Autor: Dom Robinson Cavalcanti
Quem contra quem? Desde a década de 1940 o mundo tem acompanhado, periodicamente, a eclosão de conflitos no Oriente Médio tendo como epicentro Israel/Palestina. Quais as origens e a natureza dessa guerra? Primeiramente, não se trata de um conflito entre o Islamismo e o Judaísmo. Ambas as religiões são divididas em correntes (“denominações”). O Judaísmo entre Ortodoxos, Conservadores e Reformistas; os Islâmicos entre Sunitas, Xiitas, Ismaelitas, Wahabitas. Em ambos os lados suas correntes são subdivididas em subcorrentes. Há islâmicos que aceitam a existência do Estado de Israel e há judeus (grande parcela dos Ortodoxos) que são contrários a existência desse Estado, que se pretende um “messias corporativo” e não um “messias pessoal” como acreditam. A grande maioria dos Islâmicos e dos Judeus vive em outros continentes e regiões, distantes do local do conflito, e a ele indiferentes ou contrários. Em segundo lugar, não se trata de um conflito entre Árabes e Judeus. A ampla maioria dos islâmicos não é árabe: Indonésia, Bangladesh, Paquistão, Afeganistão, Irã, África Sub-Sahariana. Os árabes se constituem em uma minoria dos Islâmicos e nem todos os islâmicos árabes vivem no Oriente Médio (Marrocos, Líbia. Tunísia, Argélia). A maioria dos judeus também vive fora da região, sendo o maior núcleo nos Estados Unidos da América. Se nem todo islâmico é árabe, nem todo árabe é islâmico.
Há árabes cristãos, drusos, e judeus sefaradies que assimilaram essa cultura. Por sua vez, o termo Israelita é aplicado aos seguidores do Judaísmo, e Israelense aos cidadãos do Estado de Israel. Entre os Israelenses Israelitas mais de 80% é formado por ateus ou agnósticos, ou seja, são apenas cidadãos de um Estado e seguidores de uma cultura, mas não praticantes de uma religião. Há Israelenses islâmicos, cristãos e drusos.
O Estado de Israel – A sociedade do atual Estado de Israel é altamente estratificada: no topo estão os askhenazim, louros germânicos e eslavos, oriundos do centro e leste da Europa, onde falavam o iídiche (cujos parentes sofreram o genocídio nazista), modernos, secularizados, pouco, ou nada, praticantes da religião, e que idealizaram, fundaram e detém os cargos chaves do governo. Abaixo ficam os sepharadies, expulsos pela inquisição católica principalmente das penínsulas ibérica e itálica, onde falavam o ladino, e que viveram, por séculos em países do norte da África e do Oriente Médio, de hegemonia árabe-islâmica. São considerados “pré-modernos”, menos afeitos à democracia ocidental, e possuem uma percentagem maior de praticantes da religião. Um grupo menor e mais recente são os falashas, judeus negros etíopes, descendentes do intercâmbio entre os dois países na época do rei Salomão e da rainha de Sabá.
Os askhenazim e os sepharadies têm grão-rabinos e sinagogas em separado. Há mais reformistas entre os askhenazim e mais ortodoxos entre os sepharadies, proporcionalmente, com presença de ambos entre os conservadores (conservadores culturais, não nos dogmas).
Embora registrados como cidadãos, e portadores do passaporte de Israel, vem, a seguir, em ordem descente na pirâmide social: os drusos, os árabes cristãos (grego-ortodoxos, sírio-ortodoxos, armênios, coptas, uniatas, latinos, protestantes, etc.) e os árabes islâmicos (com suas clássicas divisões). Mais recentemente, tem surgido mais um grupo, de reduzida expressão: os judeus messiânicos, ou judeu-cristãos.
A sociedade do Estado de Israel é, pois, complexa, e comporta no seu interior uma diversidade de interesses. Sua população atual é de 5 milhões e setecentos mil habitantes, dos quais 1 milhão e 400 mil (cerca de 20%) é de cidadãos árabes que, exercendo seus direitos limitados, conseguem alguns assentos no Knesset (Parlamento). Antes da criação do Estado de Israel, em 1948, esses diversos grupos conviviam em paz no território, por muitos séculos.
História – Quando os romanos, sob o comando do general Tito, destruíram Jerusalém no ano 70, a maioria dos judeus partiram para o exterior (diáspora), onde já existia muitas comunidades. Parte dos judeus permaneceu no seu lugar de origem, se convertendo ao Cristianismo no primeiro e no segundo séculos e ao islamismo no sétimo século, com a ocupação árabe em 636 ad. Assim, muitos dos árabes-cristãos e árabes-islâmicos de hoje, na verdade são descendentes de judeus convertidos. Por outro lado, ampla parcela dos judeus que retornaram da diáspora são descendentes de prosélitos ou de uniões mistas (germânica, eslava ou latina).
