veith: “O modernismo tinha assumido o projeto da morte de Deus. David Levin mostra como o pós-modernismo dá o passo seguinte. Conservando a idéia de que Deus está morto, o pós-modernismo assume como projeto próprio a morte do eu”.

4º) A necessidade de escandalizar. É uma maneira de agredir as pessoas e de se defender delas. Escandalizam com a conduta, com a recusa às regras, na indumentária e no visual. A própria maneira de se vestir mostra desleixo e até falta de asseio. Gasta-se muito dinheiro para se comprar uma roupa rasgada. Vestir-se mal e como mendigo é sinal de estar na moda. O pós-moderno rejeita padrões. Costumo dizer que adolescente não se veste, apenas se cobre. É aquela bermuda que não se sabe se é uma calça comprida do irmão menor, porque ficou no meio da canela, ou se é uma bermuda do irmão maior porque ficou pouco acima do tornozelo. Todo mundo é igual: o boné virado para trás, um tênis encardido no pé e uma blusa de frio amarrada na cintura. Isto porque querem ser diferentes. Copiam-se uns ao outros na sua diferenciação. Um piercing dá um toque a mais. Julgam-se diferentes, mas são clones uns dos outros.

5º) Um estilo individualista, hedonista e narcisista. Os jovens de hoje são individualistas, embora vivendo em “tribos”. Vivem sua existência. Não se espere deles patriotismo ou rasgos de idealismo. São hedonistas, vivendo em função do prazer, não necessariamente sexual, mas a busca do que lhes é agradável. São narcisistas, no sentido de olharem mais para si que para o mundo. Isto não é uma prerrogativa exclusiva deles, mas de toda a cultura pós-moderna. O social e outro são irrelevantes. O que vale é o próprio indivíduo.

6º) A falta de uma cosmovisão. O pós-moderno não tem uma cosmovisão nem mesmo posturas coerentes. É a pessoa que nega a existência de Deus, mas que crê em energia vinda de um cristal. Que nega a historicidade de Jesus, mas acredita em duendes. Agem assim porque as cosmovisões são explicações totalizantes do mundo, trazem respostas cabais e últimas. “Nenhuma certeza pode ser imposta a ninguém”, diz o pós-moderno. Recusando uma cosmovisão, uma visão integrada, as pessoas fazem uma crença tipo picadinho. Tudo está bom, tudo está certo. Ao mesmo tempo, isto não faz diferença. Cada um faz sua crença e sua religião. O valor último ou padrão aferidor é a própria pessoa. Foi isto que o roqueiro brasileiro, Raul Seixas cantou: “Eu prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião sobre tudo, tudo”. As pessoas não têm mais uma visão determinada do mundo.

7º) A perda do sentido de história. Não existe uma história unificada, produto da visão cristã que impregnou o Ocidente e lhe deu direção. Existem acontecimentos isolados, histórias de pessoas que se cruzam entre si, sem nexo, sem ligação. Uma visão global da vida não existe. Existe uma visão fragmentária.

Pensa-se no hoje, no fato de agora. Perdeu-se a visão de um passado, um presente e um futuro integrados. O pós-moderno opta pelo efêmero, pelo modismo, pelo fragmentário, pelo descontínuo. Com isto, a vida não tem sentido histórico nem dimensão linear. É para ser vivida agora, numa dimensão pontilear.

8º) A substituição da ética pela estética. O dever cede lugar ao querer. As escolhas são privadas e não mais ligadas à sociedade. A capacidade de viver e de desfrutar o belo substituiu a responsabilidade. O negócio é experimentar sensações, cada vez mais fortes, cada vez mais dinâmicas. Nada de sentimento de culpa ou de valores. Viver é fazer o que me agrada. Em outras palavras: ninguém tem nada com a minha vida. Ninguém se prende afetivamente a alguém.

