A Centralidade da obra de Cristo na proclamação do evangelho

Autor: ROBSON ROSA SANTANA
Goiânia Jun/2002

Introdução

Lucas 24.44-49 é um texto de suma importância para o entendimento da missão de Cristo e a conseqüente missão da Igreja. Nele se vê a abrangência da obra de Cristo expressa por Sua própria boca. Jesus está plenamente cônscio de que aquilo que aconteceu com a Sua vida era o cumprimento das Escrituras Sagradas. Era necessário acontecer tudo o que ocorreu com Ele para que a salvação do pecador de todas nacionalidades e etnias pudesse ser alcançada. Aliás, a própria boa nova de salvação através dEle também era cumprimento da Escritura. Esse Evangelho da graça de Deus é inclusivista. Não se restringia somente a Israel, como também aos gentios. Isso demorou para que seus discípulos entendessem. De fato, só começaram a compreender quando Ele lhes abriu o entendimento e depois do derramamento do Espírito em Pentecostes.
O cumprimento das Escrituras é o foco central desse texto. Por isso a expressão “está escrito”. Mas o que está por trás desse cumprimento é o propósito salvador de Deus na história da humanidade. Entender a obra de Cristo é ponto central para o cumprimento da missão de Deus, na qual a Igreja é privilegiada a participar. Principalmente em nossos dias em que há uma confusão quanto à validade das missões cristãs. Alguns cristãos diriam que a missão é tudo que a Igreja é enviada ao mundo para fazer. Outros sentem que tal definição está por demais ampla e mantêm que a proclamação do Evangelho e a salvação das almas perdidas são a missão específica da Igreja. Ainda outros não vêem a necessidade de proclamar o Evangelho com vistas à conversão de pessoas e sua incorporação na Igreja. Uns poucos estão começando a expressar dúvidas acerca da exclusividade de Cristo e a necessidade da fé Nele para a salvação.
Quando se analisa Lucas 24.44-49, chega-se a conclusão que esse discurso do Senhor Jesus faz parte das narrativas da Grande Comissão, paralela aos outros Evangelhos sinóticos e ao Quarto Evangelho. É um texto que reivindica a centralidade da obra de Cristo na proclamação das novas de salvação.

1. ANÁLISE TEXTUAL

TEXTO GREGO E TRADUÇÃO
44 Ei=pen de. pro.j auvtou,j ( Ou-toi oi` lo,goi mou ou]j evla,lhsa pro.j u`ma/j e;ti w’n su.n u`mi/n( o[ti dei/ plhrwqh/nai pa,nta ta. gegramme,na evn tw/| no,mw| Mwu?se,wj kai. toi/j profh,taij kai. yalmoi/j peri. evmou/Å 45 to,te dih,noixen auvtw/n to.n nou/n tou/ sunie,nai ta.j grafa,j 46 kai. ei=pen auvtoi/j o[ti Ou[twj ge,graptai paqei/n to.n Cristo.n kai. avnasth/nai evk nekrw/n th/| tri,th| h`me,ra|( 47 kai. khrucqh/nai evpi. tw/| ovno,mati auvtou/ meta,noian eivj a;fesin a`martiw/n eivj pa,nta ta. e;qnhÅ avrxa,menoi avpo. VIerousalh.m 48 u`mei/j ma,rturej tou,twnÅ 49 kai. Îivdou.Ð evgw. avposte,llw th.n evpaggeli,an tou/ patro,j mou evfV u`ma/j u`mei/j de. kaqi,sate evn th/| po,lei e[wj ou- evndu,shsqe evx u[youj du,namin.

44 E disse-lhes: são estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas, e nos salmos. 45 Então abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras. 46 E disse-lhes: Assim está escrito, e assim convinha que o Cristo padecesse, e ao terceiro dia ressuscitasse dos mortos: 47 E em seu nome se pregasse o arrependimento e a remissão de pecados, em todas as nações, começando por Jerusalém. 48 E dessas coisas sois vós testemunhas. 49 E eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai: ficai, porém, na cidade de Jerusalém até que do alto sejais revestidos de poder.

DELIMITAÇÃO DA PASSAGEM
Os textos gregos objeto de nossa exegese (Lc 24.44-49), concordam unanimemente que estes versos constituem um parágrafo. Tanto as versões: UBS 3a edição , o Texto Receptus e o Texto Majoritário , bem como as versões em português, tais como a ARA, ARC e a Bíblia: Mensagem de Deus .

MANUSCRITOLOGIA
O aparato crítico da UBS (3ª edição) traz duas variantes no verso 47. A primeira é com relação a preposição eij. Conforme os editores do texto da UBS essa é uma variante com grau de certeza {D}, que demonstra um alto grau de dúvida concernente a leitura selecionada do texto. Mesmo assim resolvemos considera o seu caso. Os manuscritos mais antigos como o Papiro 75, a, B, um siríaco, dois cóptas e três Diatessaron contém a forma eij. Enquanto A C D K L W X D Q P Y vinte e quatro minúsculos, Byz, vg, três syr, arm eth geo Cipriano e Eusébio admitem a conjunção kai. Todas as versões mais antigas como a KJV, Reina-Valera, Almeida (Corrigida), e algumas mais recentes como a NIV usaram os textos mais recentes, base para o Textus Receptus. Não tomando por base o fato dos manuscritos mais antigos serem os melhores, como afirmam os editores da UBS, assumo a posição de que a conjunção kai é mais provável que fosse original da pena de Lucas. Pois apesar da grande número eles são menos discrepantes do que os mais antigos, especialmente o Sinaítico (a) e o Vaticano (B).
No mesmo verso (47) há ainda outra variante. Com um grau de dúvida menor {C}, o particípio arxa,menoi. A UBS o adota com base nos seguintes textos, e seguindo o critério supra citado, a, B C* L X 33 1230 1253, dois cop, arm eth geo². Arxa,menon é usado no Papiro 75 A C³ K W D* P dezenove minúsculos, Byz Lect, um l, quatro syr e Diatessaron. Pelos mesmos motivos da variante acima tomo a posição por Arxa,menon.
A variante do verso 49, grau {C} , não constitui relevância para o texto, pois não altera quase em nada a sua significação.

2. ANÁLISE GRAMATICAL
LUCAS 24:44-49

Verso 44
Ei=pen verbo indicativo aoristo ativo 3ª pessoa singular – disse.
de. conj coord de continuidade – e, então.
pro.j prep ac – para, a.
auvtou,j pron ac masc 3ª pes pl – lhes, a eles.
lo,goi subs nom masc pl – palavras.
evla,lhsa verb ind aor at 1st per sing – falei, disse.
su`n – com
u`ma/j pron ac 2ª pes pl – a vós.
e;ti adv – ainda
w’n part pres at nom masc 1ª pes sing – estando.
o[ti adv rel – que
plhrwqh/nai verbo inf aor pas – se cumprisse
pa,nta adj ac neutro pl – tudo.
gegramme,na part perf pass ac neutro pl – está escrito.
no,mw| subs dat masc sing – (na) lei.
profh,taij subs dat masc pl – nos profetas (livros proféticos do AT).
peri. prep gen – acerca de, referente, de.
evmou/ pron gen 1ª pes sing – de mim, a mim.

Verso 45
to,te adv – então.
dih,noixen verbo ind aor at 3ª pes sing – abriu
auvtw/n pron gen masc 3ª pes pl – lhes.
nou/n subs ac masc sing – a mente, o entendimento.
sunie,nai verbo inf pres at gen – para compreenderem.
grafa,j subs ac fem pl – Escrituras (todo o AT).