O Estado de Israel é resultado do Movimento Sionista (Sion = colina da antiga Jerusalém), idealizado por Thodor Herzl, que organizou o seu primeiro congresso em Basiléia, na Suíça, em 1897. Outro líder importante foi Chaim Waisseman. Diante do que aconteceu com a Inquisição e do persistente preconceito anti-semita, os sionistas defendiam a existência de um território judaico, que poderia ser na Argentina, na África ou na Palestina. Os idealizadores do Sionismo não eram judeus religiosos, e eram motivados por uma necessidade de sobrevivência, e não por argumentos religiosos, muito menos escatológicos. Em 1909, como bons socialistas, organizaram o primeiro kibutz (fazenda coletiva) em território palestino, com população então de ampla maioria árabe. O território palestino esteve sob o domínio do Império Turco-Otomano de 1517 a 1917, quando foi ocupado pelos britânicos, cujo chanceler Arthur Balfour reconheceu a necessidade de estabelecimento de um “lar nacional” para os judeus na região, crescendo, lentamente, a imigração de judeus. O Sionismo ganha maior apoio _ a imigração aumenta _ com a repressão nazista, na segunda parte dos anos 1930 e primeira parte dos anos 1940. Na época cidades como Belém e Nazaré tinham cerca de 90% de suas populações formadas por cristãos nativos.
Durante a ocupação britânica (1920-1948) foi criada a organização para-militar judaica Haganá, cujo braço militar era o Irgun, que defendia a luta armada para expulsar os ingleses, realizando vários atos terroristas, sendo o mais conhecido a explosão do Hotel Rei Davi, em Jerusalém, matando 91 civis, a maioria cidadãos britânicos, mas também árabes e alguns judeus. O falecido ex-missionário batista (UESA/ABUB) no Brasil, Dionísio Pape, foi sargento-paraquedista durante seis meses na Palestina, escapou por pouco de uma bomba terrorista judaica, e presenciou um caminhão da sua unidade ir pelos ares cheio de soldados. Vários desses terroristas se tornaram importantes figuras do Estado de Israel, como o ex-primeiro ministro Menachen Begin.
O não cumprimento por parte dos britânicos de criar um grande Estado árabe nos territórios sob seu mandato, e o fluxo sionista gerou o início das tensões na região. Sem consulta aos árabes-palestinos, a ONU optou pela criação de dois Estados: Israel e Palestina. Os Estados árabes não concordaram, travaram uma guerra contra Israel e perderam (1948-1949). 700 mil palestinos fugiram para Gaza, para a Cisjordânia ou para outros países. Israel confiscou as propriedades dos que fugiram; muitas deles pertencentes às suas famílias por gerações, e as usou para promover o assentamento de novas levas de judeus que faziam a “aliá”: retorno. Gaza ficou incorporada pelo Egito e a Cisjordânia e Jerusalém Oriental pela Jordânia.
Durante toda a sua existência o Estado de Israel recebeu generosas doações da afluente comunidade judaica norte-americana, e foi um aliado automático dos EUA durante o período da “Guerra Fria”.
Com a “Guerra dos Seis Dias” (1967) Israel tomou o controle de Gaza e da Cisjordânia e incorporou Jerusalém Oriental. A população árabe, então, se tornou muito numerosa, somando-se os antigos cidadãos árabe-israelenses e as populações de Gaza e Cisjordânia, sem cidadania, movidas de ressentimento pelas propriedades perdidas, fortemente controladas por Israel, isoladas em uma série de enclaves, com um padrão de vida bem inferior. Daí em diante os surtos de violência são periódicos, com ações e reações, escalada mútua de radicalismo, e muitas mortes inocentes.
Atualidade – Em 1993 foi criada a Autoridade Nacional Palestina, com autonomia relativa sobre Gaza e a Cisjordânia (com capital provisória na cidade de Ramallah), mas não como um Estado independente, mantida sobre eles a soberania do Estado de Israel. Na verdade uma constelação de municípios descontínuos, com um Presidente, uma bandeira, um time de futebol, e um Parlamento com escassos poderes, sendo o partido secular Fatah (que antes cometera atos terroristas) a força política dominante. Em 2005, Israel se retirou de Gaza, fechando suas colônias. Colônias judaicas continuam a existir na zona rural da Cisjordânia, entre cidades palestinas muradas, cujas entradas e saídas são controladas pelo exército de Israel. Verdadeiros “condomínios fechados”, de fora para dentro… e involuntariamente. Chocante ironia, para mim, no ano passado, foi estar em Jericó com nova muralha… construída pelo Estado de Israel.
Enquanto isso, as guerras, e a falta de oportunidades, têm levado ao êxodo dos cristãos da Palestina e do Oriente Médio para o Ocidente, reduzindo drasticamente a sua presença na região de onde são originários, e onde mantiveram a sua fé por dois mil anos.