9º) A crise de pertença, ou seja, a necessidade de pertencer a alguma coisa, se tornou mais aguda, nesta situação. A maldição sobre Caim foi tirar-lhe a pertença. Ele seria sem raízes, geográficas ou sociais, um nômade, um errante, um peregrino, andante. O homem necessita pertencer a alguma coisa. É uma profunda carência existencial. Precisa pertencer a uma igreja, um clube, uma associação, etc. Como a crise de pertença surgiu logo vieram os relacionamentos “lights”, imediatistas, sem ligações profundas, manifestadas no sexo efêmero e casual. O instinto substitui o afeto. Cada semana, uma pessoa. Pertence-se a uma “tribo”, mas se refugia no anonimato de relações via Internet.

10º) A característica a seguir é a mais forte, em termos de nosso trabalho: a pluralidade ideológica e cultural. Nossa época é uma época de síntese. As pessoas querem ter posições, mas querem concordar com tudo. A pessoa tem uma cultura tecnológica, de informática avançada, mas crê em florais, astrologia e numerologia. Não tem convicções, mas conveniências. Seu credo é mais produto de ajustes de convivência do que de convicção pessoal. Pode-se ter grande zelo pela ecologia e desprezo pelo humano. As crenças e posturas são casuais e produto de circunstâncias. O evangelho pode ser verdade, mas é verdade para uma pessoa e não para outra. Há tantas verdades como pessoas.

Cada uma tem a sua, cada uma faz a sua. Dei um folheto evangelístico a uma pessoa, folheto que falava de Jesus. A pessoa me disse que não cria nessas coisas. No vidro de seu carro brilhava um adesivo: “Eu creio em duendes”. Mas o maior problema está hoje no pentecostalismo. Ele está minado pelo paganismo e ele invade nossas igrejas., com esta sua contaminação. Quero citar um pastor da Assembléia de Deus, sobre este ponto:

Na América Latina, as religiões pagãs populares vão se incorporando aos rituais pentecostais. Pede-se ao diabo para se manifestar, com o objetivo de exercer poderes exorcistas sobre ele, mapeiam-se as moradias demoníacas por causa da influência da cosmovisão pagã de que os poderes malignos tomam posse de lugares. Os objetos supersticiosos, como óleo ungido, rosas sagradas e a água do rio Jordão, passam a ter o mesmo valor no Cristianismo que na religiosidade popular pagã.

A linha entre paganismo e pentecostalismo, principalmente no baixo-pentecostalismo, tem sido apagada. Este é um dos mais sérios problemas para nós. Nossos crentes assistem aos programas da Universal, onde os fundamentos do protestantismo são negados. O sacerdócio universal de cada crente, a graça por causa do amor de Deus, o fato de que Deus não se deixa subornar, são negados nas suas práticas exóticas. Ao mesmo tempo há a idéia de que uma água benzida pela oração do pastor tem fluidos mágicos. Tudo isto entra na cabeça de nosso povo. Há uma paganização do movimento evangélico hoje. A crença tipo picadinho está muito forte nos segmentos mais baixos do movimento evangélico.

8. COMO PREGAR E EDUCAR UMA IGREJA NESTE CONTEXTO
É uma situação desvantajosa para o pregador, que sempre é um educador, geralmente produto de outra cultura. Muitas vezes ele mesmo vive em conflito por causa do choque cultural. Foi criado num estilo, mas já assimilou padrões de outro estilo. Como pregar numa sociedade pós-moderna?

1º) Lembrando que temos valores eternos, como cristãos, que somos. Há valores temporários, locais e mutáveis. Há valores inegociáveis. O pregador e o pastor necessitam ter uma cosmovisão cristã completa, saber de sua fé e de seus valores e vivê-los. Muitos pastores não têm uma visão global do mundo, e, o que pior, muitos não têm sequer uma visão global de sua fé, sabendo encaixar o mundo nela, analisando o mundo por ela. Sua fé é atomizada, de pequenos credos, sem uma visão holística do evangelho. Sem ver o evangelho como uma cosmovisão, uma explicação global do mundo. Isto é trágico para um pastor. Ele observa a vida cristã por um determinado dom, por uma visão de ministério, pelo modismo contemporâneo, de igreja com propósito ou outro qualquer. Sem uma visão global do evangelho fica difícil analisar o mundo.