Verso 46
kai. conj coord – e.
ei=pen verbo ind aor at 3ª pes sing – disse.
auvtoi/j pron dat masc 3ª pes pl – lhes.
o[ti conj subord – porque, pois.
Ou[twj adv – assim
ge,graptai verbo ind perf pass 3ª pes sing – está escrito.
paqei/n verbo inf aor at – havia de padecer, havia de sofrer.
Cristo.n subs ac masc sing – o Cristo, equivalente ao hebraico Messias.
avnasth/nai verbo inf aor at – ressuscitar.

Verso 47
ovno,mati subs dat neutro sing – em nome
auvtou/ pron gen masc 3ª pes sing – seu, dele.
meta,noian subs ac fem sing – arrependimento, mudança de mente, mudança de caminho, voltar de seus pecados.
eivj prep ac – para (dentro). Denota propósito e às vezes resultado.
a;fesin subs ac fem sing – perdão, cancelamento.
a`martiw/n subs gen fem pl – de pecados.

Verso 48
u`mei/j subs pron nom 2ª pes pl – vós.
ma,rturej subs nom masc p – testemunhas.
tou,twnÅ pron demonstr gen neutro pl – destas (coisas).

Verso 49
kai., conj coord – e
evgw., pron nom 1ª pes sing – eu
avposte,llw verb ind pres at 1ª pes sing – envio
evpaggeli,an subs ac fem sing – promessa
evfV prep ac – sobre
u`ma/j pron ac 2ª pes pl – vós
de. conj coord – pois, assim.
kaqi,sate verbo imper aor at 2ª pes pl – permanecei, ficai.
e[wj prep gen – até. É usada aqui como uma conjunção temporal, para ligar um evento às circunstâncias em que depende o começo de um outro.
evndu,shsqe verbo subj aor med 2ª pes pl – sejais revestidos, tenhais recebido. No sentido figurado em que é tomado no texto de Lc 24.49, significa assumir ou ser investido de dons ou qualidades espirituais.
du,naminÅ subs ac fem sing – poder, força. Capacidade de produzir um forte efeito.

3. ANÁLISE SEMÂNTICA

Nou/n – acusativo masculino singular do substantivo nouj. Significa “mente”, “intelecto”, “pensamento”. Tem referência especial às Escrituras do AT. Nas palavras de G. Harder, “o Cristo ressurreto abriu as mentes dos discípulos a fim de que entendessem as Escrituras (Lc 24.45). O homem com entendimento é aquele que sabe o verdadeiro significado das Escrituras e as maneiras de Deus se manifestar ali; em outras palavras, aquele que conhece os segredos do plano divino”.
Grafh – significa “escrita”, mas no NT sempre se refere à Escritura. O sentido dela no texto desta exegese, refere-se ao corpo de todas as partes da Escritura, e.g., Mt 21.42; 22.29; 26.54; Mc 12.24; Lc 24.27, 32, 45 entre outros. Lucas a utiliza para designar toda a Escritura do AT, quando diz: “na Lei de Moisés, nos profetas e nos Salmos”, a tríplice divisão da Bíblia Hebraica.
Paqwj – a palavra é usada em Lucas 24 referindo-se ao sofrimento de Cristo, especialmente à sua paixão. No texto de Lucas 24.46 designa exclusivamente a sua morte, mesmo que não esteja explicitamente mencionada, no entanto, fica lado a lado com outra fato, ou seja, a sua ressurreição (Lc. 24.46; At 3.18). Também está relacionada com a sua ascensão (Lc 24.26), ou a demonstração de Si mesmo, vivo (At. 1.3). “Em tais passagens, Seu sofrimento é pathema tou thanatou (Hb 2.9), i.e, a própria morte (Hb 13.12)”. Não podemos passar despercebido que a morte de Cristo não foi algo acidental, mas uma necessidade de Deus (Mt 16.21; Lc 13.32; 17.25; 24.26), como também já havia sido predito pelos profetas (Mc 9.12; Lc 24.26; At 3.18; 1 Pe 1.11).
Anastasij – “ressurreição”. A palavra aqui aparece como cumprimento de predições do AT. O Cristo havia de ressuscitar. É neste estado de ressurreto que Jesus aparece a seus discípulos e lhes abre o entendimento para o que o AT falara dele. No NT as predições acerca de sua ressurreição são abrangentes, e.g, Lc 9.22; 18.33 e textos paralelos. Foi pelo poder de Deus que o Jesus morto e sepultado surgiu dos mortos (At 2.31; 34). O kerygma dos apóstolos se baseava no fato de terem tido encontros com o ressurreto (At 1.22). “A ressurreição de Jesus veio a ser, assim, o sinal do triunfo de Deus sobre o poder do pecado e da morte. Em outras palavras, cancelara a queda de Adão e de toda a escravidão humana que dela resultara, porque o Cristo entrara na glória de Deus como o primeiro entre muitos”. Na verdade, a mensagem do Cristo ressurreto é o fundamento de toda a esperança e pregação cristãs. (1 Pe 1.3; 1 Co 15.14, 19). Nas palavras de Paulo aos Coríntios, “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé” (1 Co 15.14).
Khrussw – “anunciar”, “tornar conhecido”, “proclamar” (em voz alta). Nos Evangelhos Sinóticos o verbo é usado para designar a atividade de João Batista (Mt 3.1; Mc 1.4; Lc. 3.16), e apontam para ele como o último dos profetas. Todos os três evangelhos registram, entretanto, “que a pregação do Batista se estendia até à proclamação do Mais Poderoso (ischyroteros) vindouro que, ao administrar o Batismo no Espírito, inauguraria uma nova ordem (Mt 3.11; par. Mc 1.7; Lc 3.16; cf. Jo 1.26-27)”.
Lucas descreve em primeiro lugar que Jesus é Aquele que proclama e leva a efeito a obra de Deus, e somente depois é que Ele envia seus discípulos a proclamarem a mensagem que envolve o seu nome. Pois “Jesus é descrito como Filho de Deus (At 9.20), como Ressurreto (e.g. At 2.32; 4.10), a garantia da ressurreição dentre os mortos (At 4.2), sendo somente em nome dEle é que o perdão dos pecados, proclamado por João, pode vir a ser uma realidade (At 2.38, cf. Lc 24.47)”.
O[noma – “nome”. No texto de Lc 24.47 está no dativo, por isso ovno,mati. Ocorre 228 vezes no Novo Testamento e, relativamente, aparece mais nos escritos lucanos (34 vezes no evangelho e 60 vezes em Atos). Todo o significado da vida e obra de Jesus fica evidente em seu nome (Mt 1.21). Por isso, o nome “Jesus” pode ser substituído por o “nome” (At 5.41). Como diz H. Bietenhard, “o contexto total da verdade salvífica que se revela em Jesus está incluído no seu nome (At 4.12; 1 Co 6.11) … Qualquer pessoa que crê no seu nome recebe o perdão dos pecados (At 10.43), tem a vida eterna (Jo 20.21) e escapa do julgamento”. De acordo com Cl 3.17, toda a vida do crente é dominada pelo nome de Jesus, e sua glorificação é o objetivo da fé (2 Ts 1.12). E conforme Lc 24.47, o nome de Jesus é o fundamento da proclamação a todas as etnias (ver At 8.12; 9.16; Rm 1.5).
Meta,noia – arrependimento, conversão. No sentido religioso e moral é uma mudança de mente que leva a uma mudança de comportamento. A própria derivação da palavra sugere isso: meta (mudança) e nouj (mente, entendimento). Simplesmente como mudança de opinião tem um papel bem reduzido no NT. “Ressalta-se, pelo contrário, a decisão mediante a qual o homem inteiro se volta”.
O chamado ao arrependimento está muito ligado ao ministério de João Batista. Ao contrário do AT em que essa chamada estava vinculada com o passado, com a injustiça e a idolatria do povo de Deus. No entanto, a motivação de João Batista era que “está próximo o reino de Deus” (Mt 3.2). Nos Sinóticos o arrependimento é uma questão de obedecer a uma Pessoa. “A chamada ao arrependimento fica sendo uma chamada ao discipulado. Desta forma, o arrependimento, a fé e o discipulado são aspectos diferentes da mesma coisa (Mc 1.15, ‘Arrependei-vos e crede no evangelho’)”.
A igreja primeva continuou a chamada ao arrependimento. Esta chamada estava ligada aos seguintes elementos: convocação à fé (At 20.21; 26.18; 19.4), a exigência do batismo (At 2.38), a promessa do perdão (Lc 24.47; At 3.19; 5.31), da vida e da salvação (At.11.18; 2 Co 7.9-10).
e;qnoj – “nação”, “povo”, “bárbaro”, “pagãos”, “gentios”. As ethne engloba todos os povos, conforme qualifica o adjetivo panta, “todas” (Lc 24.47; cp. Mt 24.9; 28.19; Mc 11.17; Lc 21.24; Rm 15.11). Inclusive a nação de Israel, pois o texto de Lc 24.47 diz que a pregação deve ser a todas as nações e a primeira era a israelita. Em muitos outros textos refere-se exclusivamente aos gentios, pagãos (Mt 4.15; 20.25; Lc 21.24 etc.). O evangelho deve ser pregado em todas as nações porque Cristo veio para redimir um povo constituído de todas as línguas, povos, tribos e nações, constituindo assim reino e sacerdotes (Ap 5.9-10; cp. Ex !9 6). Não somente os escolhidos de Israel serão salvos, mas um número incontável de gentios (Ap 7.9).
Marturi,a – “testemunho’, “testificação”, “atestação”. Nos Sinóticos a palavra adquire um conceito mais amplo do que o do campo jurídico. Lucas usa a palavra no sentido de dar testemunho do Cristo ressurreto. “Vós sois testemunhas destas coisas” (Lc 24.48). Refere-se justamente a isso. Quase em conexão com seu evangelho, Lucas usa palavras semelhantes em At 1.8, na comissão do Senhor ressurreto. Com referência aos apóstolos, Lucas já não usa martiria para testemunhas de fatos, mas, sim, “especificamente para as testemunhas do Senhor ressurreto, que por esta mesma qualificação são as autorizadas e legitimizadas como Suas testemunhas entre as nações”.
du,namij – “poder”, “potência”, “força”, “fortaleza”, “habilidade”, “capacidade”, “ato de poder”, “recursos”. Nos Evangelhos Sinóticos “dynamis denota o poder de Deus, os ‘poderes’ celestiais (no plur.), ‘poder miraculoso’ (no plur. ‘atos poderosos’, ‘milagres’), e o ‘poder’ que leva a salvação à sua perfeita conclusão”. A promessa da qual Jesus fala em Lc 24.49 para que eles fossem revestidos de poder é o próprio Espírito Santo (cp. At 1.8). Desse modo, a pregação autoritativa dos apóstolos (At 4.33) é o resultado desse poder sobrenatural derramado pelo Senhor em Pentecostes. Esse mesmo poder é que faz com que eles realizem atos poderosos (At. 4.7; 6.8; 8.13; 19.11).

