Quem se importa? Deus se importa!

Autor: Ivan Carlos Rufino Batista

Milhões de pessoas se encontram em verdadeiros becos sem saída com seus problemas, os quais afligindo suas vidas os fazem sentirem-se só no mundo, apesar de terem parentela, amigos, irmãos de fé e tantos outros de boa vontade em seu círculo de relacionamentos. Todavia, diante de uma angustiante dor, de um inquietante e perturbador sofrimento, de um luto implacável e/ou de outras desgraças que se abatem sobre nós, parece ninguém se importar com os nossos infortúnios. Sentimo-nos como se fôssemos autênticos vermes, pois bradamos a plenos pulmões a angústia e a dor que machuca e faz sofrer nossa alma, porém, não encontramos quaisquer sinais de respostas e não percebemos nenhuma mão estendida a nos auxiliar. É como se não passássemos de máquina, ou de um animal, que não desperta qualquer tipo de estima em ninguém. É horrível ser humano e ser tratado como se não o fôssemos. 
A sensação de sufoco, apuros, carência afetiva, falta de socorro, de humanismo, ou de um pouco de atenção por quem quer que seja, revela a nossa fragilidade, insegurança e a necessidade de comunhão integral, pois nos momentos adversos, aparentemente intransponíveis, é que muitos desistem da família, dos amigos, da fé e até da própria vida. É quando se descobre que a solidão é inimiga ruim, pois machuca, tortura e faz agonizar, dando-nos muitas vezes a terrível sensação de que a morte seria melhor companheira nessas horas. Enfim, descobrimos nossa total dependência de um referencial mais forte, mais poderoso, mais sábio e mais humano do que nós. Descobrimos a nossa plena dependência do transcendente que condescenda em amor e graça até nós, para que a nossa dignidade, vontade e alegria de viver reavivem-se e nos traga ao caminhar sob a luz de uma nova perspectiva de vida, na esperança de um novo horizonte que nos permita sorrir novamente. Ainda que esse seja um duro retrato da vida do homem pós-moderno não deixa de ser verdadeiro, pois o homem está realmente só, carente de amigos que não admitem a hipocrisia relacional, e/ou o egoísmo utilitarista da lei de Gérson como estilo de vida.
Nas angústias da vida descobrimos quanto necessitamos de um referencial que, diante de calamidades, infortúnios, lutos ou outros percalços nos permita sair vitoriosos e experimentados a seu final. E essa solidão cósmica e espiritual nos faz perceber a hora de voltarmos pra Deus. Mas nossa egolatria, por qual supomos ser seres auto-suficientes, faz-nos crer, como Dennis Rodman, ex-jogador de basquete americano, da liga NBA, pelo Chicago Bulls: “Se existe um ser supremo, ele tem um montão de coisas a mais com que se preocupar do que com meus problemas idiotas” (Apud YANCEY; 2000; p. 35). Essa visão de Rodman da Divindade percebe-se, é deísta. Porém, o Deus das Escrituras não é insensível aos nossos problemas, como imagina Rodman. O absurdo, em um Deus como o revelado nas Escrituras, é que Ele não apenas se importa com nossas dores e infortúnios, como se solidariza conosco neles. Isso é significativo e relevante na consideração de nosso tema, porque em Jeová há respostas para as nossas calamidades e infortúnios, porque ainda que Jeová seja transcendente, é imanente também, fazendo-se presente. Isto é, Jeová condescende ao homem em amor e em graça a fim de socorrê-lo.“Porque convinha que aquele, por cuja causa e por quem todas as coisas existem, conduzindo muitos filhos à glória, aperfeiçoasse, por meio de sofrimento, o Autor da salvação deles” (2:10). E também: “Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, pra ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo. Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados” (2:17-18). 