2º) Nossas comunidades, sejam igrejas sejam congregações, não podem se fiar apenas na repressão. Devem ser comunidades calorosas, sadias e honestas. As pessoas devem ser ouvidas e levadas a sério. Devem ver seriedade no trato, rigor com respeito. O jovem continua necessitando de balizas, de norte. Busca um guia-líder confiável. O que leva jovens a se envolverem com seitas exóticas como Moon e alguns pastores que promovem a autolatria? É que esses líderes os aceitam e lhes servem de referencial. Nossas igrejas podem oferecer este ambiente ao jovem? Ela é agradável ou é um fardo? O pastor pode ser um referencial, no sentido de ser uma pessoa que sabe o quer e para onde vai? O estilo de vida do pastor é entusiasmante? Ou ele é um profissional de religião?

3º) Coerência é fundamental. A frase é do papa Paulo VI, mas nem por isso deve ser tida como inválida, muito pelo contrário: “Os jovens de hoje não querem mestres, querem testemunhas”. Querem pessoas que creiam nos valores que propagam. O pastor digno do nome é alguém que busca ser modelo. Há pastores que não amam as pessoas, mas o seu ministério, o seu trabalho, sua filosofia ministerial e, algumas vezes, o reino de Deus. Isto não é errado, mas se não ama gente terá grandes dificuldades em seu trabalho. Outros têm o ministério apenas como ganha-pão. Coisificam pessoas e pessoalizam idéias e conceitos. “Vem para o meio”, disse Jesus ao homem da mão mirrada. O educador e o líder cristão que se prezam colocam a pessoa no centro. Amamos nossos templos, nossos prédios, nossas instituições. Mas e as ovelhas? São apenas um detalhe aborrecedor e irritante? Conheço pastores intratáveis. Há líderes apaixonados por si e com comichão nos ouvidos e também na língua, desejos de ouvir novidades e espalhá-las. Mas não ligam para as pessoas. Elas apenas fazem parte do seu trabalho, do seu ministério. Isto é grave. As pessoas sabem quando são usadas e manipuladas e sabem quando são aceitas e amadas, mesmo que discordemos delas.

4º) Precisamos amar o que fazemos. Uma das questões mais atacadas pela pós-modernidade é exatamente a hipocrisia dos líderes, com um discurso e com outra prática. Gente tem valor, é preciosa, e lidar com gente pressupõe amá-las. Pastorear pressupõe amar o trabalho que se faz. Pode-se fazer algo mecanicamente em uma linha de montagem, sem amar as máquinas e os parafusos. Mas lidar com gente sem amá-las e sem amar o trabalhar com gente, é sinal de fracasso. O amor ao que se faz dá forças para superar as crises e capacidade para se atualizar. Digo que pastorado é uma atividade que só pode ser feita passionalmente. Deve ser feito com coração. As marcas ficarão na vida das pessoas que entrarem em contato conosco.

5o) A igreja precisa dar respostas relevantes para a vida real das pessoas. Não vou entrar em área de conteúdo teológico, mas que respostas nossas igrejas estão dando para a vida? Em um culto voltado para jovens, o pregador convidado falou por quase 50 minutos sobre dicotomia ou tricotomia. Segundo ele, este era um assunto palpitante, com o qual ele estava “muito preocupado”. E daí? Que diferença isto faria para os jovens? Pregamos o que gostamos ou o que as pessoas precisam ouvir? O púlpito está dando respostas sérias ou é um falatório sobre religião? Pregamos apenas assuntos ou pregamos uma pessoa, Jesus, que tem respostas para a vida das pessoas? Com que estamos preocupados? Com assuntos que nos dizem respeito ou com as necessidades dos ouvintes? De que se ocupa o púlpito? De Cristo ou de política denominacional. Para que o usamos? Para glorificar a Cristo ou para enviar recados aos outros?

