Vocação

Autor: Leandro F. Marques

Vocação é um chamado. Ou melhor, dois. Um que vem de dentro, que habita a nossa alma, e um outro que vem de fora e pertence ao domínio do mundo. Aquele primeiro é um chamado de amor, este último, de responsabilidade. Aquele, um chamado para ser. Este, para servir. Ambos nascem em Deus, mas concretizam-se no tempo e na História.

O simples recurso à etimologia da palavra já nos diz tudo: voc-ação. Do latim “voc-” (variação de “vox”, de onde vem “voz”) e “ação” (ato ou efeito de agir, movimento, atitude). Vocação, portanto, quer dizer: voz que chama, que interpela, que convida à ação. Daí que vocação seja sempre um “chamado a ser-para”, isto é, uma voz que articula em nível profundo identidade e missão, ser e realizar. Dois exemplos: o primeiro, em nível pessoal-profissional e o segundo, em nível eclesial-comunitário. Pois é certo que o conceito se aplica em ambos os domínios.

Pensemos então na figura de um jovem que sonha tornar-se um Advogado. Ele é alguém em cujo coração arde a chama da justiça. Sua bandeira é da vida e da retidão. De Deus, recebeu o dom do discernimento. É alguém capaz de expressar-se com clareza, de argumentar e persuadir. Cursou até uma faculdade de Direito. Todo esse potencial, no entanto, não é suficiente para fazer dele um Advogado (procurador da causa do outro). Pois para vir a sê-lo, o jovem precisará dar um passo para fora de si e colocar todo o seu potencial a serviço do semelhante no interesse da justiça. E assim, quanto mais ele for capaz de sair si em direção àqueles que necessitam ser defendidos, tanto mais Advogado ele será.

Em nível eclesial, devemos considerar que nossa vocação é ser Igreja de Jesus Cristo para o mundo de hoje. Isso significa que os dons e talentos, a paz e alegria, a força e a unção que do Santo Espírito recebemos são necessariamente para serem usados no mundo e a serviço do mundo, hoje, para a glória de Deus. Pois assim como para ser Advogado não basta possuir um diploma ou ter as habilidades que a função requer, para ser Igreja de Jesus Cristo, não basta possuir dons espirituais ou estar organizado em torno de uma fé comum. Para além disso (mas não sem isso), ser Igreja exige também contato com o mundo, conhecimento de seus suspiros e necessidades e, afinal, o estender voluntário de nossas mãos como serviço e culto ao próprio Cristo (Mt 25,31-46). E assim, quanto mais a igreja sair de si e se abrir ao mundo com suas doenças e enfermidades, tanto mais Igreja de Jesus Cristo ela será.

Ora, o que acima foi dito pode ser colocado num simples esquema: potencialidade + necessidade = vocação. Quer dizer: do encontro do chamado ao ser que vem de dentro – nossos dons e talentos inatos – com o chamado ao serviço que vem de fora – os desafios e urgências do contexto em que estamos inseridos – é que emerge a nossa vocação (quer como indivíduo, quer como igreja). Tal encontro, porém, ocorre na medida em que nos abrimos à ação do Espírito Santo em nossas vidas. Ele, com efeito, é quem nos ensina a ouvir e a unir poderosamente essas duas vozes. Aqui parece oportuno lembrar a intuição do grande teólogo Karl Barth, a saber, que o mesmo Espírito que fala conosco por meio da leitura das Escrituras, fala conosco também por meio da leitura dos jornais.

À guisa de conclusão, importa assinalar que mais fundamental do que possuir uma vocação é deixar-se possuir por ela. Pois por aí passa o caminho de nossa felicidade e realização como Igreja de Jesus Cristo e como ser humano no mundo, alegria e glória de Deus.

 

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