4. CONTEXTO HISTÓRICO

AUTORIA
Há várias evidências de que o autor do terceiro evangelho foi Lucas. Comecemos pelas evidências externas. Das afirmações mais antigas acerca da autoria deste evangelho, as que sobreviveram foram, principalmente, as da segunda metade do século II d.C. O Prólogo anti-marcionita de Lucas (c.160-180) relata Lucas como o terceiro evangelista e acrescenta também que ele é o autor de Atos dos Apóstolos. O Fragmento Muratoriano (c. 170-200) também afirma ser Lucas o autor da obra Lucas-Atos. Irineu menciona explicitamente que Lucas é o autor do Evangelho e de Atos em Contra Heresias, iii. 1; 14 etc. Clemente faz o mesmo em Strommata v. 12 e Adumbr. in 1 Pet. Tertuliano (Contra Marcião iv. 2) e Orígenes também defendem a autoria de Lucas para o terceiro Evangelho. Como bem disse F. F. Bruce, “nós podemos continuar a acrescentar o testemunho de Eusébio e Jerônimo, mas é suficiente dizer que de c. 170 em diante a opinião consensual de todos que escreveram sobre o assunto é que o autor das obras ad Theophilum foi ‘Lucas, o médico amado’ de Co 4.14”. Pode-se ainda acrescentar o fato de que o mais antigo manuscrito de Lucas, conhecido como papiro Bodmer XIV ou Papiro 75, datado entre 175-225 d.C., atribui a autoria desse evangelho a Lucas.
Quanto às evidências internas, o terceiro evangelho não menciona o seu autor. Mas, como já foi dito acima, desde os tempos mais antigos Lucas foi reconhecido como tal. Não se sabe muito a respeito dele, a não ser em três referências das epístolas paulinas (Cl 4.14; Fm 24, 2 Tm 4.11). Destas três referências pode-se chegar a três conclusões acerca de sua pessoa. (1) Lucas era um médico; (2) foi um dos ajudadores mais valiosos de Paulo, pois esteve em sua companhia no seu último aprisionamento. (3) Deduz-se que Lucas era um gentio, pois “Colossenses 4.11 conclui uma lista de menções e saudações daqueles que são da circuncisão, isto é, dos judeus; o verso 12 começa uma nova lista e naturalmente concluímos que a nova lista são de gentios”.
Depois dessa breve descrição da pessoa de Lucas, vemos que no texto de Atos, a partir do cap. 16, aparecem passagens escritas na 1a pessoa do plural, “e a explicação mais plausível delas é que provêm da pena dalgum companheiro de Paulo, e que foram incorporadas em Atos sem mudança de estilo, porque o autor desta origem documentária foi o próprio autor do Livro”. Algumas outras pessoas foram companheiras de Paulo quando esteve na prisão, tais como Timóteo e Aristarco, mas Lucas sobressai como o nome mais óbvio. E sendo Lucas autor de Atos, logo o é também do Evangelho, o primeiro volume da obra.

