Verdade, razão e fé: do extremismo moderno à integralidade do evangelho

Autor: Jonathan Menezes

“Que é a verdade?” Esta foi a pergunta que Pôncio Pilatos fez a Jesus Cristo em seu julgamento, quando este afirmava a finalidade com que veio ao mundo: “testemunhar da verdade” (João 18: 33-40). Em sua proposição clássica, o termo “verdade” significa realidade, exatidão, conhecimento verdadeiro ou representação fiel de alguma coisa existente na natureza.
Na perspectiva científica, podemos encontrar algumas dificuldades no plano teórico ao tratar do conceito de “verdade”, a começar pela dificuldade de se explicar ou definir o que é a “realidade”, ou em que consiste o (ser) “real”. Assim, procura-se, não raras vezes, definir a realidade em termos que não comprometem, termos universais e mais fáceis de se perceber, como, por exemplo, os de utilidade prática ou, conforme coloca o historiador Francisco Falcon, de “economia do pensamento”, isto é, que estão em consonância com este ou aquele critério pré-estabelecido.
Porém, tratar da verdade é um pouco mais complicado do que parece, principalmente quando temos em mente a noção de crise da modernidade. Inesgotáveis concepções aparecem quando o objetivo é falar desta “crise” que se instaura no campo das relações humanas. Meu intuito não é o de extrapolar mais esta inesgotabilidade, mas sim ressaltar a plausibilidade da questão. A noção de crise da modernidade não é nem um pouco nova – à medida que existe uma gama de especulações no que concerne à sua natureza – e consiste basicamente no aparente abandono ou destronamento da razão, tal como foi concebida pelo pensamento iluminista, como um dos ídolos da modernidade, que norteou a certeza, quase indestrutível, de que a sociedade moderna caminharia rumo ao progresso, com a evolução das técnicas científicas: expressões supremas (divinas) da preeminente razão iluminista. Esta seria uma noção comum dos estudiosos que analisam esta crise.
Daí, o ceticismo, o pessimismo, o niilismo e outros “ismos”, ao lado de algumas expressões irracionalizantes, caracterizam os chamados, homem e mulher, pós-modernos, oriundos da suposta falência dos “tempos modernos”. Portanto este é um tempo que, segundo o filósofo e teólogo Francis Schaeffer, está para pensar de si como “pós-tudo”: “pós-moderno”, “pós-história”, “pós-sociologia”, “pós-psicologia”… Nada, a não ser o “puro” conhecimento objetivo (que, em si, já é uma ilusão, visto que não existe conhecimento sem o sujeito que conhece, isto é, sem um toque de subjetividade), seria capaz de desvendar a realidade tal como ela é. Neste sentido, como resultante disso, o que se tem são verdades e não “a verdade”; múltiplas facetas da realidade e não uma só visão ou perspectiva a respeito da mesma.
Cristo é a verdade subjetiva – “no princípio era o verbo e o verbo estava com Deus” (João 1:1) – que se fez objetiva: “E o verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade…”. Em si, ele une o visível e o invisível, sem paralelos ou metáforas. A presença de Jesus como Deus agindo de maneira sobrenatural, porém, concreta na história, é algo que para muitos não tem o menor cabimento. Ora, o mesmo Jesus, no texto citado ao início desta discussão, garantiu que somente os que são da “verdade”, ou seja, somente aqueles que crêem que ele é o verbo (a palavra encarnada), seriam capazes de ouvi-lo. Esta afirmação de Jesus envolve uma outra ordem, também de suma importância: o crer.
O dicionário da língua portuguesa define “fé” como “crença” ou “confiança” em algo. Pode-se pensar a fé, na conhecida definição da bíblia, como a “certeza das coisas que se esperam, convicção de fatos que não se vêm” (Hebreus 11:1), ou até mesmo, nos termos de Francis Schaeffer, como um “salto no escuro”. Dentre estas definições, a do livro de Hebreus talvez seja a mais precisa, ou menos ambígua.
O pensamento moderno tende a conceituar determinadas coisas através da antinomia ou tensão: bem x mal, verdade x falsidade, liberdade x escravidão, fé x razão, ou seja, define-se um termo ou um objeto pelo seu oposto. Segue-se este preceito não apenas para se exaltar uma diferença, mas sobretudo para demonstrar que, na prática, em hipótese alguma poderia haver uma unicidade entre tais termos. Desta feita, fé (um “salto no escuro”) e razão (faculdade própria do ser humano de conhecer) seriam opostos que jamais formariam uma unidade.
Os racionalistas insistem em dizer que a fé não é suficientemente racional para ser relevante. Já os “místicos” (no sentido despojado do termo), preferem descartar a razão como algo não suficientemente transcendental para ser considerável. Neste ínterim, o ser humano chega ao ponto culminante do “desespero”, definido por F. Schaeffer como “resultante da perda da esperança de uma resposta unificada ao conhecimento e à vida”. De sorte que, para ambos, Deus e o homem estão “mortos”, pois ao racionalista, que se encontra no “andar inferior”, só resta a ciência e o método; Deus e o homem perderam seu significado, e ao “místico”, identificado muitas vezes com o pós-moderno, nada mais vale a não ser o “salto” no “andar superior”, onde não há lógica ou razão, somente a experiência (muitas vezes sem nome, sem ninguém), o entorpecimento e uma leve sensação de puro prazer.
Ao cristianismo não pode ser relegada uma coisa em detrimento da outra, pois nele não há dicotomias, ainda que, em muitos casos, seja encarado desta forma. A resposta bíblica do cristianismo engloba a vida e os seres humanos como um todo, composto de duas realidades indivisíveis: uma “natural” e outra “transcendental” – assim como a razão e a fé. O verdadeiro misticismo cristão, não consiste em experiência sem conteúdo ou conteúdo sem experiência, mas as duas coisas ao mesmo tempo, como maneira equilibrada de se compreender a verdade em Jesus.
Só que tem momentos em que a fé não mais possui propriedade lógica, desnivela-se da razão, do contrário já não poderia ser concebida como tal, isto é, sem o seu teor transcendental. Por outro lado, a razão, com base naquilo que se pode discutir, também tem o seu lugar e condições de dar uma “resposta unificada” à vida, desde que se reconheça sua não autonomia em relação à fé. Como diria John Stott, “crer também é pensar”.
Por fim, fazer com que a fé cristã tenha sentido para nossos tão conturbados dias, significa superar o extremismo do pensamento moderno – é claro, não partindo para uma outra extremidade, como preconizam os ideólogos da pós-modernidade – apresentando a proposta integral do evangelho: que vê a todos como um todo, que não discrimina, não estigmatiza ou despreza, mas suporta, ama e procura reconciliar o ser humano com Deus. No fim das contas, sempre existirão pelo menos dois grupos de pessoas: os que render-se-ão à mensagem viva e eficaz do evangelho e, em contrapartida, os que optarão pela pergunta do começo (“que é a verdade?”), com o mesmo tom irônico e cético de Pilatos. 

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