Estes textos de Hebreus revelam uma inigualável importância que Deus nutre para com os nossos problemas idiotas, pois contrário ao que pensa Rodman, Deus não apenas se importa com nossos problemas e dores, como é poderoso pra nos socorrer. Revelam também que Ele enfrentou e sofreu com problemas e dores semelhantes aos nossos quando se fez carne e habitou entre nós. E num mundo egoísta onde cada um pensa e age por e para si, buscando levar vantagem em tudo, saber que um Deus soberano, livre, auto-suficiente, auto-existente, todo-sabedoria e todo-poder se importa com as nossas vidas confusas e atrapalhadas, velando por nosso pleno bem estar, além de confortador é de natureza revolucionária à compreensão humana incrédula. É que na verdade, o pecado roubou nossa sensibilidade afetiva de graça e de amor, pois conhecemos e valorizamos mais o poder do que o amor-doação de Deus. E isso tem muito haver com nossos conceitos sobre a Santíssima Trindade. Explico. Deus, subsistindo em Três Pessoas distintas, é uma comunidade relacional que se afirma nas relações de amor, de comunhão e amizade que mantém mutuamente. Assim, se nossa praxis não for trinitariana, tal qual é o credo, primaremos por relações de poder, e não pelas de amor. E as relações de amor e amizade marcam a pericórese dos Divinos Três. 
Nossa estupefação diante da atitude amorosa de Deus se explica em razão de entendermos o amor mais em termos de sentimentos que de ação e vontade. Assim sendo, se alguém não nos é simpático aos sentimentos, o ignoramos sem a menor piedade. Felizmente Deus não, pois mesmo nossas atitudes não sendo simpáticas a Deus, Ele nos dá amor e graça para se aproximar de nós, e assim, manter comunhão conosco. Isso deveria nos deixar cônscios de que Deus se importa com os que rejeitamos por mera questão de estereótipo ou preconceito. Deveria levar-nos a um sincero arrependimento e mudança de atitude também, a qual se coadune com os princípios e os preceitos de Deus que nos são revelados na Palavra, e não com nossos pressupostos religiosos infundados. Afinal, a vida cristã não é uma questão de opinião humana, mas de revelação divina. Isto é, a vida cristã não se alicerça na vontade do homem em como vivê-la, mas como Deus determinou que ela seja vivida por aqueles a quem Ele a outorgou. 
Deus se importa conosco, incluindo aqueles problemas que parecem idiotas, pois “Deus é amor” (1 João 4:8, 16). Isso indica que o amor é mais que mero atributo do Deus Trino, sendo na verdade sua estrutura. Daí o apóstolo afirmar convicto: “E nós conhecemos e cremos o amor que Deus nos tem. Deus é amor, e aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele” (1 João 4:16). Paulo, em consonância com a teologia joanina a respeito de Deus ser amor, fizera ecoar aos ouvidos dos cristãos romanos: “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós sendo nós ainda pecadores” (Romanos 5:8). Esta afirmação de Paulo revela a verdade que o amor de Deus é muito mais ação do que mero sentimentalismo.
Christian Schwarz afirma que o entendimento de amor da maioria das pessoas é orientado pela concepção do amor-eros, o qual depende da pessoa amada despertar sentimentos de amor na pessoa a qual se dirige amor. O ponto de partida neste conceito, portanto, está nos sentimentos do sujeito que ama ser despertado pelo objeto amado. Isto é, se algum objeto for simpático aos meus sentimentos, passo a nutrir pensamentos positivos a respeito dele, para a partir disso, então, poder agir positivamente em relação a ele. Christian Schwarz ilustra isto assim:  
Verifica-se nessa concepção de amar, que a afeição do sujeito pelo objeto só é germinada quando o objeto amado desperta sentimentos positivos no sujeito que ama. Por isso, aqueles cuja afetividade se motiva mais no amor-eros não se importam como realmente deveriam se importar com os problemas e aflições do próximo. Eis a razão porque nos mostramos incólumes frente aos infortúnios alheios, não lhes dispensando cuidados e afetos que lhes fari
am bem, e ajudariam em sua dor e sofrimento, pois não nos são simpáticos ao coração. E essa é a forma por qual gostamos de amar, segundo a nossa velha natureza pecaminosa, porque nos livra dos riscos que o amor nos impõe. Preferimos tal forma de amor porque imaginamos que não nos deixa vulneráveis. Porém, como afirma Schwarz, “quando queremos descobrir o que é o amor não devemos aplicar a Deus aquilo que nós achamos que é o amor. Devemos fazer exatamente o oposto: Para descobrir o que é o amor temos que compreender a natureza de Deus. Amor é Deus se presenteando, se dando, a Si mesmo” (1998; p. 21).    