DATA E LOCAL DE ORIGEM
A data mais provável para a escrita do evangelho de Lucas é por volta do ano 62 d.C. Algumas evidências nos levam a chegar a essa conclusão. Primeiro, o segundo volume de Lucas, o livro de Atos, não menciona nenhum evento posterior a 62 d.C. Por exemplo, não menciona a perseguição de Nero aos cristãos em Jerusalém, nem as mortes dos apóstolos Pedro e Paulo (c. 62 d.C.). Segundo, se Paulo tivesse sido solto ou executado, o livro de Atos provavelmente registraria. Terceiro, uma vez que Lucas registra o cumprimento da profecia de Ágabo (At 11.28), deveria de ter registrado a destruição de Jerusalém, se já houvesse acontecido. Em quarto lugar, nenhumas das importantes epístolas de Paulo é mencionada por Lucas em Atos. Logo, quanto mais avançada for a data do evangelho, mais difícil se torna explicar esse fato. Em último lugar, a obra Lucas-Atos descreve uma situação favorável aos cristãos em Roma, o que seria impossível num tempo posterior à perseguição de Nero. Desse modo, uma data provável para a escrita desse precioso evangelho é bem no início da década de 60 d.C.
Quanto ao local de escrita, poderia ter sido Roma, onde Lucas permaneceu em companhia de Paulo devido a seu aprisionamento. O código anti-marcionita diz que Lucas era natural de Antioquia e escreveu o evangelho “nas regiões da Acaia” , depois que ele foi solto da prisão (ou executado). Em suma, a própria tradição antiga está dividida entre Roma e Grécia, e é impossível chegar a uma conclusão definitiva.

DESTINATÁRIOS
A obra Lucas-Atos Lucas é endereçada a um certo Teófilo (Lc 1.3; At 1.1). Segundo Carson, Moo e Morris , provavelmente Teófilo foi um patrocinador de Lucas. Alguém que tinha recebido instrução cristã (Lc 1.4) e agora estava provendo sustento para pesquisa e escrita dos dois livros, do mesmo modo como outros historiadores tiveram patrocinadores. Por exemplo, Josefo foi patrocinado por Vespasiano e Tito, além de outros beneficiadores como Epafrodito .
Mas há outras suposições, uma vez que no texto bíblico não explicita quem é Teófilo. A primeira é que Teófilo não seria um nome real. Pois naqueles primeiros dias era perigoso ser cristão. O nome Teófilo provém de duas palavras gregas, Theos, que significa Deus, e philein, que significa amar. E é possível Lucas ter escrito o livro para ‘alguém que ama a Deus’ ou ‘amigo de Deus’, cujo nome verdadeiro não foi usado por causa do perigo que poderia advir.
Há também a suposição, mais convincente, que Teófilo era um importante oficial do governo romano. Chega-se a essa conclusão pelas palavras que Lucas usa em Lc 1.3, “excelentíssimo Teófilo”, que realmente significa “sua excelência”, e comparando com outros textos de Atos que foram usados para pessoas do alto escalão romano, como, por exemplo, “o excelentíssimo governador Félix” (23.26 e 24.3), o “excelentíssimo Festo” (26.25).
E mesmo que tenha sido dirigida a Teófilo, parece claro que Lucas desejaria que muitas outras pessoas o lessem ou o ouvissem, especialmente os gentílicos, pelos seguintes fatos: 1) Teófilo é um nome grego; 2) a importância que ele dá à salvação dos gentios, ou seja, aqueles que estão fora do povo de Israel; 3) o seu prefácio é redigido em estilo greco-romano. Lucas também evita, principalmente, palavras aramaicas, por exemplo, “Rabi” (Mc 9.5); “Aba” (Mc 14.36).

CARACTERÍSTICAS E TEMAS
É redundante falar que o tema característico do Evangelho seja as Boas Novas de salvação por meio de Jesus Cristo, ou seja, o evento encarnação-morte-ressurreição do Filho de Deus. Mas, dentro deste tema central, Jesus Cristo, existem algumas ênfases ou nuanças na composição de seu texto, pois sabemos que a inspiração do Espírito Santo não anulou a personalidade de Lucas, mas foi uma operação concursiva.
Já vimos que seu principal interesse ao escrever seu evangelho foi relatar a história da salvação, no entanto, há temas implícitos que sobressaem. O universalismo é o primeiro deles. Em Lucas a missão de Jesus se estende aos gentílicos. Vários episódios do ministério de Jesus são recheados com datas e eventos não judeus. Em Lc 2.32, Jesus é ä luz para revelação aos gentios”. Em 3.6 cita o texto de Isaías que diz que “toda a carne verá a salvação de Deus”. A genealogia do Senhor Jesus remonta até o pai de toda a humanidade, Adão. Ao contrário de Mateus que alcança até Abraão o pai na nação judaica. Podemos ver ainda os seguintes textos: Lc 4.25-27; 24.47.
Além do universalismo helenista, há o universalismo social e econômico. O Jesus descrito por Lucas tinha igual interesse pelos parias da sociedade, por exemplo, a mulher de vida imoral que veio ungir os pés de Jesus (7.36-50) e atitude amorosa e graciosa com Zaqueu, cobrador de impostos para os romanos, considerado traidor pelos patrícios (19.1-10), entre outros (ver 9.51-56; 17,11-19; 1.52b-53). Desse modo, deve ser destacada a especial solicitude de Jesus para com as mulheres, crianças e pobres.
A descrição da jornada de Jesus a Jerusalém e à cruz é digna observação (9.51-19.44). “A soberania de Deus no ministério e na morte de Jesus é enfatizada na medida em que Jesus dirige-se à cidade onde deve morrer pelos pecadores (9.22; 17.25; 18.31-33; cf. At 4.28)”.
A vida de oração do Mestre é mais enfatizada em Lucas do que em qualquer outro evangelho. Jesus orou no seu batismo (3.21); depois de ministrar às multidões (5.16); para escolher os Doze (6.12); antes de perguntar aos discípulos o que diziam as multidões acerca de quem Ele era (9.18), por ocasião de sua transfiguração (9.28-29) e em várias outras situações (e.g., 10.21; 11.1; 22.39-46; 23.34, 46). Somente Lucas registra duas parábolas sobre oração em 11.5-17 e 18.1-8, sem paralelo nos sinóticos.
Alegria ou expressões de júbilo são freqüentes quando do anúncio das boas novas do Messias. Novamente, só Lucas insere em seu evangelho as magnânimas canções de júbilo pelo fato do nascimento do Messias (1.46-55, 68-79; 2.14, 29-32).
Há um processo interesse em Lucas pela obra do Espírito Santo. Em todos os fatos mais importantes da vida de Cristo, Lucas fez questão de ressaltar a ação do Deus Espírito Santo. A começar pelo enchimento do Espírito de João Batista, passando pelo nascimento e tentação, quando estava cheio do Espírito, até à ordem da grande comissão, quando o Senhor diz: “permanecei pois na cidade até que do alto sejais revestidos de poder” (24.49). Sabe-se que o tema Espírito Santo é melhor desenvolvido em Atos, mas no evangelho a Sua pessoa e obra são bem ressaltadas. Lucas faz mais referência ao Espírito do Mateus e Marcos juntos.

