Três nomes

Autor: Deusdedit Ransam

Tanto  fizeram,  que  o  conceito geral  de amizade  ficou   coisa rara. Têm-se amigos, claro,  inúmeros, mas são os  “amigos conhecidos”, de  relacionamento casual   do   ambiente de trabalho ou,   entre os que comungam a mesma fé,   nos dias de ofícios religiosos nas igrejas.  Não são estes,   com certeza,    os que a alma almeja.
A  história da amizade deveria  ser de cristalina pureza, mas   turvaram-na   graças aos    “amigos fiéis, íntimos”. O  nobre sentimento transformou em  histórias  sórdidas marcadas por impressionantes   traições que arrastaram à lama vidas  preciosas  sem conta.  Contumazes contra  os   bons costumes  infestam  este nosso mundo, e  a terra    povoada deles    os  arrota nos mais variados ambientes de nossa sociedade. Os   “homens de rua,” assim conhecidos,  tornam-se referencial  da “amizade” que um dia  batera à  porta de suas casas,  transformando-os em andrajos.
Ninguém exemplificou com  cores tão fortes essa dura realidade como  foi a comovente história da vida de  Jeremias, conhecido como o profeta das nações.  Sofrido, injustiçado pela destemidez  das suas convicções,   conflitava-se   com a conduta corrupta   dos líderes  de sua nação,    sempre ímprobos. A   história desse homem  é longa, mas curiosa, pelo seguinte: O Livro de Jeremias contém  aproximadamente sessenta nomes pessoais não observados em outro livro profético.
No entanto, três nomes,  três vidas, marcaram  para sempre o profeta, que, mais tarde, nas suas “lamentações”, descreveu amarguradamente a aridez  e elevou  com  altivez o coração humano, esse órgão insondável.  Vejamos:

O primeiro da lista: Jerias.
O Primeiro Testamento  menciona Jerias   cinco vezes.  Todas o mencionam como oficial,  homem de pouca conversa, durão. Atrás daquela figura “respeitável” se escondia não a do homem “que Jeová estima”, segundo o significado  do seu nome, mas de um mandão, prepotente, injusto. Jeremias era seu velho  conhecido. Vivera toda a sua vida  em Jerusalém,  tornara-se  exemplo de coragem e vida exemplar como profeta de Deus.Ainda mais: Jeremias era filho de Hilquias, sacerdote do Templo,o mesmo que foi  tutor de Josias,  que  esmerou em   educá-lo,   preparando-o para a difícil  função de rei  desde   oito anos de idade, quando começou a reinar. Vale lembrar que foi no reinado de Josias que Judá experimentou a maior transformação  espiritual não repetida  nem antes nem depois dele.
No  último ato, ao cerrar as  cortinas rotas da história de Judá em    conseqüência do  desleixo dos seus dirigentes vaidosos e ímprobos,  o exército babilônico, sempre oportuno,   tomou conta do país, tal como  apregoara  Jeremias muito antes. Agora, diante da calamidade plantada no país, em derradeiro esforço, numa última tentativa,  recomendava cautela diante do invasor  a fim de não provocar a ira do exército  dominador.      Essa era a mensagem  de Jeremias para  aquele momento difícil. Mas, na visão estrábica  de Jerias, Jeremias tornara-se  um   insuflador, um entreguista, amigo  do inimigo, pronto  para aliar-se  às tropas  invasora. Não se dando conta da sua insensatez,  mesmo diante da  firme declaração de Jeremias, Jerias o prendeu   acusando-o publicamente de traidor. Após   açoitá-lo, deu  ordens para que fosse atirado  em um poço sem água, mas lamacento. A vida do profeta estava no fim. Jerias, aos olhos do povão, depois da “demonstração cívica e patriótica”, se postava como  herói pelo extraordinário  feito disciplinador, mesmo se tratando de um Jeremias.Sentia-se jus pelo  título que as insígnias reluzentes  trazia no peito doentio.

