Autor: Márcia Tostes
O assunto ‘Namoro no Campo’, um assunto muito pertinente à vida do missionário, pois as estatísticas da pesquisa da SEPAL(2001) dizem que 21% dos missionários brasileiros são solteiros (por que não dizer solteiras, uma vez que o numero de solteiras é maior (15%) do que solteiros (06%) !) .
Estando no campo e sendo solteiro ou solteira, as oportunidades para um namoro com certeza aparecerão, haja vista o numero de casamentos interculturais na comunidade missionária. Por isso, a necessidade de antemão conversar sobre o assunto para não ser pego ou pega de surpresa, com as especificidades da situação.
Em primeiro lugar, o que é namoro? Na Bíblia, por exemplo, não vemos esta prática. Os casamentos eram arranjados, isto é, na hora certa, a família fazia os arranjos necessários para que os pombinhos se encontrassem. (De minha parte até acharia bom, acredito que muitos já estariam casados!)
Na nossa cultura, namoro é (pelo menos era !) a fase que antecede o noivado e por fim o casamento. Digo na nossa cultura, pois namoro pode ser interpretado de outras formas em outros lugares, podendo até não existir em algumas delas. Esta fase seria dedicada ao mútuo conhecimento, até para perceber as diferenças das histórias que seriam trazidas para o casamento.
Entendendo então, o que namoro significa para nós, por que então tratá-lo de uma forma diferente quando se está no campo? Existem razões para isto, Vou aqui apontar algumas.
Em primeiro lugar, é importante dizer que o namoro no campo pode ter várias configurações : pode ser entre duas pessoas do mesmo país, que por razões semelhantes ou diferentes se encontram lá; pode acontecer entre pessoas de culturas diferentes, um de fora e outro do país hospedeiro, e até mesmo os dois de países diferentes daquele onde se encontram. Em cada uma destas possibilidades, existem áreas a serem observadas para que o relacionamento se concretize de uma forma que traga conforto para os envolvidos.
Em segundo lugar, penso que namoro significa possibilidade de casamento e por isso, no campo missionário se faz diferente, uma vez que pessoas de culturas diferentes vão construir uma relação.
Existem outros pontos que poderiam ser vistos, como o melhor momento para iniciar um relacionamento no campo, implicações com as organizações de envio, regras de conduta , etc. Contudo, neste artigo vou me ater principalmente à questão de um dos produtos do namoro no campo – o casamento intercultural.
Casamento Intercultural
“De fato, eu comecei a perguntar, será que casamentos mono culturais existem?” Timo Keskitalo
Casamento, segundo a os princípios bíblicos, é uma relação única entre um homem e uma mulher que têm como objetivo, passar o resto de suas vidas juntos. Para o casamento, cada um trás consigo uma mistura própria de experiências passadas.
Neste sentido, todos os casamentos podem ser considerados interculturais, cada um dos cônjuges vem de histórias diferentes, com suas tradições, valores e costumes. Mas os de culturas diferentes dentro do contexto que estamos usando neste artigo, podem trazer conflitos próprios desta realidade. A grande mobilidade da sociedade tem resultado a cada dia num maior número de casamentos entre pessoas de localização geográfica e culturas diferentes, não só na comunidade missionária .
Estudiosos do assunto, colocam que quanto maior a diferença no ‘background’ cultural, maior poderá ser a dificuldade dos cônjuges para se adaptarem ao casamento. Muitas vezes as próprias características que foram os atrativos para o envolvimento, acabam sendo as causas de conflito.
Pensemos por exemplo no caso onde uma moça brasileira , que se apaixona, namora e casa com um rapaz europeu. As características desta moça talvez sejam a abertura, a alegria, a comunicação, enfim, o perfil que chamaria atenção de um europeu mais reservado. Imagine agora, este casal em uma visita ao Brasil. O comportamento social da esposa, parando para conversar com todo mundo, abraçando os amigos, poderia ser interpretado como um ataque ao marido, que pode se sentir deixado de lado . Imaginem então se o marido vem de uma cultura que dá uma super importância à pontualidade, quando a esposa se atrasar para um compromisso.