5. ANÁLISE LITERÁRIA

GÊNERO LITERÁRIO
A perícope do nosso texto compreende o evento pós-ressurreição, bem como da ascensão de Cristo (Lc 24). E aqui se encontra o texto de nosso estudo (vv. 44-49). No texto grego adotado para esta exegese, a 4a edição da UBS, compreende um parágrafo. Normalmente, algumas versões em português, como a ARC, remonta ao verso 36, como se o texto de Lc 24.44-49 fosse uma narrativa da aparição de Cristo aos discípulos no mesmo domingo de Páscoa. Na verdade, os eventos deste capítulo parecem acontecer todos no mesmo dia. Tanto a ressurreição, como a aparição no caminho de Emaús, a aparição aos discípulos e sua ascensão, tudo no domingo. Mas é óbvio que não foi assim, pois o próprio Lucas, no livro de Atos, diz que Jesus depois de ressurreto “apareceu-lhes durante quarenta dias” (At 1.3).
Os Evangelhos têm a forma literária de narrativa. No entanto, não é uma narrativa comum. “As narrativas bíblicas são seletivas e ilustrativas. […] os autores selecionavam cuidadosamente o material que incluíam (é claro que sob a inspiração do Espírito Santo) visando a propósitos determinados”. O evangelho de Lucas, bem como os outros três, é uma narrativa que tem seu foco principal e essencial na pessoa e obra de Jesus. Não por isso o evangelho de Lucas se encaixa numa simples biografia como temos hodiernamente. Os evangelhos não se enquadram numa biografia histórica, pois excluem muitos aspectos da vida de Cristo. Por exemplo, Marcos e João não registram nada sobre o nascimento de Jesus; os Evangelhos também omitem Sua adolescência e juventude até quando começa seu ministério, aos trinta anos. Desse modo, os Evangelhos não são uma simples narrativa biográfica, como diz Zuck: “são doutrina e narrativa”. E de acordo com Ryken, “os evangelhos são um conjunto de histórias com uma carga de ação bem maior do que seria normal encontrar numa narrativa. O grande objetivo das histórias dos evangelhos é explicar e louvar a Pessoa e obra de Jesus […] mediante seus atos, suas palavras e reações dos outros para com ele”. Os evangelhos compreendem um gênero literário tão ímpar quanto a Pessoa de Jesus, que os deu origem.

CONTEXTO HISTÓRICO ESPECÍFICO
O contexto histórico específico de Lc 24.44-49 é o da pós-ressurreição. Jesus ressuscita no terceiro dia do lugar chamado calvário, palavra de origem latina que quer dizer “caveira”, “crânio”. Mateus traduz como “lugar da caveira” (Mt 27.33) e certamente tinha esse nome sinistro por causa da forma da colina onde ocorriam as execuções. Jesus foi posto num túmulo feito na rocha de um homem chamado José de Arimatéa. Foi desse túmulo que Jesus ressuscitou no domingo de Páscoa. Neste mesmo dia encontra com alguns discípulos que estavam voltando de Jerusalém para Emaús. Enquanto se hospedara na casa desses discípulos, dá-se a conhecer e desaparece. Então eles voltam a Jerusalém para contar aos onze e aos outros. Enquanto contavam o fato da ressurreição, Jesus lhes aparece. A seqüência imediata é a do texto de Lc 24.44-49. Este parágrafo começa com a conjunção coordenativa de., que comumente denota continuação e desenvolvimento de um pensamento mais distante, e toma sentido específico no contexto. Pode ser traduzida por e, mas e então. Em português só a ARA, traduz por “a seguir”, ao passo que a ARC, NVI e a KJV simplesmente traduzem por “e”, como se fosse um ato contínuo. Por que estou falando disso agora? Porque creio que o texto desta exegese não ocorre num momento imediato ao verso 43. Comparando com o texto de João 20.26-29, parece que Jesus parte novamente e depois de uma semana, de novo num domingo, aparece aos discípulos, quando Tomé estava presente. O contexto de Lucas não explicita, mas tudo leva a crer que os discípulos estavam no mesmo lugar em Jerusalém. Mateus relata que os onze foram para Galiléia onde encontraram com Jesus num monte. Mas quando da sua ascensão Jesus estava próximo a Jerusalém, em Betânia (Lc 24.50-53).

SITZ IM LEBEN
A situação existencial do texto é bem distinta. O Messias, o Mestre, o Salvador dos judeus, havia morrido. Apesar do Senhor Jesus já ter prevenido seus discípulos que Ele havia de padecer e sofrer, e que no terceiro dia ressuscitaria, seus corações ficaram abatidos e temerosos. Por exemplo, em Lc 9.22, Jesus já havia advertido seus seguidores o que aconteceria com Ele num futuro próximo. Mas eles não entenderam. O que aconteceu após sua crucificação foi uma desesperança total. A confiança e esperança estavam postos num Messias que iria resgatar a Israel e livrá-lo do poder romano, no entanto ele morre. Essa foi a carga emocional dos discípulos no caminho de Emaús: “nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo, é já o terceiro dia desde que tais coisas sucederam” (24.21). Além da desesperança, o medo dos judeus também assolava seus corações, por isso estavam trancados dentro de uma casa (vide João 20.19). A desolação era total.
A situação existencial de Jesus pós-ressurreição pode-se dizer que foi de indignação: “ó néscios e tardos de coração para crer tudo os profetas disseram!” (24.25). Para alguns, o testemunho dos amigos não lhes convenceram. O próprio Jesus teve de aparecer-lhes e lhes mostrar os cravos e comer com eles, como que lhe dando um “atestado de vida”. A falta de entendimento dos discípulos foi tal que depois de quarenta dias lhes expondo as coisas do reino, eles ainda perguntam: “será este o tempo em que restaures o reino a Israel?” (At 1.6). Apesar dos discípulos serem alentados pelo fato da ressurreição e presença de Cristo entre eles, uma compreensão maior da messianidade de Jesus só se dá depois do Pentecostes. Por isso, penso que essa incredulidade e falta de discernimento dos discípulos deva ter entristecido ao Senhor. Mas louvado seja Deus porque ele sabia que depois do batismo com o Espírito Santo (At 2.1-4), eles viriam a entender mais estreitamente a vida e obra do Senhor Jesus Cristo, e as conseqüências da fé nele.

SINOPSE
Lucas 24.44-49 Mateus 28.18-20 Marcos 16.15-18
44 Ei=pen de. pro.j auvtou,j( Ou-toi oi` lo,goi mou ou]j evla,lhsa pro.j u`ma/j e;ti w’n su.n u`mi/n( o[ti dei/ plhrwqh/nai pa,nta ta. gegramme,na evn tw/| no,mw| Mwu?se,wj kai. toi/j profh,taij kai. yalmoi/j peri. evmou/Å 45 to,te dih,noixen auvtw/n to.n nou/n tou/ sunie,nai ta.j grafa,j 46 kai. ei=pen auvtoi/j o[ti Ou[twj ge,graptai paqei/n to.n Cristo.n kai. avnasth/nai evk nekrw/n th/| tri,th| h`me,ra|( 47 kai. khrucqh/nai evpi. tw/| ovno,mati auvtou/ meta,noian eivj a;fesin a`martiw/n eivj pa,nta ta. e;qnhÅ avrxa,menoi avpo. VIerousalh.m 48 u`mei/j ma,rturej tou,twnÅ 49 kai. Îivdou.Ð evgw. avposte,llw th.n evpaggeli,an tou/ patro,j mou evfV u`ma/j u`mei/j de. kaqi,sate evn th/| po,lei e[wj ou- evndu,shsqe evx u[youj du,naminÅ 18 kai. proselqw.n o` VIhsou/j evla,lhsen auvtoi/j le,gwn( VEdo,qh moi pa/sa evxousi,a evn ouvranw/| kai. evpi. Îth/jÐ gh/jÅ 19 poreuqe,ntej ou=n maqhteu,sate pa,nta ta. e;qnh( bapti,zontej auvtou.j eivj to. o;noma tou/ patro.j kai. tou/ ui`ou/ kai. tou/ a`gi,ou pneu,matoj( 20 dida,skontej auvtou.j threi/n pa,nta o[sa evneteila,mhn u`mi/n kai. ivdou. evgw. meqV u`mw/n eivmi pa,saj ta.j h`me,raj e[wj th/j suntelei,aj tou/ aivw/nojÅ
15 kai. ei=pen auvtoi/j( Poreuqe,ntej eivj to.n ko,smon a[panta khru,xate to. euvagge,lion pa,sh| th/| kti,seiÅ
16 o` pisteu,saj kai. baptisqei.j swqh,setai( o` de. avpisth,saj katakriqh,setaiÅ 17 shmei/a de. toi/j pisteu,sasin tau/ta parakolouqh,sei evn tw/| ovno,mati, mou daimo,nia evkbalou/sin( glw,ssaij lalh,sousin kainai/j( 18 Îkai. evn tai/j cersi.nÐ o;feij avrou/sin ka’n qana,simo,n ti pi,wsin ouv mh. auvtou.j bla,yh|( evpi. avrrw,stouj cei/raj evpiqh,sousin kai. kalw/j e[xousinÅ

