Quando o regente não existe

Autor: Ariney B. Oliveira




A obra está chegando ao seu final. No clímax do último movimento as harmonias se estendem e o tempo se dilui. Parece não ter fim. O crescendo suspende ainda mais a resolução. A platéia não respira. Os músicos, levados pela forte emoção, envolvem-se na coda final com tamanho empenho que chegam ao máximo de suas energias. E todos, músicos e platéia, são controlados por uma simples batuta. Todos, espectadores e executantes, são levados e envolvidos pela vontade e sentimentos daquele que une tudo debaixo de suas mãos: o regente. A obra termina com um longo e brilhante acorde. Os apupos de platéia são um misto de evasão de energia, reconhecimento da beleza da obra e também um profundo respeito e admiração ao regente e sua orquestra. De uma forma calorosa, mas respeitosa, todos no auditório reconhecem a grandeza e o valor de um grupo de pessoas comandadas por um regente. A admiração da platéia coloca os músicos em uma posição de respeito, reverência. E todos são unânimes em reconhecer a grandeza desses indivíduos.

Cenas como esta são comuns a todos nós. De uma forma ou de outra, nós músicos, já estivemos em ambos os lados da situação. Já sentamos em ambas as cadeiras. Conhecemos todos estes sentimentos com muita intimidade. Sabemos por experiência como é bom tocar, cantar, executar. Gostamos muito da música, afinal somos músicos.

Em nosso dia-a-dia experimentamos muitos desses sentimentos, muito embora estejamos envolvidos em uma outra forma de manifestação musical. Nossa experiência está muito mais relacionada ao ambiente da igreja, com suas características próprias, suas vantagens e limitações. Somos membros de uma orquestra diferente. Nosso chamado nos traz muito mais do que a satisfação da execução: nos dá a alegria da salvação.

Como músicos na igreja, devemos nos lembrar sempre da missão e do propósito de nossa existência, ou seja, devemos ter sempre diante de nós a certeza de que estamos fazendo um trabalho que, acima de tudo, objetiva engrandecer o nome de Deus e trazer pessoas aos Seus pés. Infelizmente, muitos de nós deixamos de lado tal visão e nos concentramos em nós mesmos.

Como músicos, é muito fácil recebermos elogios, palavras de carinho e reconhecimento por um trabalho realizado. Devemos nos lembrar, no entanto, que nosso trabalho deve ser o de levar as pessoas até Cristo, mantendo nosso eu sempre em sintonia com o céu. O que para nós é um dom simples e normal é, para outras pessoas, um tesouro que elas gostariam de ter. E muitas vezes somos abordados como sendo superiores ou melhores do que os outros. Nosso talento musical não deve ser usado por nós como uma ferramenta de engrandecimento próprio. Como músicos temos uma obra a realizar; como indivíduos uma mensagem a dar. Nossa igreja precisa de talentos que sejam, usados para a glória de Deus, não em aspecto exterior, mas na raiz das intenções.

Muito se debate hoje quais os estilos e tendências próprias para a igreja. Poucos, no entanto, enfocam a necessidade de sinceridade do músico, seja ele cantor, compositor, instrumentista, regente, pesquisador ou professor. A participação nas atividades do culto a Deus nos transforma em condutos através dos quais o céu se comunica com a terra e vice-versa. Nossas intenções valem muito mais a Deus do que a forma com que expressamos nosso louvor. De nada adianta termos em nossos cultos a música mais refinada, mais sacra, mais enobrecedora, se o coração dos que nela participam está voltado para si, para a grandeza própria, para a competição, para o chamar a atenção para o seu talento. Não existe nada mais ofensivo Deus do que um coração não consagrado tomando parte do louvor. O louvor que Deus aceita é aquele que nasce de um coração sincero e consagrado a Ele. De nada adianta a técnica, a musicalidade, o virtuosismo, a maestria e a beleza de nossa arte, se ela não for o resultado de nossa relação com Deus. O amor a Deus deve ser a grande força que nos motiva a trabalhar para Ele. Nada que façamos com outra intenção vai ser considerado pelo céu como louvor, mesmo que tenha toda a aparência de santidade, mesmo que outros a considerem como uma manifestação genuína de louvor.

Este é um ponto muito delicado e difícil de ser avaliado. Somente Deus conhece o nosso coração. Podemos estar ano após ano trabalhando para Deus; podemos atrair várias pessoas para nos ouvirem. No entanto, Deus pode estar cansado de nossa música; pode estar cansado de nosso louvor. Nosso coração, nossas intenções, precisam ser colocados sob a batuta do Grande Regente. É o nosso coração, com todos os seus defeitos e imperfeições, que deve ser transformado, não pela música do céu, mas pela graça de Cristo.

Como cristãos, cabe a nós a grande tarefa de apresentar Jesus ao mundo. As emoções do céu estão em nossas mãos para que possamos usá-las em benefício do evangelho. Cabe a cada um de nós avaliar a si mesmo e buscar uma relação com Deus que seja honesta, sincera e sem hipocrisia; uma relação que nos motive a cantar, tocar, compor pelo prazer de ver outros recebendo bênçãos, sem que queiramos ser as estrelas do espetáculo. Cabe a nós sermos como regentes que não querem aplausos diante da grande sinfonia da vida; cabe a nós deixar de lado as carícias de próprio ego e olhar para bem longe de nós mesmos, onde o verdadeiro sentido da vida e da existência estão. Cabe a nós olhar para Jesus e viver.

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Ariney B. Oliveira, produtor musical e diretor da ABBO.

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