E a autodoação divina, ressaltada por Schwarz, é facilmente percebida no texto de Paulo, em Romanos 5:8, onde a prova do amor de Deus para com os homens, vindica-se no fato de Jesus cristo ter morrido por nós, “sendo nós ainda pecadores”. E essa última frase é significativa, pois revela que Deus não nos dispensou amor porque tenhamos lhe despertado sentimentos positivos de amor. Ao contrário, nossa natureza pecaminosa opõe-se a imaculada natureza de Deus. Assim, se Deus amasse segundo o padrão do amor-eros não experimentaríamos seu amor, porque nossa pecaminosidade desperta a sua justiça e sua ira, não seu amor. Não é a morte o salário do pecado, como Paulo afirma em Romanos 6:23? Por certo. Porém, “o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor”, o qual se contrasta com o salário do pecado: a morte. E este amor que presenteia ao outro, doando-se em favor do suprimento da necessidade alheia, é conhecido na linguagem cristã como amor-ágape.
É o amor-àgape, peculiar ao ser de Deus, que o faz com que se importe realmente conosco e condescenda em misericórdia, e em graça a nós, ainda que mereçamos sua ira. Diferentemente do amor-eros, o amor-ágape não tem seu ponto de partida nos sentimentos, embora não os exclua em seu processo. O ponto de partida do amor-ágape germina da decisão tomada pelo sujeito que ama em pensar pensamentos amorosos a respeito do objeto a quem quer dispensar o amor. Assim, amar diz respeito muito mais a mim que ao outro. Ou seja, amor não brota do acaso. É uma ação consciente, a qual potencializa o outro a ser aquilo que ainda não é, mas que pelo amor pode vir a ser. Deus, por exemplo, sendo auto-existente, precisando tão somente de si mesmo para firmar-se como pessoa, criou o diferente pra estar com Ele, trasvasando-o com a comunhão trinitária que os Divinos Três (Pai, Filho e Espírito Santo) gozam desde a eternidade. Isto é, Deus cria o diferente a fim de que participe daquilo que Ele é (claro que em menor grau, porém, o suficiente para que o diferente rompa em louvor e adoração por tamanha manifestação de graça – Salmos 8). 
“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que Deus o Seu Filho unigênito, para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna”, prescreve o mais conhecido versículo das Escrituras (João 3:16). Aqui, podemos perceber que Deus amou o mundo porque quis amá-lo. Podemos afirmar que Deus nutriu pensamentos de amor para com o mundo, e agiu no sentido de demonstrar esse amor, causando assim um efeito positivo sobre os seus sentimentos relativo aos pecadores carentes de vida real e abundante, a quem Deus quis presentear com sua própria vida e comunhão, furtadas pelo pecado. E isso não é estranho, pois Deus nos amou antes da fundação do mundo, ainda na eternidade de seu conselho, quando em soberania e graça nos elegeu a salvação, dando-nos a Cristo como expressão de seu amor para com Ele (João 17:24), embora manifestasse este amor apenas na plenitude e fim dos tempos, conforme teologia dos apóstolos Paulo e Pedro.