Observação:
Não podemos dizer que estes textos sejam propriamente ditos como uma sinopse, mas fazem parte do mesmo contexto da Grande Comissão. Desse modo, podemos afirmar que são textos paralelos, mais do que semelhantes gramaticalmente entre si. O aspecto maior similitude é o da ordem da proclamação, o kerygma. Em Lucas, khrucqh/nai- “se pregasse”. Em Mateus, maqhteu,sate – “fazei discípulos”. E em Marcos, khru,xate – “pregai”. Também é comum a amplitude dessa pregação: “a todas as nações”, “todas as nações”, “por todo mundo”. Isso em Lucas, Mateus e Marcos, respectivamente. Vejamos esse paralelo na tabela seguinte:
Lucas 24.47 Mateus 28.19 Marcos 16.15
e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura.

Essas são as últimas palavras do Senhor ressurreto, e constitui a verdadeira essência da Igreja: sua natureza missionária.

6. ARGUMENTAÇÃO TEOLÓGICA

A CENTRALIDADE DA OBRA DE CRISTO NA PROCLAMAÇÃO DO EVANGELHO

Boa parte do que o Senhor Jesus ensinou aos seus discípulos não foram absorvidos de uma forma plena. Algumas parábolas que Jesus ensinava às multidões careciam de uma explicação à parte para os seus discípulos mais chegados. Uma das questões essenciais e menos entendida por eles era com relação ao Messias e seu sofrimento. Já falamos da situação desesperadora dos discípulos no caminho de Emaús. Os quais esperavam um Messias que redimisse a Israel do poder romano (Lc 24.21). Essa era uma expectativa que reinava no coração do povo: um Messias libertador. O próprio Lucas relata que mesmo em face de lhes falar as coisas referentes ao Reino de Deus, nos quarenta dias de Jesus ressurreto, eles ainda, assim, não entenderam que o seu reinado não era desse mundo (Jo 18.36) e questionaram: “será esse o tempo em que restaures o reino a Israel” (At 1.6).
O texto de Lucas 24.44-49 é uma das narrativas de Jesus pós-ressurreição. Nessa revelação do Senhor Jesus Cristo é demonstrada a centralidade da obra redentora do Messias para a proclamação das Boas Novas da salvação. O primeiro passo dado pelo Senhor foi lhes abrir o entendimento para que compreendessem de forma plena aquilo que eles deveriam pregar posteriormente. Pois apesar de eles não estarem em trevas, como eles eram por natureza, ainda assim em muitas coisas eles estavam no escuro.

1. A Cumprimento das Escrituras e a Abertura do Entendimento (vv. 44-46)
Na análise textual, quando falamos sobre a delimitação da passagem, afirmamos que o texto de Lc 24.44-49 constitui um parágrafo. Na versão Almeida Revista e Atualizada (ARA), o texto começa com um “a seguir” como tradução de conjunção de.. Essa tradução leva à conclusão de que o texto é uma seqüência imediata de Lc 24.36-43, o que parece não ser assim. Primeiro, porque a tradução melhor para essa conjunção seria simplesmente “e”, pois normalmente ela denota continuação e desenvolvimento de um pensamento mais distante, tomando seu significado de acordo com o contexto. Podendo ser traduzida por “e”, expressar contraste “mas” ou transição “então”, “ora” (com nenhum sentido de tempo). A versão Almeida Revista e Corrigida (ARC) traduz somente por “e”. Em alguns casos pode ficar sem tradução (e.g. Lc 4.1). Segundo, esse parágrafo parece ser paralelo a João 20.26-29, ocorrido uma semana depois da ressurreição e contava com a presença de Tomé. Na realidade, todos os eventos pós-ressurreição e ascensão de Cristo, no terceiro evangelho, dão a entender que aconteceram todos no mesmo domingo de Páscoa. No entanto, no livro de Atos, Lucas deixa claro que Jesus passou quarenta dias ensinando as coisas do Reino aos discípulos depois de ressurreto (At 1.3).
A seguir, Jesus diz algumas coisas essenciais a respeito do cumprimento da Escrituras com relação a Ele, o Messias. Jesus já havia falado aos discípulos algumas vezes o assunto. Eles as tinham ouvido. Mas parece que suas mentes estavam embotadas. Eles não compreendiam plenamente. O que Jesus quer dizer nesse verso 44 é que era necessário acontecer tudo o que aconteceu. Primeiro, porque as Escrituras já havia predito. Segundo, porque Ele mesmo tinha lhes falado pessoalmente, enquanto estava com eles, antes de sua morte. Nesse verso, dentre outros, ele assume plenamente a sua messianidade: “importava que se cumprisse tudo o que de mim está escrito”. E se estava escrito, não poderia acontecer de outra forma. O restante do verso diz que estava escrito “na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”. Essa era a divisão da Bíblia Hebraica, ou seja, o nosso Antigo Testamento. A Lei de Moisés compreende os cinco primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Os Profetas era a segunda e maior parte da Bíblia dos judeus. Divididos em “profetas anteriores” e “profetas posteriores”. A primeira divisão compreende os seguintes livros: Josué, Juízes, 1o e 2o Samuel, 1o e 2o Reis. A segunda, os livros de Isaías, Jeremias, Ezequiel e os doze livros menores que vai de Oséias a Malaquias. Quanto aos Salmos, provavelmente esse título englobava os “Hagiógrafos”, ou seja, os Escritos Santos, compreendia os livros de Salmos, Provérbios, Jó, Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclasiástes, Daniel, Ester, Esdras, Neemias e os dois livros de Crônicas. Esta divisão do Antigo Testamento era usada de longa data antes de Cristo. O que Jesus diz com isso é que em “cada uma” dessas divisões, havia predições a respeito Dele. O objeto ‘particular’ das predições a que Jesus ser refere era sua morte e ressurreição dentre os mortos. Uma das predições mais explícitas é o Salmo 16.9-11 (cp. At 2:24-32; 13:35).
Dito essas coisas concernentes ao cumprimento das Escrituras em sua vida, Jesus age de forma totalmente soberana dando entendimento aos discípulos. “Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras” (v. 45). O verbo “abriu” (dih,noixen) tem como sujeito o Senhor Jesus e está no indicativo aoristo ativo, isto é, foi uma obra imediata de Jesus em suas mentes. Há pelo menos dois aspectos dessa ação do Senhor ressurreto que precisam ser explicados. Por um lado, expressa o acesso imediato de Cristo ao espírito humano e o absoluto poder sobre ele, ao ajustar sua visão e retificar permanentemente pelo discernimento espiritual. Por outro lado, faz certo o modo de interpretar o Antigo Testamento que os apóstolos empregariam depois (veja Atos e as Epístolas), tendo a direta sanção do próprio Cristo.
Após essa iluminação de mente, Jesus lhes mostra mais explicitamente o que as Escrituras falaram acerca Dele, especialmente sobre Sua morte e ressurreição. Mais uma vez Ele corrobora: “assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia” (v. 46). Aqui se manifesta a centralidade da obra de Cristo: cruz-ressurreição. Mesmo depois de lhes abrir o entendimento, Ele insiste naquilo que o Messias deveria passar. Em muitos momentos do ministério de Jesus, Ele já havia predito isso, e. g., Lc 9.22, 44; 18.31-33; 24.7.
Essa grande verdade do evangelho referente à morte e ressurreição de Jesus Cristo deveria ser pregada à humanidade (v. 46). Esse “está escrito” refere-se ao livro selado nos conselhos eternos de Deus, “no volume daquele livro da aliança da redenção; e assim estava escrito no livro aberto do Antigo Testamento, entre as coisas reveladas; e então assim importava que Cristo sofresse, pois as deliberações divinas deveriam ser executadas, e cuidado tomando de que nenhuma palavra de Deus caísse por terra”. Vejamos alguns textos do AT cumpridos, Gn 3.15, Sl 22 e Is 53.
Os discípulos foram testemunhas dessas coisas (v.48). E sobre essas coisas eles deveriam pregar. Jesus os envia ao mundo, primeiro, para dizer o Cristo sofreria, como estava escrito. Vá e pregue o Cristo crucificado. Não era para que eles ficassem envergonhados de sua cruz, nem envergonhados de seus sofrimentos. Pois era preciso pregar que Cristo sofreu e, o mais importante, por que sofreu; e assim as Escrituras do AT se cumpriram em seus sofrimentos. Importava que ele sofresse, pois era necessário para que os pecados do mundo fossem tirados e o gênero humano fosse libertado da morte e da ruína eterna. Segundo Hebreus 2.10, Deus aperfeiçoou o Autor da salvação, “por meio de sofrimentos”. Era necessário que o Salvador fosse Deus para satisfazer a justiça Divina, e fosse homem para identificar-se com ele e poder levar a sua culpa (2 Co 5.21). Em segundo lugar, os discípulos deveriam pregar que Ele ressuscitou dentre os mortos no terceiro dia, não somente para que toda ofensa fosse lançada fora, mas também para que Ele fosse declarado Filho de Deus com poder, e nisso as Escrituras foram cumpridas (veja 1 Coríntios 15.3, 4). Nesse cumprimento do envio do Senhor Jesus era necessário que eles dissessem que freqüentemente O viram ressurreto (cp. At 1.21-22).
Nessa parte de Seu discurso, Jesus coloca em ordem sua morte e ressurreição, e depois, os frutos que é produzido de ambos, ou seja, o arrependimento e a remissão de pecados. Isso acontece porque nosso velho homem é crucificado com Cristo (Rm 6.6) e pela sua graça nós podemos ressuscitar em novidade de vida. E purificados pela expiação de seu sangue, podemos obter a justiça através de sua ressurreição. “Ele ensina, então, que nessa morte e ressurreição nós devemos procurar a causa e o fundamento de nossa salvação; porque daí em diante acontece a reconciliação com Deus e a regeneração para uma vida nova e espiritual”. Desse modo, Jesus Cristo afirma categoricamente que nenhum perdão de pecado, nem arrependimento podem ser pregados senão em seu nome. Pois, por um lado, não temos o direito de esperar a imputação de justiça. E, por outro lado, não obtemos autonegação e novidade de vida, se ele não se fizer justiça e santificação por nós.

