Reformar a casa

Autor: Juarez Marcondes Filho

Não são, apenas, os prédios da Igreja que precisam de reforma. Nossa casa, também, precisa. Não nos referimos aos intermináveis cuidados com o patrimônio material de nossas casas; sempre encontramos algum cantinho que mexer: mudança no piso, nova pintura nas paredes, móveis novos e, assim por diante; e com que afinco nos apegamos a estes expedientes; sejamos francos: temos dispendido bastante energia com tais preocupações.

O desafio não é reformar a casa em sua aparência e, sim, em sua essência. Mais do que um bonito endereço, precisamos investir com firmeza numa bela família. Se nos empenhamos tanto em oferecer boas acomodações aos nossos familiares, maior empenho devemos ter em construir um lar realmente feliz. Tendo isto em mente, é tempo de reformar a nossa casa.

Comecemos pelas bases. Quais são os fundamentos da nossa casa? Em cima de que ela se acha construída? Quais são os valores que garantem a segurança do lar? Não é seguro construir uma casa sobre a perspectiva materialista do presente século. É imprudente firmar estacas sobre a filosofia consumista do mundo, que nos transmite a idéia de que quanto mais bens nós possuirmos, mais felizes seremos.

Três realidades são fundamentais para manter a nossa casa em pé: o lugar de Deus no lar, o lugar da Palavra de Deus no lar, o lugar dos filhos de Deus no lar.

Um dos grandes momentos na vida do ser humano é o da realização do seu casamento. Quando um homem e uma mulher se apaixonam, decidem unir as suas vidas e, como é costume, almejam uma bela cerimônia de casamento, na qual é aguardada a bênção de Deus. Infelizmente, em muitos lares o lugar de Deus ficou restrito ao ritual da cerimônia religiosa do casamento. A presença de Deus tornou-se, apenas, uma lembrança que remete o pensamento a um santuário.

Quando Jesus compareceu a um casamento (João 2), ele tornou-se o centro das atenções. E assim, deve ser em todos os matrimônios e, por via de conseqüência, em todos os lares. Cristo não pode ser considerado, apenas, o convidado especial, de honra. Se desejamos um lar bem firmado, Cristo deve ser Senhor absoluto de nossas vidas e de nossa casa.

Hoje mesmo, sem demora, vamos iniciar a reforma de nossa casa. Vamos começar pelos fundamentos. Vamos dar o lugar primordial a Cristo em nosso lar. Vamos buscá-lo com primazia e nele esperar, pois ele tem o melhor para nós.

Já vimos que a reforma de nossa casa precisa estabelecer qual o lugar de Deus em nosso lar: Deus deve estar no centro das atenções, como soberano Senhor das nossas vidas e dos nossos entes queridos. Agora, é necessário estabelecer o lugar da Palavra de Deus no lar.

É comum encontrarmos um exemplar das Sagradas Escrituras, aberto, numa mesa, no centro da sala de visitas; preferentemente, uma edição especial, com gravuras, bordas douradas, tipo álbum de família. Este conjunto parece complementar a decoração do ambiente.

Infelizmente, em muitos lares, a Bíblia não passa de um enfeite, para não dizer que, em muitos casos, ela se transforma num amuleto. Alguém já atribuiu maus presságios pelo fato da Bíblia da sala de visitas, inadvertidamente, ter sido fechada.

Certamente, não é disso que estamos falando. Ao contrário, nos referimos ao ensino das Escrituras dentro dos nossos lares. Para muitos isto pode ser novidade, afinal, fomos treinados para pensar que somente a Igreja, a Escola Dominical, os pastores, têm a responsabilidade de ensinar a Palavra de Deus.

Esta é uma tarefa compartilhada. De um lado, procuramos um instrumental junto àqueles que Deus preparou para a ministração do ensino bíblico; mas a responsabilidade final recai sobre o próprio lar, onde tal ensino deve ser absorvido.

Muito das dificuldades por que passa a família moderna tem raiz no abandono dos princípios da Palavra de Deus. É verdade que os tempos são outros; novos e grandes desafios estão diante de nós. Mas estamos lidando com fundamentos. E fundamentos não mudam. Pelo contrário, se hoje as tentações e os perigos são mais fortes, mais apegados, ainda, devemos estar aos fundamentos. Transferir a casa da rocha para a areia (Mateus 7.24-27) não vai ajudar em nada.

Determinar o ensino bíblico em nossos lares será essencial no desenvolvimento da nova geração. Esta foi a experiência de Timóteo: “tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste; e que desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (II Timóteo 3.14, 15). E onde Timóteo aprendeu estas coisas? No seu lar, junto de sua mãe e de sua avó (II Timóteo 1.5). Duas coisas são importantes:

1. Método. É difícil para pais e filhos conhecerem a vontade de Deus para suas vidas quando a aproximação da Palavra de Deus é esporádica. Vão à Igreja, Escola Dominical, reuniões departamentais, Núcleos, quando não têm outras coisas para fazer. É preciso criar o hábito, levá-lo à sério. O Culto Doméstico não pode ser, apenas, nos momentos de aperto, crise, doença. Deve ser diário.

2. Exemplo. O ensino bíblico não pode ser ministrado no modelo “faça o que eu digo, mas não o que eu faço”. Nesta matéria, não estamos lidando com teorias, mas com a vida. É isto que vai determinar um lar feliz.

Já falamos sobre a importância da centralidade da vontade de Deus na vida do lar; Cristo deve estar no centro dos nossos interesses. Para tanto, é mister que a Palavra de Deus não se constitua, apenas, em um livro aberto na mesa de centro da sala de visitas da nossa casa; ela deve ser ensinada e aprendida, partilhada e experimentada, dia a dia, pelos familiares.

