Os superapóstolos

Autor: Elben M. Lenz César
Aqui no Brasil e quiçá em outros países, alguns irmãos que servem ao Senhor estão tendo o título de apóstolos. E alguns desses apóstolos estão dando o mesmo título aos seus cônjuges. Eles e elas são chamados entre si e pela congregação de apóstolos. Há também algumas irmãs que se dizem autorizadas por Deus para ungir certos líderes como apóstolos.

Precisamos caminhar com mais cuidado no que diz respeito a essa novidade. Até agora temos reservado o título de apóstolo aos doze discípulos que Jesus mesmo escolheu e chamou de apóstolos depois de uma noite de oração (Lc 6.12-16).

O primeiro historiador da Igreja refere-se a Paulo e a Barnabé como apóstolos (At 14.14). Paulo tem consciência desse título e não o esconde. Todavia, deixa sempre claro que não foi ele que se fez apóstolo. Quando menciona o fato, faz questão de declarar que é apóstolo “por vontade de Deus” (1 Co 1.1; 2 Co 1.1; Ef 1.1; Cl 1.1; 2 Tm 1.1) ou “pelo mandato de Deus” (1 Tm 1.1). Ele assevera que foi “chamado para ser apostolo” (Rm 1.1). Paulo é tão cuidadoso quanto a esse assunto que insiste em explicar que é apóstolo “não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai” (Gl 1.1). A única vez que ele se diz apóstolo sem oferecer explicação é quando escreve a Tito: “Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo” (Tt 1.1). Paulo entende que foi feito apóstolo pelo poder de Deus “para anunciar o evangelho aos não-judeus, assim como Pedro foi feito apóstolo para anunciar o evangelho aos judeus” (Gl 2.8, NTLH). Trata-se, respectivamente, do apostolado da incircuncisão e do apostolado da circuncisão. O homem que experimentou profunda transformação à porta de Damasco lá pelo ano 37 da era cristã explica aos coríntios: “As coisas que provam que, de fato, sou apóstolo foram feitas entre vocês com muita paciência. Foram sinais, maravilhas e milagres” (2 Co 12.12, NTLH).

Temos o hábito saudável de chamar de apóstolos certos servos de Deus que se distinguiram na história da Igreja, como o apóstolo do Brasil (José de Anchieta), o apóstolo dos pés sangrentos (Sadu Sundar Sing), o apóstolo da Amazônia (Eurico Alfredo Nelson), o apóstolo da Madeira (Robert Kalley) etc. Eles mesmos nuca se chamaram de apóstolos. São seus biógrafos que o fazem, depois da morte deles.

Para evitar perigosos e sutis desvios, é necessário lembrar a figura dos superapóstolos citados nos capítulos 10, 11 e 12 da Segunda Epístola aos Coríntios. Eles são de desastrosa memória.

Quem está acostumado a ler apenas a Edição Revista e Atualizada da Bíblia de João Ferreira de Almeida talvez não conheça a palavra “superapóstolos”. Enquanto essa versão usa a palavra “apóstolos”, outras traduções (NVI, NTLH, EP, TEB e CNBB) preferem a palavra “superapóstolos”, mais de acordo com o original grego. A Bíblia de Jerusalém e a Bíblia da Pastoral Catequética traduzem a mesma palavra por “eminentes apóstolos”. A paráfrase da Bíblia Viva chama-os de “sublimes mensageiros de Deus”.

Quem são esses homens que se autodenominam superapóstolos?

Em nota de rodapé, a Bíblia de Estudo de Genebra explica que não eram irmãos na fé que diferiam em certas questões não essenciais, mas servos de Satanás dentro da igreja, competindo para obter posições de liderança. Eles “só produziam divisão, calúnia, imoralidade e toda espécie de destruição”.

A Bíblia Viva é bem mais direta e objetiva ao traduzir a denúncia de Paulo acerca desses superapóstolos: “Eles são uns vigaristas, que enganam vocês, fazendo-os pensar que eles são apóstolos de Cristo” (2 Co 11.13).

Esses “apóstolos falsos e não verdadeiros, que mentem a respeito dos seus trabalhos, apresentando-se como verdadeiros apóstolos de Cristo” (NTLH), solaparam a autoridade de Paulo na igreja de Corinto. Diziam que as cartas do apóstolo eram imperativas e fortes, mas a presença pessoal dele era fraca (2 Co 10.10). Ou, como reza outra versão: “As cartas de Paulo são severas e duras; mas, quando ele está conosco, é tímido e, quando fala, é um fracasso” (NTLH).

Tal é o estrago que Paulo é obrigado a se defender, entrando em detalhes pessoais que nunca antes havia mencionado a ninguém, como a experiência de arrebatamento ao terceiro céu (2 Co 12.1-6). Além do mais, oferece, constrangido, um minucioso relatório de seu ministério e de seu sofrimento (2 Co 10.13-11.33). Ele cita os problemas de ordem física e os problemas de ordem emocional; as pressões externas e as pressões internas. Na primeira lista (2 Co 11.23-27), estão os açoites, as varadas, os apedrejamentos, os aprisionamentos, os trabalhos, as viagens, os naufrágios, as canseiras, as vigílias, a fome, a sede, o frio, a nudez e os diferentes perigos na cidade, no deserto e no mar. Na segunda lista (2 Co 11.28-29), estão o sentimento de fraqueza (quando algum irmão fraqueja) e a sensação de febre (quando algum irmão cai em pecado).

Hoje em dia, chamamo-nos de apóstolos para resguardar nossa liderança exclusiva no meio de tantos auxiliares inferiores a nós, como diáconos, presbíteros, pastores, evangelistas, anciãos e bispos. Então, é preciso lembrar a fórmula dada por Jesus Cristo para quem quer ascender ao primeiro lugar: “Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos, aquele que serve a todos” (Mc 9.35, CNBB).

O verdadeiro apóstolo é aquele que diz, como Pedro disse na casa de Cornélio: “Eu também sou homem” (At 10.26). Ou como Paulo e Barnabé disseram na cidade de Listra: “Nós também somos homens como vós” (At 14.15). Ou como disse o anjo diante do qual João caiu de joelhos: “Não! Não faça isso! Eu sou um servo como você e como os seus irmãos, que mantém o testemunho de Jesus. É a Deus que você deve adorar!” (Ap 19.10, EP). O verdadeiro apóstolo é aquele que não revela apenas o privilégio de ter sido arrebatado ao terceiro céu, mas põe a descoberto, logo em seguida, o drama do espinho na carne, por causa do qual a vanglória torna-se impossível (2 Co 12.7-10)!

Elben M. Lenz César
Editora Ultimato

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