2. O Caráter da Pregação do Evangelho (vv. 47-49)
Fizemos essa divisão apenas para efeito didático. Pois esse discurso missiológico de Cristo, registrado por Lucas, nos dá conta que o cumprimento das Escrituras não se refere somente à morte e ressurreição de Jesus, mas também à obra missionária da Igreja. É preciso que se cumpra também o mandato missionário universal de Cristo. Como diz Donald Senior e Carroll Stuhlmueller, “todos os elementos dos vv. 46-48 estão compreendidos no conjuro da direção, ´assim está escrito´: a morte e a ressurreição de Jesus, a proclamação mundial de conversão e de perdão, o dom do Espírito à comunidade que dá testemunho”. Desse modo, a vontade de Deus revelada nas Escrituras não será cumprida até que toda a carne tenha visto a salvação de Deus (Lc 3.6).
Uma vez feita essas considerações, os versos de 47-49 descrevem o estilo e o conteúdo da missão dos apóstolos e de toda a Igreja. Eles deixam claro os seguintes aspectos da pregação do evangelho: a) a chamada ao arrependimento e a remissão de pecados; b) o alcance da pregação; c) o testemunho apostólico e d) a fonte capacitadora e direcionadora da missão.
Como disse, a pregação também é cumprimento das Escrituras: “está escrito… que em seu nome se pregasse” (vv. 46-47). O verbo é khru,ssw e está no infinitivo aoristo passivo, e tem o sentido de proclamar ou pregar uma mensagem sagrada. Antes de adentramos no conteúdo dessa pregação, é preciso ressaltar em nome de quem ela é feita. A pregação em feita em nome de Cristo. Como diz Larkin Jr., “a legitimização imediata e dinâmica da mensagem vem da autoridade de Jesus”. O nome envolve a pessoa, por isso o nome Jesus pode ser substituído simplesmente por “o nome”. Isso fica claro em At 4.12, quando Pedro disse que em nenhum outro nome importa que sejamos salvos. Quando os apóstolos foram presos e açoitados pelos do Sinédrio, ao serem soltos ficaram alegres por serem “considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome” (At 5.41). Desse modo, deve-se pregar não só o nome, mas também em nome de Jesus. Jesus é tanto o objeto como o sujeito do kerygma da salvação. De acordo com Cl 3.17, toda a vida do crente é dominada pelo nome de Jesus, e sua glorificação é o objetivo da fé (2 Ts 1.12).

