Os falsos visionários

Autor: Humberto Elias Lopes

Lamentavelmente, nos últimos tempos as igrejas e outras organizações evangélicas têm lidado com um tipo de pessoa cada vez mais presente: o falso visionário. Usualmente comunicativo e aparentemente dotado de uma visão extraordinária, a pessoa com esse perfil consegue ocupar posições de liderança em nosso meio, às vezes, por anos a fio. Quando finalmente a farsa vem à tona, já é tarde demais: a igreja se dividiu e a organização entrou em estado terminal.
Mas se a ação desse tipo de pessoa é tão danosa, porque ela consegue ascender a cargos importantes? Uma das respostas possíveis para isso está no fato de que usualmente os falsos visionários são excelentes comunicadores, que sabem dizer exatamente aquilo que as pessoas gostam de ouvir. A percepção geral é a de que a igreja precisa de mudanças? O falso visionário sempre tem um discurso prontinho em mãos, no qual a necessidade de mudanças ocupa posição central. As pessoas na organização estão desanimadas? O falso visionário as proverá com palavras prevendo um futuro brilhante. A crise financeira bate à porta da igreja ou da organização? Nosso personagem tratará de exaltar as virtudes de uma boa gestão dos recursos, de preferência, apontando os erros daqueles que cuidavam disso anteriormente.
É claro que essa situação não ocorre simplesmente pela boa comunicação do falso visionário. Há também uma grande parcela de culpa das pessoas que acreditam em suas falácias. Todos nós somos dotados de certo senso crítico, o que nos permite ver a realidade de uma maneira menos emocional. Quando abdicamos disso, passamos a estar sujeitos a todo tipo de influência negativa, incluindo a do falso visionário. É como se nós optássemos por negar a realidade para embarcar em um discurso mais ameno e mais agradável aos nossos ouvidos, exatamente como fez o povo de Israel ao dar ouvidos para Hananias e não para o profeta Jeremias.
Feita essa introdução, vejamos quais seriam as principais características de um falso visionário:

1) Gosta de se passar por humilde
É incrível verificar como o falso visionário gosta de exaltar sua suposta humildade. São freqüentes as histórias que relatam a infância pobre, as dificuldades para estudar e sustentar a família e outras coisas do tipo. Isso serve como pano de fundo para que esse nosso personagem se coloque como uma pessoa simples e acessível a todos, já que ele sofreu muito na vida. Ledo engano.
Esse discurso é milimetricamente planejado: como dito anteriormente, o falso visionário tem a consciência de que é mais interessante dizer para as pessoas aquilo que elas gostam de ouvir, a fim de angariar apoio. Como ele sabe que uma característica dos brasileiros é tender a se solidarizar com aqueles que sofrem, nada mais conveniente do que se colocar na própria posição de sofredor. Dessa forma, está garantida uma boa platéia para apoiar as suas idéias.

2) Acredita que as demais pessoas existem apenas para implantar suas idéias
O falso visionário é, antes de tudo, um solitário. Ele acredita que é tão bom e perfeito que não precisa ouvir ninguém. Suas propostas são sempre sensacionais e irrepreensíveis. Portanto, a única função dos demais seres viventes é obedecê-lo e implantar suas idéias. E ai daquele que ousar se rebelar contra isso: no mínimo, sofrerá a execração pública.

3) Está seguro de que é injustiçado
Já sabemos que o falso visionário tem sempre razão em tudo. Mas é impressionante notar como ele gosta de se colocar na posição de injustiçado toda vez que alguém o critica. Quando isso acontece, nosso suposto visionário se apressa em dizer que é incompreendido e que está sofrendo perseguição e injustiça por pensar à frente dos demais. Mais uma falácia: o problema é que ele simplesmente não suporta a idéia de que possa estar errado. Afinal, seu ego inflado não consegue sobreviver em um ambiente de questionamentos e críticas.

4) Ama se comparar a Jesus, a Moisés e aos mártires da fé
Esse item é uma continuação do anterior. Como acredita ser injustiçado e incompreendido, o falso visionário adora se comparar principalmente a Jesus. Em sua ousadia, argumenta que nosso Senhor também foi perseguido por aqueles que não o compreendiam. De maneira semelhante, sente especial atração por analogias com Estevão, Moisés e com os apóstolos martirizados. O pior é que tamanha presunção encontra eco entre muitos.