Christian Schwarz diz que nossos pensamentos amorosos nos capacitam a praticar ações amorosas, ressalvando, todavia, que estas ações têm também, apesar de não ser sempre assim, um efeito positivo sobre nossos sentimentos. Ele ilustra isso da seguinte maneira: 
     
Sentimentos
José me é antipático

Pensamentos
Espero que não o encontre

Ações
Vou afastar-me dele

Portanto, o que há de revolucionário na concepção ágape de amar é de que não amamos apenas os que julgamos merecedores de nosso amor. O amor de Deus cria valor na pessoa amada, levando o sujeito que ama a se importar com a pessoa amada, valorizando-a como poucos fazem, e/ou ninguém faz. E essa forma de amar é encontrada em Jesus, que ensinou: “… Amai os vossos inimigos… Pois se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos o mesmo” (Mateus 5:44, 47). Por isso, novo mandamento foi dado por Jesus aos discípulos: amar uns aos outros, como Ele os amou (João 13:34). E como Jesus amou aos seus discípulos? Não foi doando-se por inteiro, em resgate de sua dignidade, visando a formação de uma nova integridade em suas vidas? E assim sendo, as estruturas das nossas igrejas não deveriam contribuir para que a comunhão entre irmãos e irmãs de fé se torne cada vez mais real e menos virtual, mais pessoal e menos impessoal, mais profunda e menos superficial? Mas por que nos demoramos tanto fazê-lo? Creio que é porque nosso pensar e fazer igreja distancia-se e muito da realidade bíblica revelada, pois são muitos os de nós que não se importam com os problemas idiotas de irmãos e pessoas que não são da comunidade da fé cristã. Afinal, não foram eles quem os arranjaram? Então, é natural que se virem, pois se souberam arranjá-los, que saibam resolvê-los! Não é mesmo? Há casos em que problemas surgem em virtude de rebeldia contra Deus, mas há também muitos outros em que o pecado não é a causa dos tais, e aqui precisamos ter discernimento para não pecarmos.
Discernir para começar nos importar realmente com as pessoas e seus problemas, sem nos afastarmos delas; ignorá-las por questão de estereótipo que lhes atribuímos. Deus se importa com nossos problemas e modo vivendis. E mais, se importa de forma tal, que deveríamos nos colocar diante dEle e rever nosso conceito de ser e fazer cristão. É mister compreender que igreja é gente transformada, que se organiza para junto viver sua fé em Cristo, e então vir conformar seu caráter ao dEle. O amor-ágape, nessa ótica, é o único meio pelo qual realmente nos importaremos com os membros de nossa comunidade de fé, afinal, é nosso amor de uns para com os outros que vindica nosso discipulado (João 13:35). Tem igrejas que se evidenciam por seu credo teológico ortodoxo, ao qual atribuem ares de quase divinização. Outras que anseiam ser evidenciadas por seu poderio econômico. Entretanto, é na prática mútua do amor de Deus que o discipulado cristão se revela ao mundo, expressando em relações humanas o que ocorre na pericórese trinitária divina.  
Por vezes, esquecemos que as igrejas estão abarrotadas de pessoas feridas, mal amadas e decepcionadas. E se a estrutura funcional de uma igreja local – isto é, o seu modo operandis – não contribui para que seja um lugar aonde pessoas solitárias, feridas, mal amadas e/ou decepcionadas encontrem consolo e cura para os seus males, seus programas devem ser todos lançados na lata de lixo. Não que a igreja tenha poder, por si mesma, para isso, mas por sua fonte de vida: Deus.
Porém, a triste realidade de que muitas igrejas não conseguem ser lugar de vida e cura para as feridas da alma humana, demonstra-nos que estamos satisfeitos com o conceito de igreja como um clube religioso que se pauta no mecânico behaviorismo psicológico, que consegue criar robôs humanos, prontos pra o cumprir de certos preceitos religiosos: freqüentar cultos, ofertar dinheiro, fazer proselitismo sectário, evitar certas indumentárias, abster-se do consumo de certas bebidas, e não se identificar com certos traços culturais (ir a cinemas, a estádio de futebol, à praia, etc.), mas que não humaniza o homem, pois não se referenda no amor, na graça e na verdade de Deus.
Ou seja, o modo vivendis e operandis de certas igrejas revela que a sua preocupação maior é com a superficial religiosidade, ao estabelecerem a freqüência cúltica, as doações financeiras, o proselitismo sectário, o legalismo asceticista, e o tradicionalismo ossificado, como indicadores da espiritualidade real de seus membros e não que os mesmos se constituam em pessoas cujo caráter é marcado pela integridade e as suas relações pautadas no amor-ágape; naquele amor de Deus que se dá sem reservas ao outro e valoriza-o na absorção dos reais valores do Reino de Deus, fazendo deles seus valores de vida. E os nascidos em Cristo são os únicos em quem esse amor é realidade, porque o amor de Deus é derramado nos seus corações pelo Espírito Santo que lhes foi outorgado (Romanos 5:5). Eles não têm que produzir este amor, mas apenas abrirem-se a ele para que possa fluir por eles a outros. “O amor de Deus é a fonte e o rio. Nosso trabalho consiste em manter em perfeitas condições a canalização”, como ressalta Christian Schwarz (1998; p. 50). 