O conhecimento das diferenças nos sistemas culturais pode ser útil para os cônjuges que tomam o comportamento um do outro em termos pessoais. Os casais podem experimentar uma súbita e notável mudança na resposta quando passam a ver o comportamento do cônjuge como fazendo parte de um contexto étnico mais amplo, e não como um ataque pessoal.
Como no exemplo acima, o marido poderia perceber o comportamento da esposa como uma forma de ataque pessoal e não como algo fortemente influenciado pela cultura.
Em outras palavras, o efeito das diferenças culturais que cada um trás para o casamento , vai variar de acordo com o conhecimento que cada um tem destas diferenças e da maneira como vai interpretar os comportamentos do cônjuge.
O impacto da herança cultural que cada um trás, vai se manifestar de alguma forma , em situações diárias por todos os estágios da vida. Desde o nascimento até a morte, existem padrões de comportamentos que são definidos pela cultura, podendo chocar completamente um membro de outra cultura. Por exemplo, no Brasil o nascimento de um filho é um evento familiar, onde a presença dos avós é completamente aceita e até esperada. Na Inglaterra por sua vez, o acontecimento restringe-se mais ao casal, e a presença dos avós chega a causar espanto. Portanto, para cada acontecimento no ciclo da família, onde o casamento envolve duas culturas diferentes, haverá duas opiniões bem diferentes e até divergentes. Alguns aspectos do casamento intercultural, como dinheiro, tempo, gênero e questão de filhos, entre outros, podem trazer conflitos.
Na minha prática atendendo casais que se aventuraram no casamento intercultural, tenho percebido que somente o amor não dará conta de sustentar o relacionamento. É preciso entendimento da situação, conhecimento da cultura um do outro, desejo de abrir mão e muitas vezes ajuda de fora para ter um relacionamento como o Senhor planejou .
Procuro ajudar a estes casais a :
Reconhecerem suas diferenças e sua complementaridade, pois assim poderão ter uma idéia mais clara de quais são as concepções do outro.
Validarem as escolhas que fizeram com base na complementaridade e regularizarem as abordagens e crenças de cada um.
Criarem uma “terceira realidade”, uma realidade transcultural, um cenário onde ambos podem ser eles mesmos e, ao mesmo tempo, sensíveis às reações mútuas. Isto representa para o casal o desafio de estabelecer, em cada situação, quem entre os cônjuges é capaz de fazer o sacrifício que levará a um compromisso e ao conhecimento de que o parceiro que se adaptou ao outro é o único que poderia tê-lo feito.
Sabendo da minha busca por material apropriado para o assunto, recebi de presente do meu querido esposo, Silas, um livro (infelizmente só está em inglês ) chamado LOVE ACROSS LATITUDES. Este é um livro precioso, altamente recomendável, escrito por uma missionária da AWM ( Arab World Mission ), Janet Fraser-Smith , que também teve um casamento intercultural.
Pois bem, neste livro há umas recomendações úteis para quem está querendo embarcar nesta aventura :
Pense bastante – Gaste bastante tempo antes de tomar a decisão final!
Pesquise o suficiente –
– Se possível passe um tempo na cultura do outro, antes do noivado .
– Estude a cultura do outro profundamente … Procure e tente entender o que vai ‘por debaixo do pano’.
Pese os prós e contras – Considere os assuntos difíceis: a longo prazo, onde iremos morar ? Muitos casais não querem fazer esta pergunta. Qual será o impacto nos filhos?
Sinta o medo.
Case assim mesmo, mas somente após terem se testado e esteja certo que esta é a vontade de Deus para suas vidas!
Concluindo, gostaria de dizer que qualquer pessoa que está disposta a entrar em um relacionamento intercultural precisa estar preparado para conhecer e compreender ao máximo possível o ‘background’ do seu cônjuge, embora talvez no momento do namoro, com toda a atração envolvida, esta seja uma tarefa difícil. Isto não somente trará um maior conhecimento do outro, mas também oferecerá uma base segura de onde um belo relacionamento poderá ser construído.
Márcia Tostes é terapeuta familiar e Diretora para o cuidado integral do missionário na Missão Antioquia
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