5) Adota um discurso no qual a retórica e a prática estão completamente dissociadas
O falso visionário normalmente prega uma coisa e pratica outra. Ele gosta de exaltar temas que são do seu interesse, pois o auxiliam a manter seu poder na igreja ou na organização. Assim, assuntos como amor ao próximo, perdão, ética, transparência, lealdade, entre outros, são freqüentemente lembrados. Só que nosso personagem não costuma praticar nada disso: não demonstra amor pelos outros, não perdoa, não age de maneira ética em várias situações, não é transparente nas suas ações e não pensa duas vezes para abandonar as pessoas à própria sorte, mesmo que elas lhe tenham sido fiéis. Ele só está preocupado consigo mesmo, não hesitando em fazer aquilo que acha adequado para manter seu poder.

6) Investe na construção de uma imagem positiva a respeito de si mesmo
Já vimos que o falso visionário tem um ego bastante inflado. De maneira absolutamente incoerente, para sustentar tamanho peso, é preciso contar com a aprovação das pessoas, as mesmas que ele trata com desdém. Essa aprovação é obtida de várias maneiras, dependendo do tipo de platéia pela qual nosso personagem se interessa. Se o público é de renomados pastores, o falso visionário procurará se posicionar como um ministro que fez maravilhas pelas igrejas por onde passou. Se a platéia é de missionários, então o melhor será adotar a mais perfeita visão evangelística do mundo. Por fim, se o público for de técnicos, nosso personagem será o mais competente de todos. Mais um alerta: se, por um acaso, existir alguém melhor que o falso visionário na platéia, nosso personagem logo partirá para o discurso da humildade. Ele dirá que ainda precisa aprender muito, que não fez todos os cursos que deveria, e assim por diante.

7) Vive em um mundo de fantasia
O falso visionário não vive apenas de ilusões a respeito de si mesmo: ele também cria sua própria visão fantasiosa de mundo. Para ele, as pessoas que o cercam são seus admiradores incondicionais. Não há crises onde ele atua. Os questionamentos e resistências ao seu modo de agir são coisas de um grupo reduzido, que não sabe reconhecer o seu valor. O falso visionário é incapaz de perceber que está levando a igreja ou a organização para um pântano de crises e sofrimento. Afinal, sua auto-imagem e sua percepção da realidade não condizem com uma situação tão calamitosa.

8) Causam divisão por onde passam
Uma importante característica do falso visionário é a sua extraordinária capacidade de dividir as igrejas ou organizações. Aonde quer que ele vá, o resultado é a formação de grupos que o apóiam ou o criticam. O embate entre ambos vai progressivamente deteriorando o ambiente, fazendo com que a convivência entre as pessoas se torne impossível. Com isso, insultos, fofocas, mentiras e outras agressões passam a fazer parte da rotina. Por fim, essa situação vai se agravando até culminar com a divisão da igreja ou da organização. E como fica o falso visionário? Bem, como só se preocupa com si mesmo, ele não terá o menor problema em continuar no mesmo lugar em que estava, mesmo que tenha sido o principal responsável pelo problema. Provavelmente, vai colocar a culpa em alguém e dizer que foi incompreendido e injustiçado. Afinal, Jesus sofreu o mesmo, correto?

Como crentes precisamos estar atentos para não permitir que esse tipo de pessoa tenha espaço em nosso meio. Nossas igrejas e organizações têm passado por muitas situações difíceis, por uma série de razões. Com isso, não precisamos contribuir negativamente para o trabalho de Deus dando voz para pessoas que, a despeito de sua ótima retórica, prestam-se somente a desagregar e a destruir. Devemos ter sempre em mente as palavras de Jesus em Mateus 12: 30: “Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha.” Que todos nós estejamos sempre com nosso Deus.

Humberto Elias Lopes é membro da Igreja Batista Memorial de Belo Horizonte e doutor em Administração.

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