O segundo nome da lista: Matanias.
(Dom de Yahweeh)  Este é o significado  do seu nome.  Terceiro filho do rei Josias, cujo nome foi alterado para  Zedequias  por Nabudonosor, feito rei no  trono de Judá, espécie de vassalagem no lugar do seu  sobrinho Jeoaquim.  Zedequias pertence ao grupo de pessoas   que ocupam postos importantes graças às qualidades de mestres em bajulações. Não servem para nada, não fazem diferença, são na essência   tampões, “puxa-sacos” natos  que infestam a sociedade em toda  parte.  Bem sabia o “expert” do estafe babilônico da tibieza de Zedequias. Fê-lo vassalo, blindou-o para ser um   “rei meia-sola”. Tanto assim que levaram Jeoaquim, seu tio,  para servir em Babilônia juntamente com outros que formavam a nata da liderança do país.  Zedequias, filho de Josias, deve ter    ouvido e vivido os  dias de glória que marcaram Judá com  grandes bênçãos de Deus, sob o reinado do seu pai, na célebre volta do povo  às práticas do Deuteronômio, livro da família,   encontrado perdido aos pedaços  nos escombros do Templo.
Jeremias, conduzido por Jerias perante o rei  Zedequias,    se fez  tímido, amou mais os ditames humanos do que os preceitos do Senhor. Era um fraco! Simplesmente  não se interessou pelo profeta.   O poder exerce um alto poder de corrupção   muito mais nas    pessoas  que não vêem a sua total incapacidade e mediocridade. Ezequiel, personagem respeitada daquele mesmo período,  se referiu,  em relação a Zedequias, chamando-o de profano, perverso principal de Israel.

O terceiro nome: Ebed-Meleque.
O nome já o identifica: “servo de um rei”. “Ebed” indicava  uma classe de empregados  contratados, desses que comumente serviam de “bucha de canhão”,  que normalmente iam  à frente em caso de batalhas em campo aberto, corpo a corpo. Ebed-Meleque era da Etiópia, eunuco, classe desprezada principalmente por causa da cor da pele.O que mais impressiona nesse relato  é que esse servo era estrangeiro, não pertencia à linhagem  do povo de Judá; enfim, nada lhe dizia respeito.  Apenas era um encarregado, servo, à disposição dos seus senhores. Era-lhe totalmente proibido manifestar-se fora de suas restritas funções.
Graças à coragem e bondade desse escravo,  arriscando  a própria vida,   interveio  junto ao rei em favor de  Jeremias, tirando-o daquele poço lamacento.    Mas, com absoluta certeza, Jeremias deve ter saído daquela prisão terrível depois de dias,  com a alma brilhando em agradecimentos a Deus pelo  gesto espontâneo  de Ebed-Meleque, verdadeiro amigo.    São os amigos pessoas especiais, bem-aventuradas, muitas vezes ignoradas, mas são  anjos raros que Deus coloca  no caminho para  prestarem  serviços relevantes  a muitos  cuja paga  só acontecerá na eternidade.
Essa gente, na verdade, pouco    se pode dizer sobre elas.   A razão é muito simples: Todos eles têm o mesmo perfil ético. Distribuem bondade  e a  fazem  sem perceber, sem interesse algum. E o mais curioso é que eles mesmos não têm conhecimento dos lares que, por instrumentalidade deles, foram refeitos, de  almas caídas  que foram levantadas, outras saíram  do monturo limpas como Jeremias. Quantas vezes, no céu, os anjos de Deus cantaram alegremente porque almas  arrependidas foram inscritas no Livro da Vida! Não é bom  citar alguns  nomes;  não nos atreveríamos  a isso. É melhor preservá-los para não receber deles reprovação. É meritório, mas é melhor ficar por aqui mesmo…. 

Ouça,para finalizar, as palavras de Ebed-Meleque: “Ó rei, senhor meu, agiram mal esses homens em tudo quanto fizeram a Jeremias, o profeta, que lançaram na cisterna; no lugar onde se acha, morrerá de fome, pois não há pão na cidade…”

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