Em Lucas 5:12-16 temos um perfeito retrato de como Deus se importa com as agruras, as dores e as angústias da vida humana. O texto trata a respeito de um judeu leproso que se prostra em adoração a Jesus, em uma atitude que mescla desespero e esperança, suplicando ao Salvador que o cure de sua enfermidade, a qual tanto lhe afligia e o tornava em um excluído de sua vida familiar, social e religiosa. É que os leprosos, segundo a lei mosaica, deviam ser segregados fora da cidade (Levítico 13:45-46). Para um judeu prostrar-se diante dum outro homem, em atitude de adoração, como fizera aquele leproso, revela a angústia que assolava aquela pobre alma. Jesus era a última cartada daquele leproso, por isso suas palavras foram tão convictas: “Senhor, se quiseres, podes purificar-me” (Lucas 5:12). E a aproximação do leproso a Jesus revela ser ele um transgressor da lei, revelando sua natureza pecaminosa e a sua culpa, portanto (Levítico 13), pois a lei prescrevia proibição aos leprosos quanto à aproximação de sacerdotes. Isto é, os leprosos nunca deveriam ir aos sacerdotes, mas esperar que esses fossem até eles. E no caso dos sacerdotes contemporâneos a Cristo (geralmente fariseus), eles não tinham um coração acessível e sensível como o de Jesus, daí a desesperança daquela pobre vida se expressar naquele clamor.   
E o que se sucede à súplica do leproso transgressor é, sem dúvidas, uma das mais incríveis demonstrações de amor para com alguém que espera por uma mão amiga e acolhedora em meio a adversidades: “E ele estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero fica limpo!” (Lucas 5:13). Sei que as palavras de Jesus: “Quero, fica limpo!”, foram decisivas para que a lepra desaparecesse, e instantaneamente, do corpo daquele homem (Lucas 5:14).Entendo, porém, que o gesto que revela a genuína preocupação de Jesus pra com ele não está nesta expressão, mas naquela que ressaltada por Lucas, diz: “estendendo a mão, tocou-lhe”. Ou seja, Jesus tocara na pele de um homem que ninguém ousaria tocar, pois sua lepra representava o que há de mais tenebroso na vida humana: o pecado. Mas com um amor que ama porque decide amar, e age consciente em benefício do objeto amado, e não porque o objeto lhe tenha sido simpático e tenha despertado afeições sentimentais a que o levasse a uma ação caridosa quimicamente determinada, Cristo toca naquele homem e com o poder de sua palavra mostra-se Senhor do que mais angustiava aquela vida carente: sua lepra, que sumiu, para nunca mais voltar.
Enfim, o leproso pôde comprovar que Cristo realmente se importava com ele e com a sua dor, a ponto de tocar-lhe, e não só de curá-lo. Isso revela que ainda que haja quem não se importe com nossas vidas atrapalhadas e problemas idiotas, existe um Deus de amor e poder que o faz de forma inigualável. Esta característica ímpar de Deus não nos deixa dúvidas de que nEle podemos confiar e com Ele nos relacionar, abrindo-lhe os nossos corações, pois não há ninguém como Ele, que melhor nos entenda, compreenda e aceite. É que Deus, ao contrário de nós, não nos ama se…  Antes, Deus n
os ama não importa se… E faz isso em Cristo, seu Filho Amado. E se Deus é nosso referencial de crença e de conduta, não deveríamos então, nos importar com o próximo como Ele revela se importar? Mas será que nos importamos com o que importa para Deus?