Tendo visto o lugar de Deus e o lugar da Palavra de Deus, nesta etapa, desejamos comentar sobre o lugar dos filhos de Deus no lar, à luz das Sagradas Escrituras. Vamos tomar por base uma passagem, geralmente incompreendida, mas certamente, fundamental para o equilíbrio da família. Trata-se de Efésios 5.15-6.9. Não há espaço para reproduzí-la aqui, então, é importante que, antes de prosseguir a leitura, cada qual, leia a passagem acima.

A primeira observação que se faz é que aparentemente muitos temas estão explicitados aqui; mas, na verdade, o Apóstolo Paulo está falando sobre o andar cristão: “vede prudentemente como andais” (5.15). A vida do cristão é distinta daquele que não conhece a Deus; não se trata, portanto, de mera confissão religiosa e doutrinária, mas de procedimento, atitude, maneira de ser. O andar cristão deve ser sábio e não néscio (5.15).

Para clarificar melhor o que diz, Paulo, sugere uma série de comportamentos peculiares do cristão, tais como: o aproveitamento das oportunidades – “remindo o tempo” (5.16) – o cristão não perde tempo, investe-o; o indagar sobre a vontade de Deus em tudo (5.17) – para algumas coisas estamos interessados no que Deus pensa a respeito, em outras, não; o estar pleno de Deus (5.18) – há quem prefira encher-se de vinho.

Em nossos dias, o tema da plenitude espiritual tem estado em voga; sempre deveria estar, afinal, é parte do andar cristão. Ser cheio do Espírito não é uma opção para crentes mais consagrados; é o alvo de todo o cristão.

O que significa ser pleno do Espírito? Falar em línguas estranhas? Ser portador de prodígios e milagres? Ter capacidade de revelar acontecimentos futuros ou ocultos? Não é o que esta passagem nos ensina. Aqui aprendemos que a plenitude espiritual pode ser vista no uso de: uma nova linguagem – a linguagem do louvor – “falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais” (v. 5.19); uma nova atitude – a atitude do contentamento – “dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai” (5.20); um novo relacionamento interpessoal – a sujeição mútua – “sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo” (5.21).

Mas, afinal, o que tudo isto tem a ver com o lar? A matéria sobre a família não se inicia justamente a partir do versículo 22? E não é justamente aqui que a polêmica se acende? Se compreendermos de maneira isolada o assunto, provavelmente, sim. Mas se atentarmos para o fato de que o tema em questão é o andar cristão e, em particular, a plenitude do Espírito, vamos entender que o que Paulo fala sobre esposas e maridos, pais e filhos, e até mesmo, senhores e servos, na verdade, são exemplos de sujeição mútua, o novo modo de relacionar-se que o cristão mantém com o seu próximo. É aqui que começa o posicionamento dos filhos de Deus no lar.

Continuamos a examinar a passagem de Efésios 5.15-6.9. O tema em questão é o andar cristão. O subtema é a plenitude do Espírito. O crente cheio do Espírito Santo, necessariamente não é aquele que fala línguas estranhas ou realiza milagres e prodígios, mas indubitavelmente é aquele que tem nos lábios a linguagem do louvor, tem uma atitude de gratidão na vida e vive em sujeição mútua nos seus relacionamentos. Como exemplo de sujeição mútua, o Apóstolo Paulo nos remete à família dos filhos de Deus.

É importante ter tudo isto em mente. Geralmente lemos os textos bíblicos de maneira estanque. Assim, é comum estudarmos o tema da família (5.22 em diante), de maneira desvinculada do que é dito anteriormente. E, de imediato nos assombramos e reagimos ao que a Palavra de Deus nos diz aqui: “mulheres sejam submissas ao seu próprio marido” (5.22). Então vêm as explicações: “ah! Isto é coisa do passado”; “ah! Isto é resquício do machismo”; “ah! Paulo tinha problema com mulheres”.

É interessante que não dizemos nada a respeito do v. 25: “Maridos, amai vossa mulher”, afinal, o amor está tão em moda… Já, a submissão ficou “demodé”. Da mesma forma, os pais acham que é muito importante que os filhos sejam obedientes (6.1), mesmo que não queiram criar os filhos da disciplina e admoestação do Senhor (6.4).

As dificuldades de compreensão em parte se resolvem, quando percebemos que todos estamos sujeitos um ao outro. Aliás, assim é no Corpo de Cristo: as ovelhas estão sujeitas ao pastor, mas o pastor, também, está sujeito às ovelhas. Esposo e esposa, pais e filhos, servos e senhores, por causa do temor de Cristo, estão sujeitos uns aos outros (5.21).

Reconhecemos quão forte é a expressão “submissão” e que tem gerado tanta polêmica. Mas há uma razão de ser. Foi justamente a pregação cristã que tirou a mulher da condição de ser humano de categoria inferior. É o próprio Apóstolo Paulo quem afirma que em Cristo não há distinção entre homens e mulheres (Gálatas 3.28).

No entanto, algumas pessoas passaram a tomar esta liberdade em Cristo, para distorcê-la em confusão e desordem. Submissão não significa escravização ou perda de direitos, mas, sim respeito e harmonia, na busca de um projeto para o lar. Dificilmente um lar irá progredir se um cônjuge puxa para um lado enquanto o outro vai em direção oposta.

Nosso espaço é pequeno para comentar a riqueza de ensino desta passagem e de outras acerca do lar cristão. Mas resumindo o que dissemos nas últimas 4 pastorais, se a nossa casa precisa de reforma, ela deve principiar pelas bases, estabelecendo a centralidade de Cristo no lar, tomando a Palavra de Deus como manual de fé e prática, sendo o alimento espiritual de pais e  filhos que, obedientes aos seus ditames, constituirão um lar decididamente muito feliz.

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