Se durante a “Guerra Fria” contra a União Soviética, os EUA e aliados armaram Sadam Hussein contra os aiatollahs do Irã, e os mujahedim (como a Al-Qaeda) contra o regime comunista do Afeganistão, grupos religiosos como o Hamas foram estimulados por Israel, visando enfraquecer as forças seculares então majoritárias.
Somando-se os habitantes de Gaza e da Cisjordânia com os cidadãos não-judeus do Estado de Israel, se está diante de uma bomba-relógio biológica. A imigração e a taxa de natalidade dos judeus em Israel vêm perdendo percentagem para as famílias mais numerosas dos cidadãos não-judeus, que poderá ultrapassá-los em poucas décadas.
A paz mundial depende de uma maioria de países caracterizados como Estados Democráticos de Direito, laicos e plurais, com direitos e deveres iguais para todos os cidadãos. Se hoje dois Estados um Judeu e um Palestino ambos independentes e com um tratado de paz é a solução mais desejável e menos mal, o grande erro da ocupação britânica e da ONU foi a partição e não a construção de um Estado Laico unificado.
Se os mais religiosos dentre os judeus os Ortodoxos se mantém contrários à existência do Estado de Israel, e esse nasceu de um ideal secular, humanista e socialista, outra ironia é que foi entre setores do protestantismo norte-americano: dispensacionalistas, pré-milenistas e pré-tribulacionistas, que se foi construir uma teoria de legitimação para aquele Estado. Seria uma “vitória” dos derrotados no Concílio de Jerusalém (Atos 15)? Um retorno dos judaizantes em uma igreja fragmentada e em crise de autocompreensão e identidade, rompida com sua própria história? O que afirmamos nós, a maioria dos protestantes que não concorda com esse “cristianismo sionista”, que vai se tornando cada vez mais judaizante, chegando alguns a advogar que há hoje dois caminhos para a salvação: a Graça mediante a Fé em Cristo para todo o mundo, e a Lei para os judeus? Para nós, que não aceitamos nem o gueto de Varsóvia, nem o gueto de Gaza?
Novo Povo de Deus
1. Deus na economia da salvação chamou Abraão, deu a seus descendentes um espaço geográfico, onde deveriam ser o Povo da Aliança: monoteísta, portador da Lei e dos estatutos, modelo de ética individual e social, com um sacerdócio estabelecido ao redor de um Templo, com uma revelação que também se fazia pelos profetas, e cujo objetivo último seria a chegada do Messias na plenitude dos tempos;
2. O Povo de Israel teve sua trajetória marcada pela instabilidade e pela desobediência do bezerro de ouro e das murmurações no deserto, ao culto idolátrico, politeísta e imoral a deuses estrangeiros, com uma sucessão de maus dirigentes. Os profetas procuraram exortar, corrigir e advertir. Deus, como corretivo, permitiu Israel ser invadido por outros povos e sofrer dois exílios. Por dois séculos antes do Messias, houve silêncio na revelação. O reino do norte (Israel) já havia desaparecido, e o que restara do reino do sul (Judá), era uma província periférica e enfraquecida do Império Romano, dirigida, política e religiosamente, por usurpadores.
3. A Primeira Aliança chega ao fim com o nascimento, a obra e a ressurreição do (rejeitado) Messias, e quando o véu do templo se rasga. Com a destruição do Templo, no ano 70 ad.;cessam os sacrifícios, porque o Cordeiro já fora imolado; cessam os profetas. Uma obra estava acabada, a descendência de Abraão e Davi seria uma bênção para as nações na pessoa de Cristo. A partir daí fica apenas o Judaísmo, como uma religião monoteísta presa à narrativa do passado. Só há um caminho de salvação: Cristo, e os judeus, para serem salvos, deverão se enxertados na árvore da Nova Aliança.
4. Com o Pentecostes se inicia a Nova e Eterna Aliança, o último e definitivo pacto: a Igreja, o novo e atual Israel, Povo de Deus de todos os povos e para todos os povos. A Nova Aliança herda e completa a Antiga. Escreve o apóstolo Pedro: “Mas vós sois geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, para que anuncieis as grandezas daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz” (I Pe 2:9). Essa tem sido _ por dois mil anos _ a visão dos Pais Apostólicos, dos Pais da Igreja e dos Reformadores.
5. Integramos o Antigo Testamento (+ o Novo Testamento) no Cânon das Escrituras cristãs. A despeito de nos sentirmos afetivamente vinculados às terras dos episódios bíblicos e por onde o nosso Senhor andou, não podemos _ nem devemos _ identificar o atual Estado de Israel com o Israel antigo da Bíblia. O nosso compromisso no Oriente Médio e em todo o mundo é com nossos irmãos e irmãs da Igreja, e não com os judeus, os islâmicos, ou qualquer outro. Em respeito às Sagradas Escrituras e ao consenso dos fiéis de vinte séculos, não nos cabe elaborar teorias para apoiar agendas geopolíticas do presente.
A paz é fruto da justiça! Pela paz em Jerusalém, e para todos os povos!
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