Muito de nossa falha evangelística e prática de vida, como comunidade de transformados em Cristo, repousa em não tocarmos as pessoas naquilo que realmente precisam ser tocadas: suas vidas como um todo. Até somos conscientes que o pecado dilacera a alma humana, que rouba sua dignidade e a escraviza em trevas mortais. Sabemos e cremos que, por causa dele, maridos tratam suas esposas com amargura, faltam com amor a seus filhos e gastam seu dinheiro naquilo que não é pão (Isaías 55:1-2). Por causa dele, sabemos igualmente, que há esposas que recusam se submeter à liderança do esposo, e se entregam às paixões extraconjugais, sofrendo terríveis infortúnios como resultado disso. Por ele, mães instigam os filhos uns contra os outros e contra os pais. E por causa do pecado, filhos se entregam à rebelião familiar, tendo as suas vidas ceifadas precocemente. Mas, ainda que isto seja realidade patética nas igrejas, parecemos não nos importar, argumentando que os cultos são bem freqüentados; os dízimos e ofertas são razoáveis, pois não se entra no vermelho há tempo; há distribuição de milhares de folhetos evangelísticos a cada Domingo; que os jovens não gostam de rock, que não vão a cinemas, que praticam esportes só na quadra da igreja e há até dez por cento deles pensando em ingressar em algum seminário a fim de “servir o Senhor”; que estão sendo enviando polpudas ofertas aos missionários da Missão Tal (na verdade é para aliviar nossa consciência quanto a nossa responsabilidade missionária); etc, etc, e etc.
Sei que estas coisas são válidas e importantes, mas oro a Deus para que tenha misericórdia de nós, para voltarmos a nos importar com o que realmente importa, que faz diferença e conduz a transformação do caráter do pecador ao caráter de Jesus Cristo. Pois creio que só assim legaremos ao mundo uma geração de autênticos cristãos, e não uma multidão sem rosto e massa sem forma, que preparamos pra responder estímulos religiosos/sectários que lhes imputamos como legítimos, mas que na realidade não passam de manipulação psicológica behaviorista. Precisamos relevar o que Lucas afirma: “E ele, estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero, fica limpo! E no mesmo instante lhe desapareceu a lepra”.
Que estendamos nossa mão e toquemos pessoas feridas em sua alma com a vida de Cristo que há em nós, para que a lepra de seu pecado desapareça, e voltem a sorrir para a vida, sabendo que ela pertence a Deus, e que na igreja cristã se vive a melhor vida que o ser humano pode viver, porque vida de Deus, vivida em, com, por e para Ele. Vida que se configura nas relações de amor e amizade com o próprio Deus e o próximo. Vida onde a comunhão pericorética dos Divinos Três dá significado ao ser pessoa e ao gozar de terna e eterna felicidade. E como amar é relacionar-se, construir amizades onde a sinceridade e afetividade norteiem a relação é o caminho sine quae non às igrejas que desejam ser relevantes e fazer diferença, pois vivemos a era da solidão, da falta de afetos e amigos reais, do clamor por intimidade. E amor só se faz na comunhão, no encontro com o outro, para o dignificar com a graça do absurdo. E nossa afirmação humana está nas relações de amor e amizade que firmarmos com Deus e o próximo. Mas, quem se importa com isso? Deus se importa. E tem agido a fim de dar cumprimento a isso. O que nós estamos esperando?   

Notas:
[1] Lei de Gérson é o princípio de vida no qual a pessoa busca levar vantagem em tudo, tirando proveito próprio em todas as suas relações, tendo ficado assim alcunhada porque o jogador de futebol Gérson, conhecido no futebol como “Canhotinha de Ouro”, tricampeão na Copa do Mundo de 1970, estrelava o comercial de certa marca de cigarro onde dizia exatamente que levava vantagem em tudo.
[2] (1998; p. 21-23)
[3] (1998; p. 22-23). 
   

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ALMEIDA, João Ferreira de: Bíblia Sagrada; 2a. edição; São Paulo, SP; SBB; 1995
SCHWARZ, Christian A.: Aprendendo a Amar; tradução de Fred R. Bornschein; Curitiba, PR, Editora Evangélica Esperança; 1998; 135p.
YANCEY, Philip: A Bíblia Que Jesus Lia; tradução por Valdemar Kroker; São Paulo, SP; Editora Vida; 2000; 211p.

SOROCABA, SÃO PAULO, FEVEREIRO DE 2004

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