6º) A fé precisa ser viva numa igreja. Parece banal, mas tem nexo no que quero dizer. A igreja deve expressar o caráter cristão nas suas relações e no seu ambiente. O pós-moderno necessita ver uma igreja batista como uma instituição séria, espiritual, coerente em sua fé. Ele está cansado de dicotomia entre conduta e fé. Farto de fingimentos. O jovem pós-moderno clama, no dizer de Faus, nos seguintes termos: “quem me vende um pouco de autenticidade? A espiritualidade continua fora do culto? Cantamos o corinho “esta igreja ama você” na hora de saudar o visitante. Mas, acabado o culto, temos interesse nele? Se trouxer um problema a igreja está mostrará que o ama? A fé e os relacionamentos aparecem apenas na hora do culto ou permeiam a vida das pessoas?

7o.) O púlpito precisa ser cristocêntrico. Cristo precisa voltar a ser o centro e o interesse da pregação. Valorizam-se dons, exalta-se o Espírito Santo, mas a segunda pessoa da trindade tem sido esquecida na sua própria Igreja. A IURD trocou a cruz pela pomba. Outro dia, pela tevê, dizia um pastor pentecostal: “Cristo é o canal para nos trazer o Espírito Santo”. Que mudança doutrinária! E João 14 a 16, que fazer deles? E a cruz, onde colocá-la? Um púlpito bíblico, exegético, com Cristo no centro, é uma necessidade insuperável da igreja. Preparando um ano de lições de EBD para minha Igreja, sobre Teologia Sistemática, entre na maior livraria evangélica de Campinas para adquirir livros sobre Cristologia. Queria alguns além dos que tenho. Não encontrei um, um sequer. Mas encontrei quarenta e dois, sim, quarenta e dois, sobre batalha espiritual, sobre demônios, quebra de maldições. Temos um contraste doloroso. A Igreja é de Cristo mas está fascinada por demônios. Temos um Cristo que salva, que perdoa, mas que é fraco e é incapaz de livrar a pessoa do poder de demônios. Só o sacerdote baixo-pentecostal pode fazê-lo. Cristo precisa voltar a ter a primazia em nossa ensino. Cristo precisa voltar ao primeiro lugar no púlpito. Chega de estrelismo humano e de exotismo doutrinário!

8º) A Igreja precisa de rumo. Mencionei anteriormente que o pós-moderno é pragmático e não idealista, que pensa localmente em vez de globalmente. Isto está acontecendo com as igrejas. A Igreja deixou de ser a comunhão dos santos e só se pensa em mega-igreja. Um amigo meu, a quem muito respeito, sentiu-se tocado por Deus para um trabalho na periferia de S. Paulo com bêbedos e macumbeiros. Em dois anos tinha convertidos para organizar uma igreja. Ele tem trabalho secular, não precisava de sustento pastoral e o seu grupo alugou um salão onde se reunia. Como bom batista, procurou uma igreja para ser a organizadora de sua congregação em igreja. Não queriam um centavo porque podiam se manter. Só queriam uma igreja que fosse a organizadora. Enviou cinco cartas a igrejas de amigos. Não obteve respostas. Aliás, uma respondeu: “Deus não nos deu a visão de organizar outras igrejas”.

Isto aconteceu. Não criei a história. A visão é local e não global. O espírito é pragmático: vamos gastar energias em organizar uma igreja na periferia? Devemos concentrar nossos esforços em ter uma igreja grande no nosso bairro de classe média. Dá mais status. A visão é ser uma mega-igreja. Neste afã, doutrinas e posições históricas são sacrificadas por métodos esquisitos e antibíblicos, desde que estes dêem certo. O que vale é o pragmatismo de ajuntar gente, de ter uma “igrejona”. A Igreja precisa de rumo. Ela não precisa de novos propósitos como alguns parecem interpretar. Jesus já deixou propósitos para sua Igreja. Basta ler Mateus 28.18-20 e Marcos 16.15. Que uma igreja deve ter rumo e delinear bem seu propósito ministerial, isto é indiscutível. Mas isto não é novo. É neotestamentário. Não criemos novos rumos nem nos desviemos dos traçados pelo Senhor da Igreja.

Talvez mais questões poderiam ser alistadas aqui. Mas creio que, mostradas as linhas da pós-modernidade, não será uma tarefa difícil pensar em como trabalhar cristãmente dentro das suas características. Mas, sem resvalar para a pieguice, a frase de nosso i

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