a) A chamada ao arrependimento e a remissão de pecados
O arrependimento (metanoia) é a tristeza pelo pecado e o desejo ardente por abandoná-lo. Por isso era apropriado que a “necessidade” do arrependimento fosse pregada entre todas as nações, a todos os pecadores de todos os lugares, e.g., Atos 17.30. O arrependimento é um característico básico da proclamação das Boas Novas de Deus. O homem precisa se arrepender da sua transgressão voluntária à Lei de Deus. Não tem como se obter a salvação sem uma devida contrição pelo pecado cometido contra o Deus santo, e não somente pelos pecados de comissão ou omissão, mais também pelo fato de ter uma natureza pecaminosa que leva a cabo sua rebelião. Deve também levar o pecador a ter repugnância e aversão pelo pecado. John L. Dagg diz que “esse senso de pecado conduz a alma aos pés de Cristo para distinguir a genuína religião cristã das simulações de que este mundo está cheio”. Tanto o precursor de Jesus (João, o batizador), quanto o próprio Jesus e os seus discípulos tiveram a incumbência de chamar os pecadores ao arrependimento (Lc 3.3; 5.32; 11.3; At 2.38; 3.19; 5.31). “Se, porém, não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis” (Lc 11.3).
A conseqüência ou propósito desse arrependimento era o perdão ou remissão dos pecados. Apesar de defender o Textus Receptus, base para a tradução João Ferreira de Almeida, e que tem a conjunção kai, isso não altera em nada a sua conclusão. Uma vez que a remissão de pecados (a;fesin a`martiw/n) também faz parte do cumprimento das Escrituras e não é algo paralelo ao arrependimento, mas é o resultado do arrependimento, como pode ser visto nos texto lucanos supra citados. A pregação apostólica estava consciente de que somente o arrependimento por parte do pecador, ocasionado pela regeneração do Espírito, pode levar os homens a se reconciliar com Deus. A primeira pregação depois do revestimento e capacitação do Espírito Santo, leva Pedro a responder aos judeus o que eles podiam fazer diante da obra de Cristo: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2.38). Essa remissão (a;fesin), na nova aliança, não envolve um ato de passar dos pecados, como na antiga aliança (Rm 3.25), mas a sua remoção da mente de Deus, um tirar (Hb 10.18, cf. 10.3). A mensagem da salvação é uma obra graciosa de Deus, mas exige do pecador se arrependa, para que os seus pecados sejam anulados ou esquecidos por Deus. “Bem aventurado o homem a quem o SENHOR não atribui iniqüidade” (Sl 32.2).

b) O alcance da pregação
Depois de vermos que não há outro caminho para a salvação, a não ser crer na obra expiatória de Cristo e se arrepender de seus pecados, o Senhor Jesus nos revela que o alcance da sua obra redentora não se restringe somente a Israel. A obra messiânica não se resumiria aos israelitas. Mas, a todas as nações. A todas as etnias (ta. e;qnh). Num sermão, Charles H. Spurgeon diz que “o texto [v.47] não são especulações ou sonhos entusiásticos; ele é a substância da ordem divina. Diz que o arrependimento e a remissão de pecados deveriam ser pregados em seu nome entre todas as nações. Neste ponto, então, nós temos a autorização divina para as missões”. Cristo agora revela claramente aquilo que tinha anteriormente ocultado: que a graça da salvação trazida por eles se estendia igualmente a todas as nações. Ainda Spurgeon: “nós existimos para pregar o evangelho por toda parte: missões existem para ser universal. Todas as nações precisam da pregação da palavra. O evangelho é o remédio para cada homem enfermo dentre todas as raças sobre a face da terra”.
Mesmo que os profetas tenham pregado um chamamento para com os gentios, ainda não tinha sido revelado de tal modo que os judeus pudessem de bom grado admitir os gentios compartilhar com eles da esperança da salvação. Até Sua ressurreição, Cristo ainda não havia se dado a conhecer senão como o redentor do povo escolhido de Israel. É na sua comissão para com os seus discípulos que, pela primeira vez, Jesus diz que o muro da separação posto entre judeus e gentios havia sido derrubado (Ef 2.14), que aqueles que eram estrangeiros (Ef 2.19) e que antes estavam separados, agora podiam ser reunidos no aprisco do Senhor. Mesmo assim, entretanto, a aliança de Deus não poderia ser desfeita. Por isso, os judeus ainda tinham a primazia. E foi imposto aos apóstolos que eles deviam começar por Jerusalém (vide At 1.8), assim estava escrito (e.g., Is 2.3; Jl 2.32; 3.16).

c) O testemunho apostólico
“Vos sois testemunhas dessas coisas” (v.48). O testemunho está intrinsecamente ligado à proclamação do Arauto do evangelho. Jesus está dizendo para eles: “vocês são testemunhas da minha vida, de meus sofrimentos, da minha morte e da minha ressurreição”. Esse foi um solene ofício para eles: testemunhar aquelas coisas ao mundo. E mesmo em face dos obstáculos, dos sofrimentos e mesmo da morte, eles deviam ir e pregá-las a todas as nações. Pode-se aplicar esse verso a nós hoje, pois de semelhante modo, todos os cristãos são testemunhas de Cristo. Nós mesmos somos as “evidências” de sua misericórdia e de seu amor e assim deveríamos viver para que outros possam ser levados a ver e a amar ao Senhor Jesus, nosso salvador.

d) A fonte capacitadora e direcionadora da missão
Tudo o que foi dito até agora acerca da obra redentora de Cristo e da conseqüente pregação dessa Boa Nova não teria resultado assegurado, se não fosse a obra do Espírito Santo na vida do emissor (pregador) e do receptor dessas Boas Novas da Salvação. Por isso, é preciso dizer que a salvação é do Senhor (Jn 2.9). Sem a direção e a ação do Espírito nessa missão, nenhum pecador seria salvo. É por isso que toda a missão é missão de Deus (missio Dei), e a igreja é privilegiada em participar de Sua missão. Com isso, não queremos isentar o homem de sua responsabilidade. Pois apesar de ele responder a uma ação soberana do Espírito, é ele quem se arrepende.
Novamente, nesse verso 49, o derramamento do Espírito Santo, fazia parte do cumprimento das Escrituras (Jl 2.28-32, cp. At 2.16-21). Era preciso que eles fossem revestidos com o Espírito para desempenho de sua tarefa. Conforme At 1.8, somente depois do recebimento do poder do Espírito, era que eles poderiam ser testemunhas de Cristo. Isso aconteceu no dia de Pentecostes, pouco tempo depois da ascensão de Cristo (At 2.1-4).

Conclusão

O texto que ora analisamos, faz-nos chegar a conclusão da incumbência que Cristo nos outorgou. Nele encontramos uma resumida Teologia Missão. Não por isso simples. Em primeiro lugar, tomamos ciência do fundamento da pregação do evangelho: a vida e obra do senhor Jesus Cristo. É especialmente a sua morte e ressurreição. Isto posto, é necessário para que a Igreja cumpra cabalmente o seu ministério como despenseira da multiforme graça de Deus por meio de Cristo Jesus.
Nessa Teologia missionária embrionária, destaca-se o caráter da proclamação do Evangelho. Em primeiro lugar, vimos que o conteúdo dessa pregação envolve convocar o pecador ao arrependimento para que obtenha o perdão de Deus, pois sem arrependimento, a condenação é certa. Em segundo lugar, Jesus nos revela o escopo dessa missão: a todas as nações. Israel deixa de ser o centro exclusivo, mas passa a ser o centro inclusivista, ou seja, o centro irradiador, pois Deus ainda tem um plano para Israel, a despeito de sua rejeição primeva. O Evangelho do Senhor Jesus Cristo é universal, bem como a instituição divino-humana criada a partir dele, a Igreja. Em terceiro lugar, o testemunho apostólico é o fundamento da fé cristã. Como o próprio Lucas escreve em Atos, era necessário que o apóstolo fosse testemunha ocular da vida e obra de Cristo para que fosse testemunha da Sua ressurreição. A Igreja repousa sobre o fundamento dos apóstolos, que receberam revelação direta do Senhor e Salvador da Igreja. Por fim, Jesus nos revela que essa tarefa desafiadora e grande não pode ser realizada na força do próprio homem. É preciso o poder capacitador e orientador do Espírito Santo, que haveria de estar com os seus servos até a consumação dos séculos. Não existiria Igreja sem a obra regeneradora e santificadora do Espírito. Não há sabedoria ou oratória humanas que possam gerar um convertido. Só a ação poderosa e soberana do Espírito na vida do pecador, confirmando a palavra de salvação.

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ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 1994

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