Perpétua fidelidade

Autor: João Soares da Fonseca

É meio vago hoje saber genericamente que muitos cristãos dos primeiros tempos do evangelho foram lançados às arenas de Roma, destroçados por animais selvagens. Mas o horror e a grandeza de tais testemunhos saltam diante de nós, se examinarmos um caso específico. Como o de Víbia Perpétua, por exemplo.
Perpétua morava, ao tempo do imperador Sétimo Severo, na cidade de Cartago, no Norte da África. De linhagem nobre, era uma jovem de 26 anos, de bela aparência e fina educação, que tendo conhecido a Cristo, a ele se rendeu. Batizada um pouco antes de sofrer o martírio, ao sair das águas, afirmou: “O Espírito Santo me inspirou a orar pedindo apenas perseverança diante dos castigos físicos”. Enquanto aguardava na prisão o dia da execução, recebeu a visita de seu velho pai, que insistia com ela em que renunciasse a fé e sobrevivesse. Ela respondeu:
– Pai, está vendo aquele vaso ali no canto? Será que alguém poderia chamar aquilo de outro nome senão vaso? Da mesma forma, eu também não poderia me chamar de outra coisa senão o que sou, uma cristã.
O pai, enraivecido, a ameaçou e surrou, mas ela não cedeu. No dia do julgamento, Hilário, o procurador de Cartago, lhe perguntou: –
És tu cristã?
E ela respondeu:
– Sim, e não posso trocar minha fé pela liberdade.
Ao ouvir estas palavras, o pai percebeu que a filha certamente seria lançada às feras. Num gesto impensado, tentou tirá-la dali à força. Hilário ordenou que ele fosse surrado. Perpétua sofreu mais ao vê-lo assim humilhado, do que se ela própria recebesse o castigo.
A execução em si, em março do ano 283, é uma das páginas mais sangrentas da História da Igreja, aliás, habilmente registrada por uma testemunha ocular, coisa rara então. Ao lado de outros cristãos, e de sua escrava Felicitas, também convertida, Perpétua entrou na arena cantando um salmo. Quem primeiro teve que enfrentar as feras foram os homens. Foram atacados por um leopardo, um urso e um javali. Um deles, Saturo, ficou tão ensangüentado que os espectadores zombavam:
– Ele foi muito bem batizado!
Perpétua e Felicitas foram atiradas à arena, junto com um novilho selvagem, o qual atacou primeiro a Perpétua, ferindo-a e rasgando-lhe a túnica. Vendo que o animal sacudia Felicitas, Perpétua foi em socorro da amiga, recebendo ambas furiosa investida do animal. Os espectadores gritaram:
– Chega!
Perpétua pôde contemplar-se; vendo as feridas abertas em seu corpo, mas sem sentir dor, louvou a Deus, que tinha mais poder que os perseguidores. Se estes podiam destruir-lhe o corpo, jamais o espírito. Chamou o irmão e pediu que continuasse firme na fé, e que dissesse aos membros de sua família, que se amassem uns aos outros.
Perpétua caminhou corajosamente na arena, desta vez para ser decapitada. O gladiador, não sendo dos melhores, apenas abriu-lhe mais ferimentos. Depois de um grito de dor, ela mesma direcionou a espada contra a sua garganta, e expirou.
A repercussão deste episódio foi tamanha. Muitas pessoas queriam conhecer a essência da religião que era capaz de produzir heróis e heroínas desse nível.

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